A crônica do abandono: como o governo de Helder Barbalho está piorando a imagem do Pará na COP30 e perpetuando a ignorância social


Por: Inory Kanamari*

06 de março de 2025

Ka tücüna naina. Frase escrita na gramática kanamari e traduzida para o português significa: Olá, leitor(a).

Nos últimos meses, o estado do Pará tem atraído atenção, mas não pelos motivos que se esperaria de uma gestão eficaz. Não é a COP30, nem grandes projetos que destacam o governo de Helder Barbalho, mas escândalos que revelam a verdadeira face de um poder mais preocupado em manter a população ignorante e submissa do que em promover o bem-estar social. A realidade no Pará, infelizmente, reflete de forma alarmante o que também acontece no Amazonas, onde governantes perpetuam um ciclo de negligência e exclusão que impacta diretamente ás futuras gerações.

Um dos eventos mais emblemáticos dessa realidade foi a grande ocupação indígena na Secretaria de Educação do Pará, que durou 30 dias e teve ampla repercussão na mídia nacional. O movimento indígena mostrou ao mundo sua força e resistência, obrigando o governo a revogar, contra sua vontade, a Lei Estadual 10.820/2024 – uma medida que ameaçava o ensino presencial em comunidades indígenas. Essa foi uma vitória importante, mas que ilustra a constante luta de um povo que é sistematicamente desconsiderado. No entanto, enquanto as vitórias indígenas ganham espaço, as condições de ensino em escolas públicas no estado continuam a refletir um cenário de decadência e abandono.

Recentemente, uma notícia alarmante sobre “alunos disputando mesas e cadeiras para assistir às aulas em ilha do Pará” causou repercussão negativa, e o que parecia ser um fato isolado é, na verdade, uma realidade que se arrasta há décadas. A educação pública nunca foi, de fato, prioridade para os governantes, pois seus filhos estudam em escolas privadas e não se veem obrigados a enfrentar a realidade das escolas públicas, onde a falta de infraestrutura é apenas a ponta do iceberg. O verdadeiro objetivo dos governantes parece ser manter a população sem conhecimento, acorrentada ao medo e à ignorância, uma estratégia que facilita o controle e a subordinação social.

A falta de mesas e cadeiras é apenas um reflexo superficial de um problema muito maior. Em muitas regiões do Pará, especialmente em municípios mais afastados, a educação pública é um luxo inalcançável. As prefeituras, muitas vezes, os únicos empregadores locais, mantêm a população em silêncio, acuada, com medo de represálias dos chamados “coronéis de barranco”. A escassez de recursos é tamanha que as escolas fazem rifas, pedem doações para comerciantes locais e até organizam festas juninas, apenas para garantir que os alunos tenham o mínimo necessário para continuar seus estudos. Uma verdadeira distopia educacional que se repete, geração após geração.

Eu, como ex-estudante de escola pública, recordo-me da merenda estragada (com data de validade vencida), da falta de professores, do giz, da lousa, e do material escolar. A “educação” pública que recebi foi, na prática, uma utopia. E, tristemente, 30 anos depois, a realidade para as crianças que dependem da rede pública de ensino no Pará e no Amazonas continua a mesma. Esse é o Brasil que ainda estamos vivendo – um país onde a elite política se distancia da população e onde, em nome do poder, a ignorância se torna uma ferramenta de controle. O que estamos perdendo, enquanto sociedade, com essa negligência sistemática? O que os governantes realmente ganham ao manterem nossa população na escuridão, sem acesso à educação de qualidade, enquanto os filhos deles estudam nas escolas privadas (e depois nas universidades públicas)?

Essa é a triste realidade que devemos enfrentar e combater. Uma realidade que não se limita ao Pará, mas que reflete diretamente a política excludente e opressora que também permeia o Amazonas.

 Bapo ikoni. Até a próxima pauta.

(*)Inory Kanamari, primeira advogada indígena do povo Kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024. Também atuou como consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena Nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. É articulista da REVISTA CENARIUM, ativista, poetisa e membra da Academia de Letras, Ciências e Cultura da Amazônia (Alcama). Escreve como colaboradora toda terça-feira para o Portal Info.Revolução.

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