A nova ‘Era das Revoluções’


Por: André Lopes*

19 de novembro de 2025

Após a derrota de Napoleão em 1815, o Congresso de Viena, sob a liderança das potências vencedoras, estabeleceu o chamado “concerto europeu”. A “Santa Aliança” (Rússia, Prússia e Áustria) com o apoio do Reino Unido fariam de tudo para conter as revoluções europeias inspiradas nos ideais de liberdade da Revolução Francesa. A reação conservadora dos reinados absolutistas em conter a expansão das ideias liberais seriam derrotadas pela ascensão, mais que tudo, do poder da emergente burguesia e de uma parte do campesinato que, finalmente, derrubaram o absolutismo. Esta foi a “Era das Revoluções” de Eric Hobsbawm. Ao que parece, vivemos uma outra “Era das Revoluções”…a Revolução do Sul Global e do BRICs contra a hegemonia imperialista ou, como a extrema direita equivocadamente gosta de chamar, “globalista”.

O termo “globalista” exige algumas reflexões. O equívoco ao conceituar a dominação das potências centrais frente às nações periféricas de “globalismo” se deve ao simples fato de que a globalização é um processo histórico e um fato social – como os marxistas gostam de dizer – que, infelizmente, foi capturado pelo imperialismo. O chamado “globalismo” seria a imposição de uma visão de mundo que, para alguns, serviria à espoliação das nações economicamente subdesenvolvidas pelos países centrais através da intervenção financeira e, em última instância, militar. Provavelmente, este era o motivo pelo qual o visionário geógrafo Milton Santos procurava uma “outra globalização”, quando poucos o compreendiam. Desta forma, sendo a globalização um conceito tão amplo, acredito que podemos dar razão a Allister Crooke – diplomata britânico e ex-agente do MI6 – quando diz que a nações periféricas, principalmente aquelas que fazem parte do BRICs, estão em um embate de “vida ou morte” contra o “Globalismo Neoliberal”, ou podemos simplesmente, chamá-lo pelo conceito que, embora “ultrapassado” e esquecido, é o verdadeiro: o Imperialismo.

Vivemos em uma era no qual o mundo que teve origem no pós-1945 está desmoronando, junto com alguns de seus principais arquitetos. Os motivos podem ser vários: a interminável crise capitalista (como disse o eminente professor Luiz Gonzaga Belluzzo certa vez, “o capitalismo está travando”); o fracasso do sistema neoliberal e seu capitalismo especulativo que não produz coisa alguma; os milhões de refugiados mundo afora, resultado das “guerras eternas” iniciadas na década de 90 no século passado; a precarização do trabalho frente à informatização e automação da produção industrial; e até mesmo a crise ambiental e energética frente ao crescimento da demanda de uma população economicamente desigual. No entanto, o principal fator da crise que vivemos se trata do fato das potências centrais – Estados Unidos e seus satélites – não se conformarem em perder sua hegemonia frente a ascensão do BRICs, sob a liderança de Rússia e China. Luiz Alberto Moniz Bandeira já tinha vaticinado que os “donos do mundo” iriam “cair atirando”…e cada dia que passa, nos aproximamos da barbárie.

Vivemos um cenário tão complexo que é quase impossível resumi-lo em um artigo. Iniciemos com a figura de Donald Trump, e o que ele de fato representa. O establishment norte-americano já vinha perdendo seu prestígio internacional e sua primazia ética desde antes da presidência de John Biden. O apoio às guerras no leste da Ásia, “as revoluções coloridas”, o golpe de Estado na Ucrânia, e a iminente derrota do mesmo governo ucraniano frente ao governo de Vladimir Putin, foram alguns dos prenúncios da perda da hegemonia de uma potência – Estados Unidos – que antes ditava as regras e possuía o controle da “ética internacional”. Os encouraçados e porta-aviões dos Estados Unidos singravam os mares sem “ondas e tempestades” desde a primeira guerra do Golfo Pérsico quando se colocaram como árbitros do mundo “democrático e liberal” do pós-Guerra Fria: “nós temos as armas e criamos as regras”. E assim seguiram até se chocarem contra a revolução tecnológica militar russa no qual “porta-aviões” ameaçam apenas as nações que não possuem mísseis hipersônicos. Se não bastasse a supremacia militar, a economia russa e sua capacidade de resistir ao maior ataque de sanções econômicas da História demonstraram que o capitalismo privado neoliberal não era páreo para o capitalismo nacional industrial. Neste momento, inicia-se um embate não apenas econômico e militar, mas também ético e civilizacional. Donald Trump nada mais é que a mais alta expressão de uma elite decadente que procura, a todo custo, manter seu barco singrando um mar que, antes livre de tormentas, está agora repleto de “icebergs”. O sistema neoliberal começa a se fragmentar: inicia-se uma nova “Era das Resoluções”.

Na realidade, a nova “Era das Revoluções” está aberta a distintas interpretações: por exemplo, para José Luís Fiori, professor da UFRJ, o sistema interestatal criado na Europa está sofrendo uma mudança histórica onde os Estados Unidos perde sua relevância e surge China e Rússia dividindo a liderança de um novo bloco econômico, juntos com Ira, disputando a hegemonia com o mundo algosaxonico. Como no sistema capitalista interestatal – defendido por Fiori – quem “não sobe”, “desce”, ou, de forma mais formal, o poder que não se expande tende a se contrair para dar lugar ao outro em expansão, estas não seriam boas notícias para os apologistas da paz. Já Alastair Crooke, ex-diplomata britânico, possui uma interpretação um tanto distinta. Para o intelectual escoces o que presenciamos, mais do uma nova divisão de poder, se trata de uma mudança de paradigma econômico e civilizatório: Rússia seria a representante da substituição do liberalismo de Adam Smith por um outro tipo de produção capitalista: um capitalismo industrial e autárquico comandado pelo ideal do interesse coletivo, ao invés do individualismo egoísta preconizado pelo liberalismo inglês como motor da economia. De certa forma é o que defende Michael Hudson em uma de suas últimas obras – “O Destino da Civilização”. Seguindo a opinião do eminente economista da Universidade de Missouri, o capitalismo industrial, na figura do BRICs, está substituindo o capitalismo financeiro especulativo dominado pela moeda do dólar. Isto mais que tudo está fraturando o sistema capitalista interestatal e ocasionando os conflitos no planeta. E já fez suas primeiras vítimas, entre elas a União Europeia que arrisca em esfacelar-se. A “Guerra de Tarifas”, perpetrada por Donald Trump, se trata, talvez, da última jogada no “grande tabuleiro” para “virar a mesa”, algo semelhante ao que fizeram na segunda metade do século passado quando os Estados Unidos elevou os juros virando o mundo de “ponta cabeça” para surgir no meio dos escombros. O choque dos juros, a reciclagem dos Petrodólares e o fim do acordo de Bretton Woods foram os meios utilizados na época para manter a hegemonia dos Estados Unidos, ameaçada desde a derrota no Vietnã. Como bem defende o professor José Luís Fiori, engana-se quem acredita que esta é apenas uma decisão do Sr. Donald Trump: a guerra de tarifas é uma nova estratégia global das elites norte-americanas de destruir a “Torre de Babel” (a ordem baseada em regras que eles dizem defender) para voltar a reinar sobre os mortais. Mas será que conseguirão desta vez com uma Rússia e China unidas e superiores em diversos setores tecnológicos e armamentistas? E se não conseguirem, irão apelar para um confronto direto? As constantes ameaças ao Irã, principal aliada de Rússia e China, podem levar a isto. Um ataque ao país persa poderia ter consequências globais catastróficas.

rA China, que sempre foi discreta e tolerante nos constantes “ataques” diplomáticos e econômicos dos Estados Unidos, pela primeira vez aplica sanções contra o país de Donald Trump. África começa a libertar-se da Europa. Ásia se une cada vez mais em torno do BRICS. Não passará muito tempo e sobrará apenas a América Latina para a colonização “política, financeira e militar” dos Estados Unidos. Será que o continente meridional terá o destino de uma nova Doutrina Monroe? No século XX houve a “Aliança para o Progresso” como barganha, e o “desenvolvimento a convite”. Mas agora o Departamento de Estado norte-americano não tem nada a oferecer que não sejam fraudes eleitorais, golpes de Estado e até ameaças de guerra, o caso da Venezuela. Não existe mais barganha: um império em crise econômica não tem nada a oferecer que não seja sua agressividade. A América Latina será de fato o último território colonial, como previu Perry Johnson, historiador marxista norte-americano, enquanto o resto do mundo segue seu próprio destino? Seguiremos juntos com o BRICs nessa nova “Era das Revoluções”, desta vez não comandada por uma burguesia mercantil e industrial que apenas tinha interesse em derrubar o absolutismo e tomar o poder, mas sim por uma união de governos soberanos que não representa os interesses do sistema financeiro? Será, como diz Michael Hudson, que o “novo socialismo” está representado pela contra-corrente que vai de encontro ao neoliberalismo totalitário: contra-corrente essa representada e liderada pelo BRICs? As guerras “por procuração” – e uma possível guerra contra o Irã – não são na verdade uma guerra contra o BRICs? E se for verdade, haverá chance para a paz? Ou o choque no sistema capitalista interestatal é um processo inexorável? Esperemos que Marx esteja errado e a História não se repita, desta vez, como farsa e tragédia. Todos sabemos aonde nos levou a disputa colonial entre as nações européias no início do século XX. Naquela época, porém, não haviam armas nucleares.

O sistema capitalista inter-estatal está constantemente em expansão. A “Pax Americana”, para o bem ou para o mal, naufragou. Diferente do que pregava o profeta do paraíso neoliberal, Francis Fukuyama, a História não chegou ao “fim”, mas nos atirou num vórtex hipersônico movido pela entropia catalítica de um choque civilizatório, órfão de um árbitro universal…ou de um Deus. E o Papa Francisco não está mais entre nós.

(*)André Lopes é graduado em Direito e mestre em Desenvolvimento Sustentável e Recursos Naturais pela UPeace: Universidade das Nações Unidas.

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