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Especialistas criticam decisão judicial que inocentou empresário por ‘estupro culposo’
Acusado de estuprar Mariana Ferrer, André Aranha foi absolvido por um decisão ínédita no Brasil. (Reprodução/internet)
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03 de novembro de 2020
Da Revista Cenarium
MANAUS – O nome da promoter Mariana Ferrer voltou a ser o assunto mais comentado nas redes sociais nesta terça-feira, 3. Desta vez, o motivo foi pela decisão judicial que inocentou o empresário André de Camargo Aranha pelo crime sexual cometido contra Mariana, durante uma festa em Jurerê Internacional, em Florianópolis (SC), no ano de 2018. O promotor do caso alegou que Aranha cometeu “estupro culposo”, ato que não está previsto na lei brasileira.
Especialistas em direito consultados pela CENARIUM ressaltaram que a tese de “estupro culposo” coloca em risco a única prova que as mulheres acabam tendo para um crime, cujos vestígios desaparecem em poucas horas: a palavra da vítima.
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Para o advogado criminal, Humberto Aguilar, o que não está descrito no Código Penal e está causando revolta e sendo considerado uma – perigosa – excrescência jurídica, pode abrir precedente para interpretações que deslegitimam denúncias de vítimas de crimes similares.
Sobre o caso, Aguilar, em seu entendimento, explicou que, “inicialmente, André de Camargo Aranha havia sido condenado pelo promotor Alexandre Piazza por estupro de vulnerável, quando a vítima está sob efeitos entorpecentes ou álcool, não sendo capaz de consentir ou se defender. Ele também solicitou a prisão preventiva do acusado, que foi aceita pela Justiça, mas foi derrubada em liminar em segunda instância pela defesa de Aranha”, explicou.
Mudança
A sentença mudou após Piazza deixar o caso e segundo o Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) foi designado para outra promotoria. Quem assumiu o processo foi Thiago Carriço de Oliveira, que classificou o crime como “estupro culposo”. O vídeo da audiência foi divulgado nesta terça-feira, pelo Intercept Brasil e mostra Mariana Ferrer sendo humilhada pelo advogado de defesa de Aranha.
Segundo Oliveira, não havia como o empresário saber que a jovem não estava em condição de consentir o ato sexual e, por isso, não existiu a “intenção” de estuprar. O juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, concordou com a tese de Oliveira e absolveu Aranha.
‘Decisão esdrúxula’
A vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Amazonas (OAB-AM), Grace Benayon, declarou que o caso Mariana Ferrer, como uma situação esdrúxula e sem precedentes. “Como mulher e como operadora do Direito não posso considerar como adequada essa posição e a forma como foi conduzida essa audiência, tenho que me insurgir não apenas contra a decisão, mas contra a condução da audiência. O estupro acontece ou não acontece. Não existe um estupro culposo, não existe essa figura nem na doutrina e nem na jurisprudência”, explica Grace.
Grace Benayon ressalta que o promotor alegou no julgamento que não havia dolo, “que não havia intenção de cometer estupro, como assim não houve intenção de cometer o estupro? O dolo seria aquela situação que houve uma negligência, uma imperícia, uma imprudência. É inadmissível uma situação como essa, não se pode considerar essa modalidade que está sendo inventada, que não existe no mundo jurídico, repito é esdrúxula, não tem previsão legal, não está previsto expressamente no Código Penal, não há uma previsão dessa modalidade e nem na doutrina e na jurisprudência”.
A representante da OAB-AM disse ainda que a decisão da Justiça foi uma situação inovadora para o lado negativo. “Uma decisão de cunho machista, colocar essa vítima numa posição humilhante onde ela, além de ficar na presença do agressor coisa que não é permitido pela lei Maria da Penha, foi utilizada as fotografias dela em ensaios fotográficos anteriores como se ela merecesse sofrer um estupro”, lamentou a advogada.
Coletivo feminista
O caso de Mariana Ferrer também chamou atenção do Coletivo Feminista Humaniza, que se solidarizou à violência sofrida por Ferrer durante a audiência de instrução e julgamento do processo criminal decorrente do estupro doloso e em condição de vulnerabilidade que você sofreu.
Em nota, o Coletivo diz que o “Conto da Aia”, seriado americano, poderia ter ficado nas páginas do livro ou nos episódios da série, mas o que estamos testemunhando “é o Patriarcado dando seu nome nas estruturas do Estado e do Judiciário (nos recusamos a chamar de Justiça)”.
O Coletivo também se manifesta quanto aos abusos psicológicos, uma das formas de violência contra a mulher: “Avançam sobre nós com a ferocidade de animais transloucados pelos sinais evidentes de que não terão mais sossego para exercer seu histórico poder sobre nossos corpos e mentes. Não mais nos calaremos, não mais deixaremos passar. Da criança de quatro anos abusada sexualmente pelo padrasto à mulher dopada para ser estuprada com fins de “inseminação”, nenhuma mulher escapa à mão pesada e violenta dos abusos físicos e psicológicos de uma sociedade apodrecida em seus valores.”
A nota do Coletivo Feminista Humaniza encerra pedindo paz e não a violência contra mulher. “Nenhuma palavra que digamos irá poupar você das queimaduras de terceiro grau causadas pela fogueira institucional em que te jogaram. Mas vamos queimar juntas e quando formos só chamas nos levantaremos juntas pra lutar até o fim, até que todas as mulheres tenham paz para viver.”
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