A velha Jaqueira: 100 anos do Ensino Jurídico no Amazonas


Por: Inácia Caldas

23 de novembro de 2025

Falar da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, é viver a Manaus antiga do início do século XX. É conhecer a história de homens ousados como Eulálio Chaves, um dos fundadores da Escola Universitária Livre de Manáos, criada em 1909, sendo que após a sua extinção permaneceu a Faculdade de Direito, considerada, portanto, o “embrião” da hoje Universidade Federal do Amazonas- UFAM . Por isso, ela é considerada a primeira universidade brasileira, tendo em vista que se originou da Escola Universitária Livre de Manáos, o que foi registrado no Guinness Book, em 1995.

Prédio histórico da Faculdade de Direito, na Praça dos Remédios – centro de Manaus, conhecido como “Jaqueira”. No final do século XIX, a cidade de Manaus não possuía mais de cinqüenta mil habitantes, porém era conhecida como a capital do Amazonas que estava em franco progresso. Tanto é que o escritor Genesino Braga, da Academia Amazonense de Letras, em 1957, no livro “Nascença e Vivência da Biblioteca do Amazonas”, citado pelo historiador e advogado Aderson de Menezes, no livro História da Faculdade de Direito, 1999, disse:

“O expirar do século XIX, na capital amazonense, vinha se emoldurando de um pronunciado gosto no campo da cultura entre os ângulos diversos da administração e da sociedade. Modernizavam-se as condições da instrução pública, à frente o professor Francisco Antônio Monteiro, que regressara de uma viagem de estudos e observações em França e Portugal; procurava-se reequipar o maltratado Museu Botânico do Estado, com a aquisição das coleções Taiberg e Payer e o movimento em favor da compra da coleção numismática de Bernardo Ramos; reacendiam-se as luzes da ribalta do recém-inaugurado Teatro Amazonas para as exibições do grande trágico Giovanni Emanuel, o mais famoso intérprete de Shakespeare; introduziam-se métodos modernos no ensino normal e no ginasial; doirava as reuniões da Academia de Belas Artes o “settimo” do professor Cesar Vesce. Nas imprensa, Th. Vaz, Fran Paxeco, Raul de Azevedo, Leônidas de Sá, Goetzs de Carvalho e outros saudavam a visita de Coelho Neto”. (Braga, 1957, pág.65).

Pode-se dizer que Manaus era considera a “namorada dos mercados europeus e norte-americanos”, pois eles enviavam para a cidade sedas, perfumes, os cosméticos, os licores e a cultura de lá. (op cit, pág. 69). Para Manaus, vinham à procura do “Eldorado”, “o ouro negro do Amazonas”, nordestinos, assim como também os portugueses e alguns italianos, franceses, russos, ingleses, alemães, austríacos e elementos de outras nacionalidades. Todo esse processo migratório tem como base o “ Ciclo da Borracha” que ocorre no período de 1870-1912. Existia uma crença na inabalável superioridade da borracha que a condição monopolista estimulava.

O Amazonas, enquanto economia primário-exportadora. O Executivo Estadual torna-se o palco de disputas políticas renhidas, cujo exercício do poder permitia o controle das receitas públicas superavitárias até 1912, quando ocorre a Crise da Borracha com sua superação nos mercados internacionais pela concorrente asiática. O progresso era mais aparente que real, pois a praça amazonense vivia do crédito que lhe concedia a borracha. A qualquer momento de oscilação do preço da borracha – único produto de exportação e sustentáculo econômico – desorganizava-se a vida econômica do Estado, abrindo-se um déficit na Receita Pública, com repercussões negativas em todos os setores da sociedade. A superação da produção da borracha amazônica pela produção asiática provocou queda nos preços, e iniciou o colapso da economia da Amazônia. É no final do auge do Ciclo da Borracha que surge a Universidade Livre de Manáos, com os únicos cursos superiores existentes no Estado do Amazonas, que enfrenta enormes dificuldades para seu funcionamento em razão da crise econômica que vai assolar o Estado do Amazonas até a Segunda Grande Guerra.

Breve história da Escola Livre de Manáos

A Escola Livre de Manaós é fruto de visionários como o presidente e vice-presidente do Clube da Guarda Nacional, na cidade de Manaus, o mineiro tenente-coronel Joaquim Eulálio Gomes da Silva Chaves e Eulálio Chaves, respectivamente, que, juntamente com a diretoria do Clube, criaram a Escola Militar Prática no dia 10 de dezembro de 1908 e, mais tarde, para Escola Livre da Instrução Militar do Amazonas, cuja posse solene da diretoria foi no dia 22 de novembro daquele ano, sendo prestigiada pela presença e discurso do então governador do Amazonas, Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, o qual congratulou-se pela nova empreitada educacional.

No dia 17 de janeiro de 1909, o Conselho Constituinte da Escola se reuniu no salão nobre da Intendência Municipal de Manaus, com o objetivo de organizarem definitivamente a Escola de Instrução Militar, ficando então criada a Escola Universitária Livre de Manáos, mais tarde transformada em Universidade de Manáos.

Conforme informa o professor Aderson de Menezes (1999), o Capítulo 1. Dos Estatutos tratou “Da Escola, seus fins e organização”, a saber: “Art. 1 – A Escola Universitária Livre de Manaus, a qual é uma remodelação da Escola Livre de Instrução Militar do Amazonas, inaugurada a 22 de novembro de 1908, tem por fim ensinar as matérias que compõem os cursos seguintes: a) Curso das três armas, sendo o programa adotado para as Escolas do Exército Nacional; b) Curso de engenharia civil, de agrimensura, agronomia, indústrias e outras especialidades, todos de acordo com os programas oficiais e com as modificações introduzidas pelos progressos da ciência; c) Curso de ciências jurídicas e sociais, segundo o programa adotado nas Faculdades de Direito Federais; d) Curso de farmacêutico e bacharelado em ciências naturais e farmacêuticas, pelos moldes da Escola de Farmácia de Ouro Preto; e) Curso de ciências e letras, segundo o programa do Ginásio Nacional.

§ único- Depois de formado um sólido patrimônio para a manutenção da Escola Universitária Livre de Manaus deverão ser criados outros cursos, com preferência um curso médico. Art. 2- É constituída pelos lentes da Escola Livre de Instrução Militar do Amazonas, pelos lentes dos cursos já criados e pelos que de futuro fizerem parte do seu corpo docente. Art. 3- Rege- se pelos presentes Estatutos com todas as garantias e privilégios que concedidos lhe forem pelos governos da União e do Estado do Amazonas. §único- É dirigida pela Congregação dos lentes, que administra por si e por intermédio do Diretor, a quem compete a representação ativa e passiva da Escola, em juízo e em todas as suas relações para com terceiros.

Art. 4- O ensino é ministrado: a) Pelas lições nas aulas; b) Pelos exercícios práticos, excursões e visitas; c) Pela “Revista”; d) Pela Biblioteca; e) Pelas conferências dos lentes e de outras pessoas doutas que convidadas forem pelo Diretor, ouvida a Congregação.”

Os primeiros bacharéis da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, eram de vários estados do Norte e Nordeste do Brasil, tais como Ceará, Maranhão e Piauí. Foi assim que no dia 19 de dezembro de 1914, ocorreu formatura dos novos bacharéis em Direito, a saber: 1- Alfredo Freitas (Ceará); 2- Arthur Pereira Studart (Ceará); 3- Domingos Alves Pereira de Queiróz (Maranhão);4- Francisco Moreira (Bahia);5- Francisco Nogueira de Souza (Ceará);6- George Cavalcante de Siqueira (Ceará);7- Hermes Affonso Tupinambá (Piauí); 8- Isidoro Alves maquine (Amazonas); 9- João Baptista Guimarães (Pernambuco); 10 – João Henriques dos Santos (Piauí); 11- José Chevalier Carneiro de Almeida (Alagoas); 12- José da Silveira Primo (Ceará); 13- José Furtado Belém (Amazonas); 14- Manoel Barbosa Gésta (Amazonas); 15- Manoel de Mendonça Lima (Ceará);16- Manoel de Miranda Simões (Bahia); Raymundo de Carvalho Palhano (Maranhão); 18- Raimundo Thomé Bezerra (Ceará); 19 – Sadoc Pereira(Amazonas); 20- Themistocles Pinheiro Gadelha (Amazonas).

No ano de 1917, os professores, denominados de lentes, após a chamada reforma Carlos Maximiliano, sendo que estes, os quais eram substitutos obtiveram a categoria de catedráticos, e foi aberto edital para concurso para novos professores. Para sabermos mais sobre a Faculdade de Direito da UFAM, conversamos com uma figura emblemática, em Manaus – Amazonas, que dedicou a maior parte de sua vida para essa faculdade. Estamos falando do Professor e Advogado, Dr. José Russo.

José Russo, descendente de italianos, nasceu em Manaus, no ano de 1935. Estudou no colégio salesiano Dom Bosco e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas em 1960, por meio de vestibular, concluindo o bacharelado em 1964. Para se sustentar e estudar, o jovem José Russo trabalhava como bancário em um turno e estudava no outro o curso de Direito. Ele nos recebeu na atual Faculdade de Direito da UFAM, hoje no Campus Universitário. Já aposentado, o respeitado e festejado Professor Russo, além de professor foi, também diretor da faculdade por dezenove anos, de 1995 a 2004. Em uma conversa franca, ele lembra de sua juventude, do tempo em que era aluno, professor e diretor da faculdade de Direito, conhecida como “Jaqueira”.

Segundo ele, na década de 60, o regime era seriado, ou seja, primeiro ano, segundo ano até o quinto ano. “Na época que eu estudei era seriado, cinco anos, cinco séries, primeira serie, segunda serie, terceira serie, quarta serie e quinta serie. Depois o Ministério da Educação mudou, e facultou às faculdades os curso para períodos semestrais, que foi adaptado pela faculdade de Direito da UFAM. Depois é que mudou para períodos, que são dez semestrais”. (Entrevista concedida em novembro de 2010).

Na década de 60, Russo lembra que quase todos os alunos já eram de Manaus, o que antigamente não era bem desta forma. “Na minha turma eram 26 alunos. Na minha época eram quase todos de Manaus”, lembra. O professor recorda que a então faculdade de Ciências Jurídicas fazia parte da antiga Universidade Livre de Manáos. E que os outros quatro cursos, concebidos junto com o Direito, foram se acabando ao longo do tempo, ficando daquela Universidade somente a faculdade de Direito que se incorporou, mais tarde, à Universidade do Amazonas.

Na opinião do Professor José Russo, a Faculdade de Direito somente sobreviveu porque formava a elite de Manaus, tendo em vista o auge e o declínio que Manaus passou por conta da economia gomífera. “A Faculdade de Direito, antiga Faculdade de Ciências Jurídicas, só sobreviveu porque formava a elite da comunidade amazonense. Só existia a Faculdade de Direito. E foi ela quem formou a classe dirigente do estado do Amazonas”. (Entrevista, novembro de 2010)

José Russo conta que os professores da então Escola Livre de Manáos eram todos de fora. E que a criação da mesma foi um grande sonho que deucerto, mesmo com todas as adversidades. “Os primeiros professores da Faculdade de Ciências Jurídicas eram todos vindos de fora. Foi um sonho maluco, uma loucura a criação da Escola Livre de Manáos, numa cidade de cinqüenta mil habitantes em plena selva amazônica, o único meio de transporte era o fluvial, ou seja marítimo e depois o fluvial. Era uma loucura, mas uma loucura que teve um fim maravilhoso, alcançou o objetivo dos sonhadores. O grande idealizador foi Eulálio Chaves”. (Entrevista, novembro de 2010) Perguntamos ao professor Russo, o que o levou a cursar a faculdade de Direito. Ele, sempre muito educado, explicou-nos que em sua casa, sempre diziam que ele tinha vocação para a advocacia. “Eu era de família pobre que não podia sair de Manaus para estudar outros cursos fora, e aqui só tinha direito, naquela altura era Faculdade de Direito do Amazonas, não tinha ainda Universidade era Faculdade de Direito do Amazonas e, como diziam que eu tinha vocação para o curso, ingressei por meio de vestibular e não me arrependi. Minha vida sempre foi o Direito”. (Entrevista, novembro de 2010).

Russo conta que tinha um professor o qual era egresso da Escola Livre de Manáos. “Tem até um retrato dele na primeira turma”, recorda. Com orgulho, o professor explica que sempre existiu concurso para professor catedrático da Faculdade de Direito do Amazonas. “ Eram feitas através de uma prova escrita com duração de seis horas e uma prova oral”, diz. Com efeito, as bancas eram compostas por professores catedráticos vindos de outras faculdades do sul do Brasil. Ao lembrar de seus professores, o Dr. José Russo se emociona. “Tivemos grandes professores, exemplo disso foi o professor Aderson de Menezes, que morreu no Campus de Brasília. Ele, depois, foi transferido de Manaus para lá, e foi atropelado no Campus da Universidade de Brasília”.

“O professor Aderson de Menezes era amazonense de Parintins. Ele cresceu e foi embora para Brasília, foi dar aula. E um ano depois esqueceu a chave do carro, um lavador pegou e passou por cima dele. Ficou dezessete dias em coma e depois morreu. Eu resgatei aqui no porão da faculdade a prova escrita dele, ia ser incinerado, fiz a tradução dela, é uma obra de arte”, recorda o professor Russo, fazendo alusão ao inesquecível professor Aderson de Menezes. Com carinho e orgulho, o professor Russo nos mostrou a prova escrita, que durou seis horas, do professor Aderson de Menezes, para professor catedrático da Faculdade de Direito do Amazonas, a qual foi devidamente escaneada e reproduzida em um livro.

A prova escrita, datada em 9 de dezembro de 1954, foi encontrada pelo professor Russo, no porão da antiga Faculdade de Direito, no centro histórico de Manaus, o qual editou o texto e essa prova serve, até os dias de hoje, como fonte de pesquisa para a comunidade acadêmica amazonense. “ O ponto sorteado foi sobre a área dele Teoria do Estado. Ele tem um livro que ele fez sobre os elementos do Estado. Ele era professor de Teoria Geral do Estado.

Ele foi meu professor. Brilhante professor. Eu quero que você veja a tradução que eu fiz, porque as pessoas não entendiam, eu tive o trabalho de traduzir todinho.” Para Russo, não foi somente o professor Aderson de Menezes que lhe marcou, mas também, outra figura inesquecível no meio acadêmico e na sociedade amazonense foi o professor José Lindoso, que foi governador do estado do Amazonas, nascido na cidade de Barreirinha, o qual lecionava a disciplina Direito Civil. “Professor de uma sabedoria muito grande, um ser humano maravilhoso”.

A queima do paletó

    Ao lembrar dos professores e das aulas, José Russo rememora que naquele tempo, todos os alunos e professores usavam paletó. “Ninguém podia entrar sem paletó. Então ninguém nem pensava em ir sem paletó. Às vezes era um paletó que durava cinco anos, e, no último dia de aula, nos queimávamos os paletós. Era a solenidade da queima dos paletós. Agora ninguém mais usa o paletó. O que ainda não acabamos foi o uso de bermuda, hoje os alunos querem entrar de bermuda, de sandália. Não tem como. Porque cada local tem suas regras, suas vestimentas próprias. (Entrevista concedida em dezembro de 2010).

    De acordo com o nosso entrevistado, muitos alunos usavam um paletó durante cinco anos, porque, às vezes, eles só tinham um paletó. Os mais pobres não tinham como ter mais de um paletó. Assim, como esses alunos passavam cinco anos usando o dito paletó, era uma alegria fazer a solenidade da queima desta vestimenta.

    “Fazíamos a solenidade da queima do paletó na Praça dos Remédios, no asfalto, ali na rua, reuníamos todos os paletós. Era tradicional. Era em frente da Jaqueira. Agora por que Jaqueira, me explica”, indaga Russo. Ninguém sabe. Uns acreditam que era porque tinha uma Jaqueira lá. Mas era simbólico por conta do significado. A verdade é que ninguém sabe. Eu entendia Jaqueira porque diziam: joga lá na Jaqueira. Jaqueira é fácil de subir. Eu dizia: sou diretor e comigo é pupunheira, para subir aqui é cheio de espinho. Na Jaqueira os galhos estão todos lá, então você vai subindo, e é mais fácil..” (Entrevista, novembro de 2010).

    Quando o professor José Russo ingressou na faculdade, o prédio já era conhecido como Jaqueira. Por isso, quando o curso foi transferido para o Campus Universitário, em 2004, foi plantado um pé de Jaqueira, que José Russo trouxe da casa dele para que assim, o costume permanecesse, já como “jaqueira nova”.

    Sobre a Jaqueira, o professor Russo conta de um fato ocorrido muito interessante. “Nós recebemos um ofício do Ministério Público Federal. O Procurador da República era recém-chegado em Manaus, e eu
    tenho aqui uma cópia desse oficio, e posso te dar. Ele fez esse oficio pedindo explicações de onde se encontrava essa jaqueira, se era uma espécie vegetal, e eu perguntava o que isso tem haver com um Procurador da República? Depois vou te mostrar a jaqueira que eu trouxa numa latinha, plantei a jaqueira, e hoje ela já dá frutos. Eu comprei uma jaca, plantei o caroço, e nasceu. Ninguém vende mais as mudas de jaqueira.

    Comprei a jaca na feira. Comi a jaca e plantei o caroço. No dia da inauguração no Campus, inauguramos, também, a nova jaqueira. Porém, o que é mais importante são os ex-alunos que foram produzidos aqui. Nós tivemos aqui presidente do Supremo Tribunal Federal, que foi o professor Xavier, amazonense de Manaus, foi aluno e professor da nossa faculdade. Ele foi meu professor de Direito Processual Penal. Tem o professor José Lindoso, que foi presidente do senado. Tem o Henoch Reis, que foi ministro do então Tribunal Federal da República, que foi extinto depois, e tem ate o fórum com o nome dele. Foram homens ilustres.” (Entrevista, novembro de 2010)

    Manaus nos anos 60

    Na década de 60, Manaus era uma cidade pequena que tinha ainda pouca energia elétrica. Por isso, os alunos que precisavam estudar em casa, faziam uso de velas, de lamparinas e de candeeiro. “A Zona Franca se implantou depois, nos anos 70. Tínhamos muita dificuldade para estudar. Tínhamos que se usar o candeeiro, a lamparina. E de uma dificuldade dessa, saiu um presidente do Supremo Tribunal Federal. Ali era só talento, só inteligência. Ele está vivo até hoje, um brilhante orador. Como eu lhe disse, chama-se Dr. Xavier.”

    O longo período 1912-1939, de estagnação da economia amazônica e, posteriormente, a Batalha da Borracha, modificaram a forma de pensar a região. A criação de instituições como o Banco de Crédito da Borracha, o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, o Instituto Agronômico do Norte, concomitantemente com os órgãos envolvidos na “ Batalha da Borracha” como o Serviço de Saúde Pública – SESP, Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia – SEMTA, Comissão de Acompanhamento de Trabalhadores para a Amazônia – CAETA, Serviço de Abastecimento do Vale Amazônico – SAVA, além da criação dos territórios federais do Guaporé ( atual estado de Rondônia), Rio Branco ( atual estado de Roraima) e Amapá ( atual estado do mesmo nome), em 1943 modificam o mapa geo-econômico-político da Amazônia conduzindo as classes dirigentes a uma nova postura, que mobiliza a classe dirigente regional que, através da Assembléia Nacional Constituinte de 1946, consegue a aprovação do art. 199, o qual determina a aplicação de 3% da Renda Tributária Nacional para inversões, visando à valorização econômica da Amazônia.

    A aprovação do art. 199 e sua posterior regulamentação com a criação da Superintendencia para Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA, em 1953, são fatos que demonstram mudanças na visão da Amazônia no contexto brasileiro. Visando mudar o contexto sócio-econômico do Estado do Amazonas o deputado Federal do Amazonas, Francisco Pereira da Silva apresenta o projeto nº 1310/51 que posteriormente se transforma na lei nº 3.173, de 06 de julho de 1957, que cria a Zona Franca de Manaus, com objetivo de “armazenamento ou depósito, guarda, conservação, beneficiamento e retirada de mercadorias, artigos e produtos de qualquer natureza, provenientes do estrangeiro e destinados ao consumo interno da Amazônia, como dos países interessados, limítrofes do Brasil ou que sejam banhados por águas tributárias do Rio Amazonas”.

    A aprovação dessa lei ensejou a sua reformulação em 1967, com a edição do Decreto-Lei nº 288, de 28/02/67, que reformula a ZFM e cria a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), como entidade autárquica responsável pela administração da ZFM, com o objetivo de soerguer a economia amazonense, bem como desenvolver toda a área da Amazônia Ocidental.

    O art. 1º do Decreto-Lei 288 preceitua: “A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar, no interior da Amazônia, um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância em que se encontra dos centros consumidores de seus produtos”. O funcionamento da ZFM, a partir de sua reestruturação em 1967, trouxe vários benefícios para o Estado do Amazonas, em especial para a cidade de Manaus.

    Um dos benefícios imediatos foi a redução do custo de vida. Falando em dificuldades, o professor José Russo ia todos os dias estudar de ônibus. “Eu não tinha carro, ia de ônibus para a faculdade. O curso eu estudava de manhã. Não tinha noturno, só matutino e vespertino. Na minha época não tinha noturno. Na época eu era bancário. Eu tinha que trabalhar e estudar. Era uma luta muito grande. Uma vontade muito grande de estudar. E eu já era casado. No meu tempo, cada professor tinha e seguia seus mestres, seus ídolos vamos dizer assim, cada professor seguia. Mas, pode-se dizer, que todos eram romanistas, adotavam a escola romana.”

    Lembranças inesquecíveis

    Como dizia o poeta, recordar é viver de novo. É desta forma, que o professor José Russo lembra com saudade do esforço de seus colegas da faculdade. “O esforço daquele grupo de jovens para estudar me marcou muito. Todos jovens. Era um mundo de uma comunidade pobre de Manaus na metade do século passado. Naquela altura todos filhos de pobre e com desejo imenso de aprender Direito. O sonho era aprender Direito. Era a época da Revolução, então a minha turma só veio a terminar o curso depois da revolução. Alunos foram presos. E eu não gostaria de falar nisso…” Em 1977, o professor José Russo foi aprovado para professor de Direito. Profissão em que se aposentou. Mas, até hoje, como professor emérito vive praticamente todos os dias na “Jaqueira nova”.

    “Fiz o concurso e fiquei com a disciplina de Direito Civil. Deixei de fazer concurso para Juiz, Promotor, todos os meus colega fizeram. E eu era era apaixonado por Direito Civil. Professor eu era professor. A diferença entre mim e meus colegas é um zero. Eles ganham 25 mil e eu 2 mil e quinhentos reais. Eu fiz um discurso no dia 20 de setembro de 2004, na inauguração do nosso auditório, chamado de discurso do esquecimento, pois eu me dediquei tanto à Faculdade de Direito que esqueci de mim. Mas eu faria tudo de novo porque foi minha realização profissional e pessoal. Sofri, mas tudo aconteceu, e eu faria tudo de novo.” (Entrevista, novembro de 2010).

    Maior realização

    De acordo com o professor José Russo, ele alcançou realizar vários sonhos. “Fiz revistas, livros, mas a maior realização minha foi a transferência da Faculdade de Direito do centro da cidade, da beira do Cais para o Campus Universitário. Foi a maior realização, eu consegui dinheiro no orçamento da União, fui à Brasília, lutei, e consegui construir a sede. Assim mudamos para cá onde estamos até hoje.Tinham os que eram contra porque a o Tribunal de Justiça era próximo dali, na Eduardo Ribeiro, e os professores ficavam próximos da Faculdade de Direito e não queriam vir para o Campus porque ficava longe. E os alunos também achavam que era muito longe. Mas, hoje todos se sentem parte integrante do Campus. E isso foi uma grande vitória.”

    Segundo Russo, até hoje, como emérito, ele pode dar aulas, participar de bancas examinadoras de Mestrado, enfim em tudo ele pode contribuir. “São ao todo quatro professores eméritos, oriundos da Faculdade de Direito. Pela ordem: Eulálio Chaves, que foi fundador da Escola Universitária de Manáos; o primeiro já da Universidade do Amazonas é o professor Análio Melo de Rezende , depois o professor Samuel Benchimol, eu José Russo e, por fim, o professor Afrânio de Sá. São os quatro eméritos da faculdade, oriundos da Faculdade de Direito da hoje UFAM. Tem outros professores de outras faculdades, também.”

    Mensagem final

    O professor José Russo dedicou sua vida ao Direito. É, atualmente, a pessoa mais indicada para falar sobre a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas. Um homem probo, íntegro e muito querido pela sociedade amazonense por toda contribuição e legado. “Eu dediquei minha vida ao Direito desde o momento em que entrei na Faculdade de Direito em 1960. Então já estou vinculado ao Direito há 50 anos, como aluno, professor e continuo como professor até hoje. Atualmente alguns desembargadores já se aposentaram e foram meus colegas e os juízes foram meus alunos. Então tenho uma vida muito vinculada ao Direito. O Direito para mim é minha vida. Minha família é o Direito. Assim sendo, tanto os estudantes como os novos professores, enfim, os operadores de Direito, deveriam se dedicar a fazer justiça. Sempre a fazer justiça. È preferível, eu digo aos meus alunos que sou paraninfo, é que se eles forem para o Ministério Público, é preferível se absolver um culpado do que condenar um inocente. Está na dúvida, fique com a absolvição do inocente. Triste é condenar um inocente.

    É preferível absolver um culpado do que condenar um inocente. E sempre falo aos meus alunos aquelas palavras do grande mestre francês Eduardo Couture, quando ele diz que: teu dever é lutar pelo Direito; porém, quando encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça!”

    (*)Advogada, jornalista, presidente da Academia de Letras de Maués (Alma). Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), aluna do Programa de Atualização em Ciências Jurídicas para o Doutorado em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA- Argentina)

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