Ação do garimpo intoxica árvores e animais com mercúrio na Amazônia peruana

Área de garimpo na região de Madre de Dios, no Peru, em foto de julho de 2015 (Janine Costa - 13.jul.2015/ Reuters)
Com informações da Folha de S. Paulo

THE NEW YORK TIMES – A floresta amazônica primária (nome dado às áreas com menor intervenção humana) do sudeste do Peru parece intocada. Árvores antigas com troncos enormes crescem ao lado de árvores jovens e finas, formando uma copa tão espessa que cientistas às vezes têm a impressão de que é noite durante o dia.

Mas uma análise recente do que há dentro das folhas das árvores e das penas das aves conta uma história diferente: a mesma copa que sustenta possivelmente a mais rica biodiversidade do planeta também está absorvendo níveis alarmantes de mercúrio tóxico, segundo estudo publicado na sexta-feira, 28.

O mercúrio é liberado no ar por garimpeiros que buscam ouro nas margens dos rios. Eles utilizam mercúrio para separar o metal precioso dos sedimentos que o cercam e depois o queimam.

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Partículas de mercúrio são libertadas no ar, caem sobre as folhas como pó e são levadas ao chão da floresta pela chuva. Outras partículas são absorvidas pelas folhas.

A partir dali, o mercúrio parece ter se transferido pela cadeia alimentar, chegando aos pássaros canoros, que revelaram níveis de mercúrio entre 2 e 12 vezes mais altos que os de áreas comparáveis mais distantes de atividade garimpeira.

“O padrão foi muito mais forte e devastador do que prevíamos encontrar”, comentou a biogeoquímica Jacqueline Gerson, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que liderou o estudo como doutoranda da Universidade Duke. O estudo foi publicado no periódico Nature Communications.

Feita na região de Madre de Dios, no Peru, a descoberta traz novas evidências de como os humanos estão modificando ecossistemas em todo o mundo com pouco entendimento das consequências, enquanto as extinções de espécies se aceleram.

Cientistas sabem há muito tempo que o mercúrio, também liberado no ar pela queima de carvão, é uma neurotoxina perigosa para humanos e animais.

Nos sistemas aquáticos o mercúrio pode facilmente converter-se numa forma altamente tóxica chamada metilmercúrio. Quando os peixes maiores consomem os menores, o mercúrio continua presente, acumulando-se na cadeia alimentar.

Por esse motivo, grávidas são aconselhadas a evitar o consumo de peixes predatórios grandes como cação, cavala e peixe-espada.

O garimpo ilegal de ouro vem aumentando na região de Madre de Dios nos últimos anos, acompanhando a alta do preço do ouro nos mercados mundiais. Em 2016 o governo peruano declarou emergência sanitária na região, depois de 40% das pessoas testadas em 97 vilas terem apresentado níveis perigosamente altos de mercúrio no organismo.

Garimpo ilegal cresce na Terra Indígena Yanomami
Garimpo ilegal cresce na Terra Indígena Yanomami

Os cientistas têm enfocado principalmente a exposição humana a mercúrio em rios, lagos e oceanos. Eles não têm se preocupado igualmente com a presença do mercúrio em terra, já que é menos provável que se converta em metilmercúrio. Mas o volume grande de mercúrio liberado na floresta, somado ao solo e às condições chuvosas, estão levando a níveis preocupantes de metilmercúrio na região.

“Imaginava-se até agora que a exposição a metilmercúrio da população da Amazônia peruana viesse do consumo de peixes”, disse Jacqueline Gerson. “Mas é possível que não seja o caso.”

O tipo de garimpo artesanal de ouro feito na região de Madre de Dios é praticado em cerca de 70 países, muitas vezes de modo ilegal ou extraoficial, e é a maior fonte mundial de poluição por mercúrio. E é responsável por cerca de 20% da produção mundial de ouro.

Julio Cusurichi Palacios, presidente da Federação Indígena do Rio Madre de Dios e Afluentes, formado por comunidades indígenas da região, disse que o governo deveria combater o garimpo ilegal com força policial, mas também promover meios de subsistência alternativos para os indígenas e outros habitantes da região.

Os moradores pescam, colhem castanha do Pará, plantam agave e milho, ele disse, mas precisam de assistência “para aprimorar e vender sua produção, para não pensar ‘não há mercado para meu produto, então o jeito é ir para o garimpo’”.

Gerson e sua equipe colheram solo, folhas, dejetos da floresta e outras amostras em três locais próximos da atividade garimpeira e dois outros mais distantes. Usaram um estilingue gigante para colher certas folhas, atirando uma corda com peso na ponta na direção da copa e puxando galhos para baixo.

Quando foram revelados os níveis de mercúrio, os mais altos estavam nas áreas de floresta virgem protegida próximas do garimpo. Essas áreas apresentavam 15 vezes mais mercúrio que as clareiras próximas, provavelmente porque a copa espessa e vegetação densa haviam capturado e armazenado o mercúrio.

Chocada com os números obtidos, Gerson vasculhou a literatura científica em busca de exemplos de florestas com níveis semelhantes de mercúrio. A única que encontrou foi numa área industrial de Guizhou, na China, poluída pela mineração com mercúrio e a queima de carvão. Alguns dos níveis de mercúrio detectados na floresta primária amazônica, de aparência sadia, eram ainda mais altos.

Quando capturam o mercúrio, as florestas ajudam a mantê-lo fora dos sistemas aquáticos, disse Emily Bernhardt, professora de biogeoquímica na Universidade Duke e coautora do estudo.

“Esta é uma das florestas mais biodiversas do planeta”, ela disse. “Já sabemos que ela captura toneladas de carbono em sua biomassa e seu solo. Agora descobrimos um papel adicional e incrivelmente importante que ela exerce.”

Mas esse serviço que a floresta presta não é isento de custo. A intoxicação por mercúrio pode afetar a capacidade dos pássaros de orientar-se e cantar e pode levá-los a pôr menos ovos, disse a cientista, além de reduzir as chances de seus ovos eclodirem.

Os cientistas supunham até agora que a poluição aérea de mercúrio produzida pelo garimpo de ouro tivesse menos impacto local, disse Daniel Obrist, professor de ciência ambiental da Universidade Massachusetts Lowell, que estuda o mercúrio em florestas do nordeste dos EUA e do Ártico e não participou do estudo amazônico.

“O estudo veio preencher uma lacuna muito importante no conhecimento do que ocorre ali com o garimpo em pequena escala e suas consequências”, disse Obrist. “Não apenas para os processos globais, mas também para as comunidades locais.”

Tradução de Clara Allain.

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