A dor e a solidão de um esquizofrênico
Por: Elisiane Andrade
19 de novembro de 2025Na sociedade de modo geral, pouco se fala sobre esquizofrenia. Na minha própria experiência, até meados de 2014, eu pouco sabia sobre esse transtorno mental. A falta de informação é, a meu ver é um dos motivos pelos quais a maioria das pessoas não enxerga a dor de um/a esquizofrênico/a. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), a esquizofrenia é um transtorno mental grave que afeta cerca de 23 milhões de pessoas em todo o mundo, geralmente tem início ao fim da adolescência ou no começo da vida adulta.
Nos últimos anos, tenho refletido bastante sobre a dor e solidão de quem convive com esse diagnóstico_ a partir das minhas vivências. O mês de setembro, que marca a campanha Setembro Amarelo, voltada à prevenção ao suicídio, também marca, para mim, a chegada do meu filho mais velho neste plano terreno. No próximo dia 29, ele completará 33 anos de idade. Meu filho foi diagnosticado com esquizofrenia em 2014. Desde então, temos enfrentado, o grande desafio de aprender a lidar com essa condição. Por ser caracterizada pela perda do contato com realidade, constantes alucinações e delírios, ela coloca quem sofre em momentos de dor, solidão e incompreensão.
Quando ouço meu filho queixar-se de dores no peito, com medo de morrer a qualquer momento… Quando se incomodado com o barulho das motos que passam na rua_ que, segundo ele, são provocadas de proposito para atingi-lo… Quando evita certos alimentos ou deixa de sair de casa por medo de punições de vozes que só ele ouve, vejo, no seu rosto, um olhar de sofrimento e desespero. Ao verbalizar a frase, “mãe, me ajuda” me estremece a alma. Cada crise, me faço de forte, mas por dentro estou em pedaços, dominada pela sensação de impotência.
Para além, de viverem fora da realidade, há também o distanciamento do mundo social, das relações, das atividades comuns como estudar e trabalhar. Meu filho estava pronto para a vida adulta. Um rapaz bonito, educado, muito inteligente. Teve seus sonhos interrompidos por um transtorno crônico. Sua vida nunca mais foi a mesma. Escrevo este breve relato com lágrimas nos olhos. Porque sei que muitas mães vivem o mesmo sofrimento. Sei que não é fácil lidar com a rotina de quem enfrenta um transtorno mental grave. Sei também que nem todos têm empatia.
Pessoas diagnosticadas com esquizofrenia ainda carregam muitos estigmas, que, infelizmente, vêm: da própria família, da sociedade, e até de profissionais de saúde. Muitas pessoas com transtorno mental são largadas ao abandono, sem suporte familiar ou governamental, e acabam nas ruas, exposto à fome e à violência. Nos homens, vemos marcas da violência física, visíveis nas cicatrizes em seus corpos. Nas mulheres, a situação é ainda mais cruel, marcada por abusos sexuais devido a total situação de vulnerabilidade.
É urgente sermos mais sensíveis. Precisamos abrir espaços de fala sobre esquizofrenia e outros transtornos mentais, sem tabu. A saúde mental precisa estar no centro das nossas conversas: na família, nas escolas, nos centros comunitários, nos postos de saúde, nas empresas, nas universidades, nas rodas de amigos/as. Falar de saúde mental é urgência. Não é uma temática apenas para quem vive o sofrimento de perto. É um assunto que diz respeito a toda sociedade.
A dor e a solidão de um esquizofrênico é real. Elas manifestam-se nos olhares perdidos, nos pedidos de ajuda, no medo de sair de casa, na recusa em levantar da cama, nas falas com seres imaginários, na dificuldade de manter o auto cuidado, de estudar, trabalhar de constituir família ou principalmente quando não são escutados. Setembro é um mês simbólico. Mas precisamos de ações e reflexões constantes.
Nos tempos atuais marcados pelo crescente individualismo no nosso cotidiano, perdemos cada vez mais a empatia e os laços solidários. A correria do dia a dia, entre casa, trabalho, trânsito, estudos, dentre outras ocupações, tem nos afastado do essencial: olhar o outro com mais humanidade.
Meu filho tem o meu amor, o amparo da nossa família, o carinho das amizades cultivadas desde a adolescência. Por onde ele passa, recebe afeto. Ainda assim, não escapa das dores e da solidão dos dias mais escuros. Mas há muitos por aí que não têm ninguém. Fica o apelo: vamos nos humanizar. Sejamos mais altruístas, sensíveis e acolhedores. O sofrimento psíquico é real, o risco de suicídio, também. Precisa ser levado com seriedade, afeto, respeito, dignidade e com políticas públicas mais humanizadas, eficazes e acessíveis.