Abolição da escravatura: 133 anos depois, população negra ainda marginalizada é a mais atingida pela Covid-19

Em tempos de pandemia de covid-19, os negros são os mais atingidos pela doença no país (Paula Froes/Reprodução)

Matheus Pereira – Da Revista Cenarium

MANAUS – Mesmo após 133 anos da abolição da escravatura, a população negra ainda segue marginalizada em direitos fundamentais e, por conta disso, na pandemia de Covid-19, segue como a mais atingida pela doença no País. Em homenagem à Lei Áurea, a qual pôs fim à escravidão no Brasil e sancionada em 13 de maio de 1988, nessa data é celebrado o Dia da Abolição da Escravatura. O Brasil usou mão de obra escrava por quase 400 anos, desde o período colonial até ao fim do Império, sendo o País o último da América a abolir totalmente a escravatura.

Inicialmente, o governo federal não exigiu a coleta de dados raciais para os casos de Covid-19 e só após solicitação da Coalizão Negra por Direitos, composta por 150 entidades de todo o País. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que mulheres, negros e pobres são os mais afetados pela doença. Segundo os dados, a cada dez pessoas que relatam mais de um sintoma da Covid-19, sete são pretas ou pardas.

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Estatísticas

Em São Paulo, um levantamento do Instituto Polis apontou que, entre 1º de março a 31 de julho de 2020, a cada 100 mil habitantes, 250 óbitos pela doença eram de homens negros, enquanto 157 mortes eram de homens brancos a cada 100 mil. Já entre as mulheres, foram 140 mortes por 100 mil habitantes, contra 85 por 100 mil entre as brancas.

A primeira vítima de Covid-19 no Brasil foi Cleonice Gonçalves, mulher negra de 63 anos de idade, trabalhadora doméstica, hipertensa e com diabetes. Cleonice foi contaminada no Rio de Janeiro por sua patroa que voltava de uma viagem à Itália.

Um dos motivos alegados é que, apesar da lei, a situação dos que se tornaram escravos libertos quase nada mudou à época (Domínio Público/Acervo Assembleia Nacional da França)

Políticas públicas

O professor e um dos líderes do movimento “Tem Um Pé na África”, Otto França, explica que a forma como as políticas públicas foram conduzidas e as condições que vive a população periférica, em sua maioria negra, vive, são um dos motivos desse impacto da doença no País.

“Precisamos lembrar que essa população (negra) continua periférica. Quando há melhores condições, a dificuldade se dá em manter essas condições, tendo em vista o desemprego e que em muitos casos existem várias pessoas morando na mesma casa ou é em uma comunidade de famílias onde nem todos estão empregados. E as políticas públicas não estão favorecendo isso. As pessoas que não têm trabalho, precisam sair de casa para buscar algum tipo de subemprego para gerar algum sustento para sua família e muitas vezes não consegue”, apontou.

Contestação e desigualdades

Parte do movimento negro no Brasil contesta o 13 de maio e prefere celebrar a data da morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro. França explica que a abolição da escravatura no Brasil só ocorreu por conta de pressões internacionais. “O Brasil não tinha mais para onde correr, já que ele foi a última nação a fazer a libertação dos seus escravos. O Brasil fez uma libertação dos escravos de papel. A princesa Izabel muito pressionada fez a abolição da escravatura, mas e para onde iria essa população de escravos?”.

Em artigo assinado em abril de 2020, a ativista do Coletivo de Juventude Negra Cara Preta, Suzana Santos, explica porque a data não é tão simbólica como se imagina e aponta que a abolição da escravatura nem de longe representou uma ruptura.

“Na verdade, a massa de escravizados, então libertos, seguiu negligenciada sem qualquer auxílio estatal em âmbitos educacionais, de moradia ou saúde, não sendo permitido aos mesmos condições adequadas para reconstruírem suas vidas. A essas pessoas foram negadas quaisquer oportunidades de inclusão social, propiciando situações de precarização socioeconômicas e tornando a população negra liberta alvo da política higienista que a condicionou a se distanciar dos centros urbanos constituindo o que hoje conhecemos por favelas”.

População negra é maioria nas periferias do Brasil (Victor Moriyama/Reprodução)

Direitos básicos

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2014, 76% das pessoas mais pobres no Brasil são negros. Essa população mais pobre vive em assentamentos urbanos como as favelas e áreas periféricas. Nessas áreas, os moradores não têm acesso adequado à água potável e ao saneamento básico, o que dificulta o cumprimento das recomendações básicas de higiene, como lavar as mãos com sabão.

Otto Franco aponta que esses dados são ainda reflexo da marginalização ocorrida logo após a abolição da escravatura, já que para ele, o Brasil ainda não conseguiu chegar à completa organização do trabalho na sociedade. “A maior parte da população pobre é negra. É oriundo de uma população que foi escravizada, são as gerações de escravos. Nos últimos anos se vive um processo de tentar fazer as correções, mas é uma correção que não tem sido feita pelo governo”, finalizou.

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