A persistente invalidação da bissexualidade pela sociedade brasileira

A bissexualidade é uma sexualidade válida, completa e não há nada de errado nisso. (Reprodução/Internet)

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS- A madrugada desse sábado foi marcada pelo primeiro beijo entre pessoas do mesmo sexo no Big Brother Brasil 2021. O beijo entre Lucas e Gil repercutiu nas redes sociais. Comentários como “o primeiro beijo gay finalmente aconteceu” ou “o amor LGBT negro vive” foram postados nas redes sociais por internautas e telespectadores do programa. Mas se aqui fora muitos comemoraram e viram com naturalidade esse momento, lá dentro não foi bem assim.

Após Lucas assumir sua bissexualidade, o participante foi questionado, hostilizado e discriminado por vários integrantes da casa do BBB. O curioso é que aqueles que mais apontaram o dedo para Lucas são os que se dizem militantes de muitas causas e dentre elas a causa LGBT. Ao beijar Gil, um homossexual assumido, a bissexualidade até então não assumida publicamente por Lucas não foi levada a sério, sendo apontada como parte do jogo e invalidada pelo fato de Lucas não ter “perfil” de um bi e parecer ser hétero.

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O bissexual sente atração não só pelo masculino e feminino, ele também pode se interessar pelos demais gêneros existentes. (Reprodução/Internet)

O episódio ocorrido dentro do reality é apenas um reflexo do que acontece fora da casa com pessoas LGBTs e, quando se é um negro periférico como Lucas Penteado, a questão é ainda mais acentuada. O participante não é e nem será o único que ao assumir sua sexualidade terá seu desejo reprimido, humilhado e colocado em questão por patrulhas de gênero, de identidade ou ideológicas.

Bissexualidade e Bifobia

Em um conceito básico e didático, a definição de bissexualidade se dá quando um indivíduo se sente atraído (seja físico ou afetivamente) por uma pessoa de sexo oposto, do mesmo sexo ou de qualquer outra identidade de gênero. É necessário entender que a sexualidade não depende de estereótipo algum e que a bissexualidade existe, assim como a bifobia.

Precisamos lembrar que a letra B na sigla LGBTQIA+ não é enfeite. Ela representa os bissexuais, que, na maioria das vezes, não são levados a sério e tidos pela sociedade como pessoas indecisas ou perdidas em sua própria sexualidade. Segundo uma matéria divulgada na Revista Galileu, dados obtidos em 2020 após uma pesquisa feita pela ONG Livre & Iguais do Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual (IBDSEX), 17,6% de 8.918 pessoas entrevistadas se apresentaram como bissexuais.

O preconceito com bissexuais homens é maior do que com mulheres que se declaram bissexuais. (Reprodução/Internet)

Entre os homens bissexuais identificados na pesquisa a percentagem chegou a 10,7%, já nas mulheres o número chegou aos 39,5%. Vale lembrar que foram levados em consideração (homens cis e trans e mulheres cis, trans e travestis). Mas os números expressivos não impedem a bifobia, que por sua vez só piora e contribui para que toda essa invalidação, falta de respeito e invasão com a sexualidade alheia aumente.

Bissexualidade anulada

A bissexualidade masculina, ao contrário da feminina, é ainda mais negada e anulada, pois simplesmente não atende aos conceitos e padrões de uma sociedade heteronormativa. E no caso de Lucas, é comum que se espere toda uma virilidade que um homem preto “tem” que atender como figura de macho alfa. Quase se assemelhando aos personagens clichês da indústria pornô “a lá” kid bengala.

É comum, por exemplo, relatos de quando homens se assumem bissexuais para outros homens não bi e gêneros diversos acabam passando por algum constrangimento ou piadinhas machistas do tipo “tu é gay, só falta sair do armário”, no caso das mulheres, já a intitulam logo de “sapatão”, pois uma mulher que já teve uma vida conjugal com um homem não pode ter um relacionamento com alguém do mesmo sexo, afinal, “é a regra”.


Mais visibilidade, menos lacração


A discussão saudável sobre gêneros, seja ele qual for, é de extrema importância para a sociedade como um todo. A representatividade e ativismo estão aí para isso, mesmo que ainda seja uma parcela mínima quase imperceptível. Os debates abrem portas para o falar e o ouvir aos que muitas vezes não têm a oportunidade de expressar sua vivência, seus anseios e angústias.

Debates saudáveis sobre questões LGBTQIA+ ajudam a romper preconceitos (Reprodução/Internet)

O espaço para a visibilidade pode salvar vidas, abrir caminhos, desconstruir preconceitos, romper padrões que trazem para essa parcela oprimida da sociedade, vergonha, dor, sofrimento e em alguns casos a não aceitação. Aos preconceituosos, agressores e replicantes de piadinhas homofóbicas, resta torcer para que um dia possam se despir dessa prática impregnada na sociedade há séculos.

Para isso, a educação ainda é o melhor caminho para constituir uma sociedade livre e solidária, começando pelo convívio e educação familiar. Obviamente não é um processo simples, porém, é possível. Ver integrantes da comunidade LGTBQIA+ e que se autodeclaram militantes descontraídos, deslegitimarem o primeiro beijo gay da história de uma programa exibido em rede nacional com alto índices de audiência, é um banho de água fria.

E o tipo de comportamento ou conduta que faz lembrar aos militantes extremos e ‘lacradores de plantão’, que quando a luta por qualquer motivo, (racial, gênero, étnica ou religiosa) não tem humanidade, ela perde seu propósito e o seu valor os tornando praticamente iguais aos que eles tanto lutam para serem diferentes.

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