‘A situação é muito grave’, avalia liderança extrativista sobre crimes contra ambientalistas

Brasil é o quarto País mais letal no mundo para ambientalistas (Ívina Garcia/CENARIUM)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips trouxe à tona os conflitos contra indígenas, ativistas, quilombolas e outras pessoas ligadas às pautas ambientais, ainda mais intensificadas nos últimos anos. De acordo com o relatório do Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc-CPT), houve aumento de 75% nos assassinatos, em 2021, dentre eles, mais de 1000% das mortes foram em consequência de conflitos.

O relatório do CTP aponta que, até maio de 2022, 19 pessoas foram assassinadas em conflitos no campo no Brasil. O número já atingiu metade (54%) do registrado em todo o ano de 2021, quando 35 homicídios foram registrados.

Dentre as ocorrências registradas neste ano, a maioria ocorreu no Estado do Pará, onde três ambientalistas e um sem terra foram mortos. Além deles, em outros Estados, quatro sem terras, dois assentados, dois pequenos proprietários rurais, dois quilombolas e cinco indígenas foram assassinados até maio.

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O documento, divulgado no início de junho, não incluía a morte de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips, dupla de ativistas que fazia expedição pelo Vale do Javari, próximo ao município de Atalaia do Norte, no interior do Amazonas, quando foram mortos na primeira semana de junho, por um grupo de pescadores suspeitos de realizar pesca ilegal de pirarucu.

O crime ganhou repercussão nacional, principalmente, por conta da demora do governo federal em agir e das declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do presidente da Funai, Marcelo Xavier, que tentaram, ao longo de toda a operação, atribuir a culpa do crime às vítimas.

“Os dois resolveram entrar numa área completamente inóspita sozinhos, sem segurança e aconteceu problema”, declarou o presidente ao chamar a expedição que Dom fazia acompanhado de Bruno para escrever o livro “Como salvar a Amazônia”, de “aventura” e “excursão”.

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Conhecido por fazer ataques à imprensa, o presidente ainda atribuiu a culpa do desaparecimento ao trabalho ambiental e ativismo que Dom fazia. “Esse inglês era malvisto na região, fazia muita matéria contra garimpeiros e questão ambiental. Então, naquela região bastante isolada, muita gente não gostava dele. Deveria ter segurança mais que redobrada consigo próprio”, disse. Dom trocou a editoria de música, pela Amazônia, ao se apaixonar pela região, em viagem feita no ano de 2007, quando decidiu ficar pelo País. 

Já Bruno, era funcionário licenciado da Funai. Ele havia pedido afastamento não remunerado para cuidar de questões pessoais e atuava como colaborador da União dos Povos Indígenas Vale do Javari (Univaja) quando foi morto.

O presidente da Funai, em sua primeira entrevista falando sobre o caso, declarou que a dupla não tinha licença para atuar dentro da Terra Indígena, com povos isolados e de recém-contato. Porém, a Univaja comprovou que Bruno possuía a autorização para trabalhar dentro da TI, e ao contrário das declarações do presidente do órgão, eles não estavam dentro da TI.

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Dione Torquato, líder e secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), disse em entrevista à REVISTA CENARIUM que as lideranças estão preocupadas com o aumento dos conflitos e ameaças envolvendo lideranças socioambientais. “Pelo que estamos monitorando, por meio de um protocolo que identifica os níveis de ameaça, a situação é muito grave, principalmente, na região sul do Amazonas e em Rondônia”, relata.

“Nós repudiamos as tentativas de intimidações proferidas aos servidores ambientais, por grileiros ou políticos ligados aos agronegócio, pecuária e mineração. Esses servidores são perseguidos por criminosos e “caçados” pelo governo federal que exonera ou transfere aqueles que tentam combater o crime organizado e as milícias que ameaçam os defensores socioambientais”, relata o líder.

Dione contou que, somente neste ano, cinco famílias precisaram abandonar suas locações, dentro da reserva indígena, por ameaças envolvendo grileiros. “O que pedimos é uma atenção do Estado brasileiro para que façam o monitoramento e garantam o direito das populações que estão dentro desses territórios”, afirma.

O líder do CNS diz ter observado o enfraquecimento das instituições, nos últimos anos, sobretudo, daquelas que realizam trabalhos de preservação e deveriam garantir a segurança dos povos originários e extrativistas. “Nós conseguimos perceber o aumento da pressão fundiária, sobretudo, nos territórios que, hoje, deveriam estar protegidos, que são as reservas extrativistas, as terras indígenas e as comunidades quilombolas”, avalia.

Mortes em 2022

Dentre as mortes de 2022, em janeiro, o ambientalista José Gomes, o “Zé do Lago”, 61, a esposa Márcia Nunes Lisboa, 39, e a filha Joene Nunes Lisboa, 17, foram assassinados no interior do Pará. Os ambientalistas eram moradores das margens do Rio Xingu. A família trabalhava em prol da proteção de quelônios e tinha a tradição de soltar os répteis, anualmente, na natureza. Cinco meses após o crime, o caso segue sem presos.

Zé Lago, a esposa e a filha podem ter sido vítimas de conflito de terra (Reprodução)

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Dos três indígenas mortos esse ano, dois deles foram em confronto com garimpeiros, em fevereiro, na Comunidade Tirei, em Roraima. Na época, o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yekuana, Júnior Yanomami, disse à CENARIUM que um grupo de garimpeiros estava armado. “Foi um tiroteio, mas contra uma comunidade que não tinha armas, e terminaram pegando um Yanomami de facão. É uma situação muito triste”, explicou Júnior.

Polo Base Maloca Paapiu, Terra Indígena Yanomami (Reprodução/Twitter)

Leia mais: Dois Yanomamis são mortos e cinco ficam feridos durante ataque de garimpeiros em Roraima – Revista Cenarium

Em maio, uma adolescente indígena de 12 anos foi morta após ser violentada sexualmente por garimpeiros na Comunidade de Palimiú, em Roraima. Segundo denúncia, outra criança de 4 anos teria ficado desaparecida na mesma ação dos garimpeiros. À CENARIUM, o líder indígena Junior Hekurari Yanomami disse que um grupo de homens do garimpo invadiu a comunidade e levou a adolescente e outras duas mulheres que estavam com a criança que, ao tentar se defender, caiu na água.

Na época do crime, os moradores da comunidade onde a adolescente morava desapareceram do local. As casas foram queimadas e na internet a tag #CadêOsYanomami ficou no topo por dias. Mais tarde, Júnior explicou que alguns indígenas foram localizados e estavam vivendo em outras comunidades próximas ao local. A polícia relatou que fez diligências e concluiu que o caso se tratava de um “mal-entendido”, porém, a adolescente e a criança desaparecidas nunca foram localizadas.

Leia mais: “CADÊ OS YANOMAMI?”: pergunta que está no ‘trending topics’ do Twitter continua sem resposta – Revista Cenarium

Aldeia Yanomami incendiada após morte de adolescente de 12 anos (Reprodução)

Ainda no fim de maio, outro indígena de 18 anos, Alex Recarte Vasques Lopes, do povo Guarani Kaiowá, foi morto ao sair da reserva Taquaperi, em Coronel Sapucaia (MS), para buscar lenha numa área do entorno da Terra Indígena (TI). No local, teria sido assassinado, e seu corpo teria sido abandonado no Paraguai – em uma área a menos de dez quilômetros dos limites da reserva indígena.

“Ele é o quarto da família, extensa, Lopes, que é assassinado em Coronel Sapucaia, desde 2007, em uma sequência de ataques que nunca para e que nunca parou contra nossos territórios”, diz um trecho da carta da Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani Kaiowá).

Alex Lopes estava colhendo lenha quando foi assassinado aos 18 anos (Reprodução)

Leia mais: ‘Nosso coração está sangrando’ diz carta de conselheiros da assembleia Aty Guasu, após morte de indígena em Minas Gerais – Revista Cenarium

Histórico de luta

A região Amazônica é marcada por um histórico de luta e sangue de ativistas e povos originários, que dão a vida em prol da preservação ambiental. O governo, seja ele em qualquer esfera, não consegue alcançar esses povos e falha em suprir as necessidades básicas de segurança de quem vive nas regiões dominadas pelos crimes ambientais e tráfico de drogas.

O Brasil é o quarto País mais letal para defensores do meio ambiente, segundo o último levantamento do Global Witness, foram 20 casos registrados contra ambientalistas em 2020.

Dorothy Stang

Uma das vítimas dessa insegurança foi Dorothy Stang. A missionária foi assassinada em 2007, por intermediar conflitos agrários na região de Anapú, no Pará. Dorothy foi morta com sete tiros em uma estrada de terra, na cidade em que residia. 

Na época, o governo de Lula enviou dois ministros, de meio ambiente e direitos humanos, para o local e interditou 8,2 milhões de hectares de terra pública, mas mesmo assim foram chamados de omissos. Isso porque Dorothy avisou duas semanas antes de sua morte, que estava sendo ameaçada por fazendeiros.

Leia mais: 17 anos sem Irmã Dorothy: ambientalistas questionam violência contra quem defende a Amazônia

Religiosa norte-americana e ativista na região do Xingu, em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, assassinada em 2005, no Pará (Imapress/AE/REUTERS)

Chico Mendes

Sindicalista e maior defensor na luta por melhores condições de trabalho para seringueiros, Chico Mendes foi, ao longo de sua trajetória, alvo de ameaças de morte e chegou a contratar escolta policial para garantir sua segurança. Com respeito internacional e notoriedade na política, o sindicalista foi morto em dezembro de 1988 por sua militância ambiental.

Mendes foi o precursor de inúmeros movimentos existentes. Hoje, ele é quem dá nome ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão das unidades de conservação nacionais. A morte de Chico, com um tiro de escopeta no peito, marcou a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), principal órgão federal que combate crimes ambientais.

Chico Mendes em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre, na década de 1980 (Reprodução)

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 Zé Claudio e Maria

Responsáveis por liderar o Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira, o casal Zé Cláudio e Maria foram ativistas reconhecidos, internacionalmente, por denunciar invasões e roubo de madeira e contrariar interesses de grileiros e madeireiros no Pará.

Em 2011, o casal foi assassinado na cidade de Nova Ipixuna, no sudeste do Pará, vítima de uma emboscada. O casal foi alvejado por dois pistoleiros, Lindonjonson Silva e Alberto Nascimento, escondidos na mata. O caso ganhou repercussão, internacionalmente, mas até hoje está com a Justiça incompleta.

Zé Claudio e Maria foram assassinados em uma emboscada por irem contra grileiros e madeireiros (Reprodução)
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