A fila e a ética

Desde tempos muito remotos o ser humano sempre foi tratado como um ser paradoxal, podendo tomar as mais extremas decisões, que podem ir das mais perversas as mais angelicais. Fatores de diversas ordens concorrem para essas ações: políticas, econômicas, religiosas, intersubjetivas, por sobrevivência. Pacífico e violento, o homem parece retratar duas antíteses em seu coração, mas não de uma forma maniqueísta; na verdade, a sua perversidade e a sua benevolência convivem travando uma luta de contradições e mistérios.

Contradições e mistérios que inundam o coração humano e se extravasam em ações e atitudes, como se fossem palavras que fazem parte de um texto – a vida- e que se ligam a um contexto vivente – a relação com a vida dos outros, que se transformam em potenciais produtores de possibilidades ou de impossibilidades do convívio social. É claro, não se pode olvidar que o respeito e a forma como olhamos e nos posicionamos frente aos nossos semelhantes demonstram o grau de civilidade e o tipo de sociedade que vivemos. Assim, se não respeito os princípios e as regras sociais, se demonstro desrespeito aos direitos das pessoas, se não me sensibilizo com os acontecimentos de suas vidas, como podemos exigir que elas não façam o mesmo conosco?

O respeito aos direitos e aos lugares dos outros, aos seus valores, às preferências, aos gostos, às formas de agir e pensar, tratando-os como pessoas e como cidadãos na mais larga escala, pavimenta e dá a condição sine qua non para o surgimento do comportamento ético e para o desenvolvimento de uma sociedade democrática. Mas como alcançar esse patamar? Ora, se nos identificarmos com o outro ser humano, tratando-o como igual, respeitando as suas diferenças, demonstrando que fazemos parte de um mesmo mundo, compreendendo que as suas ações mais banais refletem uma história de vida, estaremos concorrendo para um mundo ético. Não preciso lembrar: “Quando o outro entra em cena, nasce a ética”.

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Todos sabemos que na sociedade atual o fenômeno exemplar de comportamento e de respeito ao outro, é a fila. Fato habitual e comum, ela demonstra a paridade entre as partes, independentemente de classe, raça, credo ou qualquer outra diferença. A sua definição é marcada por regras claras, na qual o que define o lugar é a agenda, a primazia: “se quer ser atendido, entre na fila!” A sua principal hierarquia é o momento da chegada. Dentro de um contexto, a fila impõe uma posição e uma relação ética: “vc tem que respeitar a ordem de chegada. Não fure a fila!” Dessa forma, ela funciona como um estruturante social e ético.

Mas como ter um comportamento ético num país com uma história tão abrangente de atos corruptos? Como respeitar o outro num país onde as ações de seus governantes são somente desrespeitos? Como defender os princípios democráticos, num país que trata a maioria das pessoas como subcidadãos? Como podemos querer e pedir para os nossos filhos acreditarem em princípios, regras éticas, princípios morais, se o cidadão número 1, do Brasil, grita palavrões aos quatro cantos e espragueja as pessoas sem limites, rindo de forma cínica, enquanto é aplaudido por um grupo totalmente sem noção das consequências de seus atos? Como acreditar num país onde se fura a fila por vacinas, pouco se importando com a vida dos outros?

Democracia e ética são os elementos mínimos para uma sociedade sobreviver de forma harmoniosa e dentro de parâmetros humanos.

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