‘A queda do céu’: Acampamento Terra Livre realiza ato para reencontro às origens do movimento

De caráter cultural e tecnológico, o ato desafiou a chuva com shows de vários artistas indígenas (Yusseff Abrahim/CENARIUM)

Yusseff Abrahim – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – No penúltimo dia do Acampamento Terra Livre, o ato “A Queda do Céu” levou os participantes para um reencontro às origens do movimento. A marcha iniciou no final da tarde desta terça-feira, 13, e seguiu para o gramado da Esplanada dos Ministérios, local das primeiras edições do evento iniciado há 18 anos.

De caráter cultural e tecnológico, o ato desafiou a chuva com shows de vários artistas indígenas. O tema do ato remete aos relatos do xamã e líder yanomami, Davi Kopenawa, que no livro “A Queda do Céu” (2015) profetizou o fim do mundo quando o último xamã morrer e a Amazônia sucumbir à devastação.

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A coordenadora da Associação Indígena Pariri, Alessandra Korap, apontou à reportagem da CENARIUM, que o céu ameaça cair para o povo munduruku sobre solos e rios contaminados pelos efeitos do garimpo.

“Semana passada perdemos uma parente, a Irene. Estava doente há mais de dois anos por causa do mercúrio. As pernas enfraqueceram, não ia mais pra roça, caía com facilidade, passou a ficar mais deitada”, relata.

Alessandra ressaltou que foi a segunda vez que viu um ‘parente’ próximo morrer. Em 2016, quando os efeitos do mercúrio ainda eram desconhecidos para ela na região, outro amigo, chamado Cássio, foi contaminado e precisou mudar para São Paulo, onde sofreu com sintomas por cinco anos até falecer.

“Ele morreu no começo do ano passado. Daí quando fui na aldeia visitar nossa parente eu chorei, porque eu a vi no mesmo estado de saúde que o Cássio, quando o visitei em São Paulo. Ele já não falava mais”, conta.

À frente de uma organização que representa 11 aldeias, Alessandra também integra uma articulação de mulheres que cobre 140 aldeias, onde vivem 14 mil munduruku entre os rios Teles Pires e Tapajós.
“Muita gente não entende o que o garimpo tá trazendo pra vida das populações indígenas. A questão do garimpo é muito forte e ela está matando”.

“Muita gente não entende o que o garimpo tá trazendo pra vida das populações indígenas. A questão do garimpo é muito forte e ela está matando”, disse a líder munduruku, Alessandra Korap (Yusseff Abrahim/Cenarium)

Uma gama de problemas

A líder munduruku reiterou que além da contaminação, o garimpo traz violência, armas, drogas e prostituição, reforçando o conteúdo do relatório “Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, divulgado pela organização Hutukara Associação Yanomami/CIR no ATL2022.

“Os problemas que Yanomami passam, os munduruku estão passando também”, compara.

Acesse o estudo

A Queda do Céu no Amapá

Na terra indígena Waça, no município do Oiapoque, no Amapá, os cerca de quatro mil indígenas do povo karipuna também tem o garimpo como o problema mais grave, de acordo com o líder, Kleber Karipuna.
“O problema maior é a contaminação dos rios pelo mercúrio. Daí vem a deformação de crianças, problemas de deficiência física e má formação. O rio está contaminado, os alimentos estão contaminados já que utilizamos muito o pescado”, revela.

Kleber explica que, além de sofrer com garimpo e outras ameaças territoriais em mineração, rodovias e mini centrais hidrelétricas, os Karipuna estão atentos às ameaças potenciais da indústria do petróleo.
“Existe um lote para exploração de petróleo que foi a leilão há três anos na costa do Amapá. A gente sabe que a exploração de petróleo pode impactar na nossa costa e no pescado, especialmente na região de fronteira com a Guiana Francesa”.

“Se e a gente não luta contra esses ataques e empreendimentos, pra gente de fato a ‘queda do céu’ se torna muito real, vamos lutar e resistir para não ver nosso meio ambiente e nossa cultura destruídos”, disse o líder Kleber Karipuna (Yusseff Abrahim/Cenarium)

Sobre a “Queda do Céu”, Kléber afirma que o problema dos Karipuna é o problema dos povos indígenas do Brasil, que precisam se fortalecer para conter ataques e reverter retrocessos nas politicas públicas e na perda de direitos que acabam refletindo na vida nas comunidades.

“Se a gente não luta contra esses ataques e empreendimentos, pra gente de fato a ‘queda do céu’ se torna muito real, vamos lutar e resistir para não ver nosso meio ambiente e nossa cultura destruídos”.

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