A ilusão da inclusão: por que os povos indígenas continuam marginalizados na política brasileira?


Por: Inory Kanamari - Especial para Cenarium **

25 de outubro de 2024
A ilusão da inclusão: por que os povos indígenas continuam marginalizados na política brasileira?
Indígenas votando (Divulgação/OEA)

No Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, o legislador decidiu ser super gentil ao estabelecer, nos artigos 231 e 232, diretrizes que “reconhecem” os direitos dos povos indígenas. Esses artigos garantem que os indígenas possam, de fato, existir, enquanto as suas línguas, tradições e direitos sobre terras são mencionados de forma tão genérica que poderiam se aplicar a qualquer coisa, desde uma onça-pintada até um gato de rua. E, claro, a insistência no termo “índios” em vez de “indígenas” é só uma pequena demonstração de como a precisão é altamente superestimada.

A Constituição foi realmente um “marco histórico” ao tentar promover a interação entre grupos étnicos, em contraste com as constituições anteriores, que basicamente diziam que, se você quisesse ser considerado cidadão, teria que apagar sua cultura como um erro de digitação. Que avanço! No entanto, as políticas públicas e os direitos sociais são elaborados sem a participação das comunidades, como se fossem consultados apenas para um reality show onde o público nem mesmo pode votar.

Na Região Norte, onde 49% do eleitorado se declara indígena, a subrepresentação é tão evidente que chega a ser vergonhoso: candidatos indígenas são usados como simples peças de um tabuleiro para eleger figuras que, curiosamente, não pertencem a grupos minorizados. Assim, continua o ciclo de exclusão, onde a verdadeira representação indígena é um sonho distante, e as opções disponíveis parecem mais um desfile de horrores políticos.

Em Manaus, a ausência de chefes do Executivo indígenas é uma demonstração brilhante da politicagem no estado mais “indígena” do Brasil. Candidatos indígenas são tratados como ferramentas, como se fossem um adereço em uma produção teatral, usados apenas para dar uma cara de diversidade enquanto continuam sendo ignorados. Apesar de haver eleitores indígenas suficientes para eleger representantes legítimos, suas inclusões nas chapas são meramente para enganar os eleitores, já que os partidos já têm seus “favoritos” prontos e selecionados.

E, claro, é fundamental perguntar o que os atuais candidatos a prefeito de Manaus fizeram pelos povos originários. A resposta? Nada! Como mulher indígena e advogada, sinto que devo chamar a atenção para essa triste realidade: a desilusão com a política é palpável, e os discursos de inclusão são tão vazios que poderiam ser usados como eco para treinar cantores. Promessas eleitorais se dissipam em visitas superficiais às comunidades indígenas localizadas na cidade de Manaus, como fumaça em um dia de vento.

Na prática, a inclusão de candidatos indígenas nas chapas é apenas uma jogada de marketing político. Os partidos precisam vender a ilusão de que irão governar para todos, quando, na verdade, é uma farsa digna de um espetáculo de mágica. E agora, a poucos dias do segundo turno, a necessidade de um verdadeiro senso crítico nunca foi tão urgente. Cada governo parece ter seus “falsos representantes”, marionetes que servem apenas para cumprir o papel de inclusão enquanto continuam a perpetuar a exclusão.

Após o segundo turno, não haverá o que celebrar para os povos indígenas. As promessas de melhorias se mostram tão vazias quanto os pratos na mesa da população carente, que ainda enfrenta dificuldades diárias, como filas intermináveis em hospitais. A política se transformou em um clube exclusivo para a elite, onde os privilegiados enriquecem à custa da maioria. Para que um futuro onde as vozes indígenas sejam ouvidas se torne realidade, os políticos precisam de um verdadeiro choque de realidade — e isso, claro, não virá de uma leitura superficial da história, mas de uma imersão nas nossas próprias narrativas. A perpetuação do poder nas mãos da elite só reforça a marginalização de nossas comunidades.

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(*) Inory Kanamari é articulista da Cenarium e a primeira advogada indígena do povo Kanamari. Está como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM, vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena Nheengatu no Conselho Nacional de Justiça, ativista, poetisa, membra na Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia (Alcama).
(*) Esse conteúdo é de responsabilidade do autor.

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