A cúpula dos povos e o levante amazônico
Por: Elisiane Andrade
23 de novembro de 2025Da abertura ao Banquetaço, foi profundamente emocionante participar e testemunhar a realização da Cúpula dos Povos, que revelou a força, a sabedoria e, principalmente, a resistência dos povos amazônidas vindos de diversos territórios, juntando-se aos de outras partes do mundo. A unidade na diversidade se fez presente e ganhou potência ao longo dos cinco dias do evento paralelo à Conferência das Partes.
Como participante da Cúpula rumo à COP30, realizada em Belém do Pará, posso afirmar o quanto foi marcante ver a força dos sujeitos dos territórios reunidos para tecer duras críticas às negociações que historicamente os excluem. Ficou evidente que não existe mitigação da crise climática sem mulheres, povos indígenas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas e demais movimentos sociais, que afirmam que o futuro é ancestral. Vozes diversas da Amazônia profunda e do mundo anunciaram que, para haver justiça climática, é preciso enfrentar desigualdades raciais, de gênero e sociais.
As críticas aos acordos construídos de cima para baixo reforçam que é indispensável incluir quem sabe cuidar do planeta. O sistema que causou o colapso climático não trará soluções e já demonstrou sua incapacidade. Quem pode resolver são aqueles que vivem e resistem nos territórios mais afetados, lembrando que a destruição da natureza é a destruição da humanidade.
Os povos que se expressaram ao mundo não suportam mais rios contaminados pelo garimpo ilegal e pelos agrotóxicos que envenenam ar, solo, águas e corpos. A demarcação das terras indígenas é urgente; é inadmissível que os recursos naturais continuem sendo negociados como mercadorias. Nós, da Marcha Mundial da Mulheres, participamos ativamente da Cúpula, seguindo o objetivo de construir uma agenda de lutas conjunta em defesa da natureza e das populações.
Na Marcha Global pelo Clima, vivenciamos um dos momentos ápice do levante popular, que reuniu milhares de pessoas: a diversidade de coletivos uniu forças contra o inimigo comum e em defesa da Casa Comum, anunciadas nas faixas, cantos, performances, esculturas dos encantados e batucadas. O Porongaço dos Povos da Floresta mostrou a importância das reservas de uso sustentável, e a Marcha dos Povos Indígenas trouxe o eco da floresta e das águas, cobrando a demarcação das terras ancestrais e denunciando a violência nos territórios.
Nos debates nas plenárias e assembleias dos movimentos, assim como nas Marchas, o recado aos representantes das nações na COP30 foi dado: os povos não aceitam falsas soluções. Foram conclamados a se unirem na construção do futuro e na denúncia de que o modo de produção capitalista é a causa principal da crise climática.
O levante protagonizado pelos povos amazônicos mostrou a verdadeira Amazônia: viva, profunda, robusta e sinuosa. O levante aponta caminhos para uma transição energética justa e ações possíveis para mitigar a emergência climática. As múltiplas vozes que reverberam cobranças já dão sinais de resultados, como o anúncio da demarcação de 20 terras indígenas — 10 declaradas, 6 delimitadas e 4 homologadas. É o clamor dos povos originários, que resistem em não se calar diante das injustiças.
O eco que vem de extrativistas, pescadores, quilombolas, agricultores, indígenas, ribeirinhos, sindicalistas, juventude e mulheres soma-se ao de povos de outros territórios do planeta, denunciando ataques, mostrando resistências e indicando direções para mitigar a crise climática. Cada povo carrega sua identidade própria, mas juntos reafirmam a aliança pela justiça climática. Ressoou a voz de quem não aceita mais a exploração predatória que destrói o território há mais de 500 anos.
Nós, povos amazônidas, estamos escrevendo outra página da história — a história verdadeira, contada por nós. Em Belém, emergimos num marco histórico que se fez soar para o mundo, oferecendo oportunidade de conhecer a riqueza dos saberes, culturas e a luta contínua existente na região pan-amazônica. Um território que também vive com medo dos grileiros, madeireiros, fazendeiros, do tráfico e dos garimpeiros, que matam, poluem, desmatam, destroem ecossistemas e violentam meninas.
Vimos a resistência das mulheres por meio do feminismo popular; debates vigorosos sobre a transição energética justa; o brado contra o extrativismo fóssil e o racismo ambiental. A soberania e segurança alimentar, a democracia e a internacionalização das lutas dos povos foram pautas centrais.
Depois do vivido em Belém, é certo que os movimentos sociais e a diversidade de povos saíram vitoriosos, com destaque para os sujeitos deste território. A COP30 tem o dever de acatar as reivindicações ecoadas nas ruas, assembleias e plenárias, sintetizadas na carta entregue ao presidente da Conferência das Partes, que propõe 15 pontos fundamentais, entre eles a demarcação e proteção dos territórios indígenas e de outras comunidades tradicionais e o protagonismo dos povos na construção de soluções climáticas.
O Banquetaço simbolizou a resistência ao celebrar a vida coletiva. Cada movimento apresentou seu cardápio, mostrando que comer é um ato político, que é possível ter comida de verdade e que a crise climática provoca fome em diversas regiões do planeta. Ali se reafirmou que existem alternativas agroecológicas ao modelo do agronegócio e que ações conjuntas são fundamentais para a sustentabilidade da vida.
Foram dias de intenso aprendizado junto à diversidade da Cúpula dos Povos, onde o bem-viver, a unidade e o cuidado com a Casa Comum foram centrais. Fica a mensagem de que precisamos internacionalizar a esperança, cultivar a unidade entre os povos e colocar em prática ações que realmente tragam soluções para as crises que vivemos — entre elas, principalmente, o desequilíbrio do clima.