Acervo artístico de Bolsonaro é ‘abominável’ e de ‘dar calafrios’, analisam artistas amazônidas
19 de dezembro de 2022
Um dos quadros que faz parte do acervo do presidente retrata animais, alguns de braços abertos para o céu, o próprio Bolsonaro com uma criança e, ao que tudo indica, a figura sacra de um arcanjo (Reprodução/Redes Sociais)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
MANAUS – A poucos dias de deixar o cargo de mandatário do Brasil, o presidente Jair Bolsonaro iniciou a mudança do Palácio da Alvorada. O presidente passou a retirar os presentes que ganhou ao longo dos quatros anos em que administrou o País. Entre os pertences estão quadros, esculturas e outras formas de expressão artística. Ao vir a público, as peças causaram debates, nas redes sociais, sobre o “gosto duvidoso” do acervo.
Na arte, um Bolsonaro jovem está ao lado da imagem de Jesus Cristo, que segura uma vela na mão direita e uma pomba na mão esquerda (Reprodução/Redes Sociais)
A historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz comentou em suas redes sobre os quadros e retratos feitos em homenagem a Bolsonaro. “O gênero do retrato nasceu para servir o poder. Tanto que a maior parte das obras, pelo menos até início do século 21, era dedicada a homens, brancos, supostamente heteronormativos, e todos ligados aos altos cargos e escalões na política, na igreja, na sociedade“, observou a cientista.
Para a mestre em cultura popular, artista visual, figurinista e produtora de eventos Djane Sena, a arte precisa ser entendida como expressão, independente da estética. “Observei as peças expostas nas redes de Bolsonaro e, a princípio, achei que eram memes, mas, depois percebi que era sério“, comentou com humor. “Apesar do gosto duvidoso, é preciso entender que tudo é arte. Mesmo aquilo que não encontre abrigo na estética. Mesmo aquilo que não agrade o nosso olhar”, discorreu a artista manauara.
Na imagem, um Jesus martirizado, Jair Bolsonaro, uma criança e as indefectíveis canetas Bic que ele usou como símbolo de trabalho (Reprodução/Redes Sociais)
Mensagem
Para Djane Sena, o acervo pode conter mensagens nem sempre entendidas pelo presidente. “Os quadros são os mais grotescos, o acervo é de dar calafrios, mas, podem conter mensagens que nem sempre Bolsonaro ou o bolsonarismo entende. Também não podemos esquecer que são obras oriundas da qualidade dos admiradores dele, então, não dá para esperar muita coisa em matéria de belo“, ponderou. “O interessante é que ele gostou, porque se identificou com o mau gosto das peças“, ironizou.
A réplica em madeira da clássica motocicleta Harley-Davidson virou uma versão denominada “Harley Mito” (Reprodução/Redes Sociais)
Culto
Para o historiador, jornalista e crítico de arte Otoni Mesquita, a produção segue um padrão “estreito” e “caricato”. “É a representação de um pensamento estreito, caricato. Enfim, é uma representação política que não está solta no espaço e mesmo que fosse um líder de extrema-esquerda, forte, vigoroso, vermelho, como foi o caso do ‘realismo socialista’ que, por sinal, era bem elaborado, com muita qualidade, soaria panfletário e nada admissível. É o culto à personalidade, o culto à pessoa, como era na Roma antiga. O culto aos tiranos”, lamenta.
Otoni Mesquita não economizou na avaliação do material. “Todos deveríamos estar agradecidos pelo fato de Bolsonaro estar levando essa produção com ele“, disparou o crítico. “É algo que talvez tenha técnicas, autores, e eu diria que a questão estética não é a principal questão, ainda que a pessoa tenha noção de cores, profundidade e representação humana, mas, como acervo, é abominável, intragável“, critica o historiador.
No quadro, Jair Bolsonaro faz as vestes de um herói militar ao estilo de D. Pedro 1°, que proclamou a independência do Brasil (Reprodução/Redes Sociais)
Mesmo com a crítica ácida, Otoni destaca que existe uma certa contribuição. “Do ponto de vista histórico, representa um determinado momento triste da nossa história e eu reconheço que posso estar assumindo um pouco a postura de Rui Barbosa, que mandou queimar documentos relativos à escravidão, no Brasil, porque eram uma coisa vergonhosa, mas, isso se configurou em uma perda irreparável para os afrodescendentes do Brasil; claro que no caso das peças de Bolsonaro não é a mesma coisa“, finalizou.
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