Trinta por cento das mulheres encarceradas têm prisão domiciliar negada, aponta levantamento


07 de outubro de 2022
Trinta por cento das mulheres encarceradas têm prisão domiciliar negada, aponta levantamento
Estudo mostra que o perfil das encarceradas em prisões provisórias são pobres, negras, jovens e com baixa escolaridade; 74% delas são mães (Reprodução/Internet)
Com informações do Portal Alma Preta

SÃO PAULO – De acordo com o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), o exponencial crescimento do encarceramento de mulheres – especialmente, em prisão domiciliar – nos últimos anos, impulsionado pela política de criminalização das drogas (Lei N° 11.343/2006) e pelo uso excessivo de prisões provisórias, atinge mais as mulheres pobres, negras, jovens e com baixa escolaridade.

Acusadas de delitos cometidos sem violência ou grave ameaça, dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram que, do total de mulheres presas, 74% delas são mães. O estudo “Os desafios da aplicação da prisão domiciliar para o pleno exercício da maternidade e a proteção da infância”, no entanto, destaca que embora se revele como importante mecanismo desencarcerador, o direito à prisão domiciliar nem sempre é assegurado.

Os dados da análise elaborada ITTC mostram que 30% das mulheres que tinham direito à substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, no Brasil, tiveram seu direito negado e 43,76% das mulheres em prisão definitiva também. 

“Não existe regulamentação na lei sobre como ela deve ser cumprida, e a realidade é a de determinações restritivas que, por vezes, acabam por inviabilizar o próprio exercício da maternidade e a proteção da infância que se visa proteger”, destaca a pesquisadora Alexandra C. Gomes de Almeida, autora do artigo.

Motivo e racialização

Segundo a pesquisa do ITTC, muitas vezes, é a própria presença de filhos e filhas – em condições econômicas de profundas restrições, sem apoio do genitor, perante uma série de precariedades e dificuldades materiais e subjetivas para a reprodução de suas vidas –, que constituem os fatores que levam as mulheres a cometerem violações à lei para garantir sua sobrevivência e o sustento de sua prole.

“Porém, a realidade do cárcere, no Brasil, expressa uma das mais violentas facetas das injustiças sociais e étnico-raciais de nosso País. Dentre uma população de quase 800 mil pessoas presas, existe um perfil predominante: pessoas negras, jovens, pobres, que vivem em condições precárias de habitação e com menor acesso às políticas públicas básicas, como saúde e educação”, enfatiza Alexandra Almeida.

Nesse contexto, a especialista explica que a racialização da pena dessas mulheres se mistura à maternidade e gênero “que atravessam a experiência do cárcere e intensificam as vulnerabilidades vivenciadas pelas mulheres em situação de prisão”.

Dificuldades

Dentre as principais dificuldades sofridas por mulheres em situação de prisão domiciliar, o ITTC destaca as seguintes: ausência de clareza sobre a decisão judicial e falta de informações sobre as condições de cumprimento da prisão domiciliar; dificuldades de exercer as tarefas cotidianas de reprodução da vida e limitações à autonomia da mulher; barreiras econômicas e materiais; e percalços específicos impostos às mulheres migrantes.

Sobre a maternidade de mulheres em prisão domiciliar, o artigo enfatiza ainda que, a partir das decisões dos processos analisados para pesquisa, os argumentos mobilizados pelos juízes contra essas mães são: considerar que manter a criança sob cuidados de terceiros é suficiente para o seu desenvolvimento e, assim, exclui-se o direito à maternidade, desqualificando a mulher como mãe, mantendo-a presa sem os filhos.

“A maternidade é abordada como um projeto público, onde suas capacidades e limites pertencem e estão abertos ao debate público sobre como se deve conduzir as relações das mães com as crianças, estipulando o que é ser ‘boa mãe’ ou ‘boa mulher’ em uma perspectiva moralizante”, salienta a autora da pesquisa.

Além disso, o estudo revela que os estereótipos em relação ao tipo “ideal” de maternidade e a suposta defesa do bem-estar da criança escondem, muitas vezes, julgamentos morais acerca do exercício da maternidade de mulheres que vivem uma realidade completamente distinta dos privilégios, do suporte e das condições econômicas e sociais daqueles que as julgam. 

“Associá-la à organização criminosa, quantidade de drogas apreendida, ausência de residência fixa. Associam essa mulher que cometeu o crime à incompatibilidade de exercer a maternidade. Isso tudo, infelizmente, influencia na decisão judicial para a prisão domiciliar. Não deveria influenciar, mas acontece”, completa a pesquisadora do ITTC.

Para conseguir o direito que a prisão preventiva seja convertida em prisão domiciliar, a mulher (mãe ou responsável por crianças e/ou pessoas com deficiência) precisa não ter cometido crime com violência grave ou ameaça à vida das pessoas, e não pode também ter sido o crime contra seu filho ou dependente. No entanto, mulheres que cumprem esses requisitos têm o direito negado por motivações que os juízes escolhem, ainda mais quando negras, pobres e de escolaridade baixa.

Cenário ideal

A pesquisa salienta que a decisão de prisão domiciliar deve estar acompanhada da garantia de acesso a outras políticas públicas, como renda e trabalho, assistência social, saúde e educação, que garantam condições mínimas de sobrevivência para as mulheres.

“Elas são as principais provedoras de suas famílias e as responsáveis integrais pelos cuidados dos filhos. Tal fato não pode ser ignorado quando pensamos nas condições de cumprimento da prisão domiciliar e a própria garantia do direito à primeira infância e ao exercício da maternidade”, pondera Alexandra.

“É urgente que o Estado garanta as condições adequadas, assim como o apoio e o acompanhamento necessários para seu cumprimento, e que estabeleça determinações factíveis de serem cumpridas, no sentido de viabilizar o próprio exercício da maternidade e as condições de desenvolvimento integral da criança, bem como a possibilidade de sobrevivência e sustento familiar”, finaliza.

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