A CPI da Covid, as senadoras e os gatilhos masculinos


Por: Paula Litaiff

23 de novembro de 2025

Com uma das menores representatividades femininas nas Casas Legislativas da América Latina – 28,8% para 15%, o Congresso Nacional reafirmou, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, a dificuldade dos brasileiros em lidar com mulheres incisivas, disparando gatilhos para a “institucionalização” do machismo.

Ao serem rotuladas pelos senadores na CPI de “agressivas” e “nervosas” por serem firmes nos questionamentos aos interrogados, em maio, as senadoras da comissão encararam o que mulheres comuns enfrentam na luta, muitas vezes velada, pela legitimidade de voz no trabalho e nas ruas.

A historiadora britânica Mary Beard aborda como exemplos concretos, e sem vitimizações, o desafio para se obter o respeito masculino no livro “Mulheres e Poder: um manifesto”, do selo Crítica da Editora Planeta.

Na obra, Mary descreve que, apesar de haver um peso misógino histórico e cultural sobre os homens do Oriente, no Ocidente a censura deles é transvertida de mecanismos de defesa diante do que não se sabe ou não se foi ensinado a lidar, podendo sair de uma simples discussão para uma agressão física. “No que diz respeito a silenciar as mulheres, a cultura ocidental tem milhares de anos de prática”, afirma.

A professora explica as origens da misoginia – começando pelo primeiro exemplo registrado de um homem mandando uma mulher calar a boca, em “Odisseia”, de Homero (século VIII a.C.) – e mostra que o ódio contra as mulheres ganha força, quando elas chegam às instâncias de poder, “dos comitês empresariais às sessões nos parlamentos”, diz Mary, no livro.

Ela relata ainda os obstáculos enfrentados por Margaret Thatcher, Hillary Clinton, Dilma Rousseff e Angela Merkel na vida política. A primeira-ministra britânica, por exemplo, passou por aulas para falar com um tom mais grave e sisudo, características associadas à voz masculina.

A propósito, a masculinização feminina foi usada pelas senadoras da CPI da Pandemia para serem “melhor” ouvidas, uma espécie de opressão à própria essência para obter uma igualdade que já lhe é “outorgada”.

O “pré-conceito” das mulheres pela aparência e/ou timbre da voz é bem descrito por Simone de Beauvoir (1949), na obra “O Segundo Sexo”, na qual ela dedica sua primeira parte à discussão da perspectiva biológica dessa característica da sociedade.

Pelo viés da análise antropológica, Beauvoir consegue identificar aspectos históricos para interpretar os motivos da transformação da simples diferenciação do sexo a um patamar de desigualdade e dominação.

Seja pelo fator social ou biológico, a verdade é que as mulheres brasileiras – que conquistaram os direitos políticos há apenas 89 anos – só vão conseguir se igualar em gênero, se compreenderem que a dificuldade de aceitação não reside nelas e que não precisam aumentar o tom da voz nem o tamanho do vestido para se fazerem respeitar.

(*)Paula Litaiff é graduada em Jornalismo, especialista em Gestão Social: Políticas Públicas e Defesa de Direitos, e mestre em Sociedade e Cultura da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Com duas décadas de experiência na área de Comunicação Social, é fundadora da Rede Cenarium, veículo de comunicação em multiplataforma sediado na Amazônia, que prioriza a produção de reportagens socioambientais.

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