200 mil mortos pela Covid-19, Brasil é pária internacional de saúde pública

Covas no Cemitério do Caju, na Zona Portuária do Rio (Guito Moreto/Agência O Globo)

Com informações da assessoria

RIO DE JANEIRO — Ao custo das 200 mil mortes por Covid-19 oficialmente registradas, o Brasil gravou o nome como um dos protagonistas da história da pandemia, um dos piores momentos já atravessados pela Humanidade. É brasileira a face do fracasso contra o coronavírus. Sem testagem em massa, sem distanciamento social e sem vacina, o país, outrora orgulhoso de seu programa de vacinação, superou as projeções mais pessimistas e se tornou o que cientistas chamam de pária internacional de saúde pública.

O país amarga o segundo maior número de mortes do planeta, inferior apenas aos dos EUA, com população 50% maior e igualmente desprovido de política nacional contra a pandemia. E até às 17h29 desta quinta-feira, 7, foram registrados mais 968 óbitos no país.

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“Nos tornamos párias internacionais de saúde pública. Duzentos mil óbitos são fruto de uma crueldade inominável. A história poderia ser diferente. O Brasil era referência em saúde pública. Mas tudo isso foi jogado fora. Uma política negacionista, ausência de coordenação nacional e medidas contraditórias, além da falta de empatia, nos colocaram onde estamos. O SUS salvou muita gente, mas não existe milagre” afirma o professor titular de epidemiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Medronho.

Enquanto o restante do mundo iniciou 2021 contando as pessoas vacinadas, o Brasil, de concreto, só tem a somar novos doentes e mortos. E projeções indicam que as mortes podem chegar a 300 mil em abril, se nada for feito, alerta o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto Domingos Alves, do portal Covid-19 Brasil. Se a promessa de vacinação em fevereiro se concretizar, ainda assim, até lá, diz ele, os mortos serão pelo menos 230 mil.

“Antes que a vacinação comece, teremos problemas para enterrar os mortos e colapso da rede de saúde porque não adotamos medidas de distanciamento e testagem” adverte ele.

Domingos Alves pontua que dez estados (RJ, SP, MG, ES, PR, SC, RS, MS, PE, BA) estão com a média móvel de casos maior do que na primeira onda. Nesses lugares, as projeções indicam colapso do sistema de saúde até o fim da semana que vem.

Em uma nota de esperança, nesta mesma quinta-feira o governo de São Paulo anunciou — depois de dois adiamentos — que a eficácia da vacina CoronaVac, produzida pela chinesa Sinovac com parceria no Brasil do Instituto Butantan, é de 78%. Também informou que enviaria à Anvisa a documentação para o pedido de registro emergencial do imunizante. Se tudo seguir no cenário mais otimista, o estado pretende iniciar a vacinação no próximo dia 25.

A marca de 200 mil óbitos, no entanto, superou o pior cenário estimado pelo Ministério da Saúde, ainda no início da pandemia. Na época, se temia que os mortos chegassem a 180 mil. 

“Estamos num platô de mortes da Covid-19. E as perspectivas não são animadoras. As aglomerações não foram combatidas como deveriam, o presidente Jair Bolsonaro continua a desdenhar as vacinas, não dá exemplo. A falta de planejamento é de um amadorismo que impressiona” diz Medronho. 

2021 será ‘ano difícil’

O presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), Rubens Belfort Jr., diz que este será um ano difícil: 

“Se 2020 foi inesperadamente terrível, 2021 será previsivelmente trágico. A sociedade vem sendo enganada, com promessas que não se concretizam. Se começarmos a vacinar em fevereiro, significa que até junho estaremos no inferno. Quem pode vai se vacinar na Europa, as elites estão dispostas a pagar qualquer coisa para se imunizarem. Mas a maior parte da população não terá como se proteger.”

Medronho considera que a divisão de grupos estabelecida pelo Ministério da Saúde no Plano de Imunização deixa de fora o que, a seu ver, é o maior grupo de risco: os pobres, e em especial os negros. 

“Ser pobre é um dos principais fatores de risco para morrer de Covid-19 no Brasil. E no Brasil, ser pobre é quase sempre ser negro. O coronavírus desnudou e aprofundou nossa imensa desigualdade” destaca Medronho.

Rubens Belfort lamenta da falta de transparência da Anvisa e de ação concreta do Congresso brasileiro durante toda pandemia:

“O presidente deu todos os sinais errados, virou uma caricatura. Mas é muito fácil colocar a culpa só nele. O Congresso não fez nada, a omissão dos políticos é enorme.  Viramos os párias desta pandemia também porque nossas elites não reagiram à altura e a classe política se mostrou alienada. Enquanto outros países se vacinam, a gente patina” frisa o presidente da ANM.

Vazio de estratégias

Segundo ele, na hora em que os hospitais e os necrotérios do resto do Brasil ficarem como os de Manaus hoje, mergulhados no caos, talvez as pessoas reflitam que milhares de mortes poderiam ser evitadas. 

A sanitarista Ligia Bahia destaca que a multidão de mortos contrasta com o vazio de estratégias concretas. Não está claro o número real de doses de imunizantes que o Brasil disporá nem a data em que começará a vacinar, diz a professorada UFRJ.

‘A verdade é que ninguém sabe. A única coisa que sabemos é que não temos (ainda) e tão cedo não teremos as 420 milhões de doses das quais precisamos para vacinar todos os brasileiros. No máximo, no fim de janeiro teremos vacinas para políticos posarem para fotos. Viramos párias de saúde pública por conta dessa absoluta falta de estratégia contra a pandemia. O Brasil está com o nome sujo na História” afirma a sanitarista. 

 pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo diz que nunca quis tanto não ter acertado em uma previsão: 

“Em dezembro, disse que este seria o janeiro mais triste de nossa história. Mas queria muito estar errada. Infelizmente, não está sendo assim. Esse número de mortos é brutal.”  

Motivos de esperança para Dalcolmo são, além das já citadas vacinas, o reconhecimento e a participação da ciência brasileira e a emergência do que ela chama de um voluntariado de qualidade. Ela não entende a resistência do governo federal em negociar e  comprar mais imunizantes e argumenta que os refrigeradores não são obstáculos, po rexemplo, para o imunizante da Pfizer/BioNTech.  

“Há grupos de empresários interessados em ajudar, temos que fortalecer essa rede de voluntariado. O governo federal não planejou como deveria e o mundo inteiro parece ter pensado antes de nós em comprar vacinas. Poderíamos estar escrevendo uma história diferente. Mas quem sabe essa tragédia toda não crie um voluntariado de envergadura, que contribua de forma significativa?” diz Dalcolmo.

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