Acúmulo de lixo preocupa moradores da Zona Sul de Manaus, que convivem com urubus e doenças
Por: Marcela Leiros
18 de junho de 2025
MANAUS (AM) – Um terreno baldio na comunidade Vale do Amanhecer, bairro Petrópolis, Zona Sul de Manaus, tornou-se uma lixeira viciada e, consequentemente, uma dor de cabeça aos moradores da região, que apontaram que o acúmulo de lixo doméstico, entulho e restos de alimentos resulta na presença de urubus, proliferação de moscas e riscos à saúde de crianças. Na mesma região, em outro endereço, moradores ficam dias sem ter os resíduos domiciliares coletados. Atualmente, a Prefeitura de Manaus tem contratos para coleta de lixo com duas empresas, que somam R$ 3,1 bilhões.
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“Tem a questão de mosca, inseto, é muita, muita mosca, o dia todo. E o odor também, da lixeira viciada”, desabafou Fabiane Rodrigues, comerciante local. Ela contou que a Prefeitura de Manaus, por meio da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp), faz limpezas na área, mas nada efetivo que tenha resolvido o problema de forma permanente. Uma delas durou três dias, e o lixo continuou a ser jogado no local.

Os estabelecimentos comerciais e moradias ficam no entorno do Centro de Convivência Casa Cidadão Vale do Amanhecer e da Quadra Poliesportiva que leva o mesmo nome, sob administração da Secretaria Municipal de Juventude, Esporte e Lazer (Semjel). Ambas estão localizadas entre as ruas Campo Grande e 14 de Janeiro.
Nesta via, o cenário é de uma lixeira a céu aberto, com plásticos, marmitas de isopor e outros resíduos espalhados. Em cerca de uma hora em que a reportagem esteve no local, foi possível presenciar coletores retirando o lixo com um caminhão. Minutos depois, dois moradores da região despejaram os resíduos na rua. Para um deles, jogar os rejeitos no local é a única opção, já que o caminhão de coleta não consegue transitar em sua rua estreita.
“Passa não [o caminhão de lixo], não passa porque é rua estreita, e os camaradas colocam o carro aqui desse lado e não passa, só passa mesmo dois carros bem apertados, e é quase toda a rua. Todo mundo joga lixo aqui, ali, é uma briga doida, porque o cara joga gato morto, cachorro morto“, disse um dos moradores flagrados despejando entulho de obra no local.


A comerciante Fabiane Rodrigues contou como o acúmulo de lixo afeta os comerciantes da área. “Dia de domingo, nós vendemos frango, peixe assado e o que acontece com essa lixeira viciada? Está causando muito urubu. As pessoas não jogam só o lixo, elas jogam animais mortos aí e os urubus atacam em cima e fica aquele odor horrível para cá. As pessoas não aguentam“, disse ela, pontuando como o problema afeta as crianças que só têm a praça como área de lazer.
“Nós temos várias crianças aqui, elas brincam nessa praça à tarde, ela é lotada por crianças. Só que às vezes elas vão ali para esse terreno e o que acontece? Tem água empossada, com cheiro, misturado com o cheiro do lixo, com a podridão do lixo. As nossas crianças vão ficar doentes se ficarem ali e essa questão do lixo também traz a doença para nossas crianças“, acrescentou.
Fabiane Rodrigues ainda apelou para que o poder público tome medidas para organizar a localidade, reconhecendo, também, que falta consciência da parte dos moradores. “O que nós pedimos para as nossas autoridades é que tomem uma providência, que façam alguma coisa, construam alguma coisa nesse terreno, porque senão vai continuar sendo todo o tempo uma lixeira viciada. A prefeitura está fazendo a parte dela, quando eles mandam os ‘caçambeiros’ virem, eles mandam tirar. Mas aí a população não está tendo consciência”, pontuou.

Assim como Rodrigues, o líder comunitário Gerson Rocha pediu por uma iniciativa da prefeitura ao mesmo tempo que reconheceu o “mau costume” de alguns que residem na localidade.
“Gostaria que a própria Semulsp colocasse também placas aqui, impedindo, proibindo as pessoas, colocasse alguma coisa impedindo a própria comunidade não mais fazer“, declarou. “O caminhão de lixo passa nessa área aqui todinha. É mau costume das pessoas ter essas coisas que querem prejudicar mesmo“.

Sem coleta
A situação se repete em outra região do mesmo bairro, com um agravo: a interrupção na coleta de lixo sem aviso prévio a moradores como a cientista de materiais Izaura Nogueira. Na semana passada, inconformada com o acúmulo de lixo na Rua Paulino Gomes, onde mora, e no entorno, ela publicou vídeos nas redes sociais que mostravam o acúmulo de resíduos.
Com a repercussão, a coleta passou e a rua ficou limpa, na medida do possível. “Nós estávamos há, aproximadamente, três dias sem a coleta de lixo e por isso eu resolvi fazer os vídeos denunciando, porque muitas vezes a prefeitura ou a Semulsp não têm controle das ruas que os lixos estão sendo coletados. Então eu acho importante nós, cidadãos, fazermos essa denúncia para que chegue até as autoridades públicas competentes e eles possam tomar alguma atitude“, disse Nogueira.
A cientista de materiais enfatiza que o serviço de coleta de lixo, por ser considerado um serviço público essencial, não pode sofrer interrupções. Ela destaca que, assim como a rotina dos moradores do Vale do Amanhecer, a falta deste serviço resulta em animais e doenças.
“A gente tem que saber o que está acontecendo, por que as empresas não estão fazendo a coleta diária“, declarou. “É como eu falo, um dia sem coleta a gente até aguenta, mas, poxa, dois, três dias acumulando lixo na frente da sua casa não dá, porque aí atrai vários vetores, rato, barata, mosca, a gente está em época de chuva. Podem proliferar várias doenças, leptospirose, dengue, então isso é uma questão de saúde pública“.

“O que eu consigo observar é que entra gestão, sai gestão, o problema persiste, ele continua. Manaus sempre figurou entre as capitais com o pior saneamento básico do Brasil. E eu nunca vi, eu já moro aqui em Manaus desde 1999, e eu nunca vi nenhuma autoridade pública assumindo essa questão e tentando fazer algo para mudar“, concluiu.
De acordo com o Ranking do Saneamento 2024, publicado pelo Instituto Trata Brasil, que avalia os serviços básicos das 100 maiores cidades do País, Manaus ocupava a 86ª posição, figurando entre os 20 municípios com os piores índices.
A Lei Federal 11.445/2007 define o saneamento básico como um conjunto essencial de serviços, infraestruturas e instalações necessárias para promover a saúde pública, proteger o meio ambiente e assegurar a qualidade de vida da população. De acordo com a lei, o saneamento é composto por quatro componentes principais: abastecimento de água; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.
Gastos milionários
Para os serviços de coleta de lixo em Manaus, a prefeitura, por meio da Semulsp, possui contratos bilionários com duas empresas: a Tumpex e a Marquise. O primeiro é no valor de 1,8 bilhão, enquanto o segundo é de R$ 1,2 bilhão. Ambos se encerrariam em 2020, mas foram prorrogados até 2035.
O contrato 033/2003, da Semulsp com a Tumpex, foi assinado em 2003. O valor mensal do contrato, no valor total de R$ 1.843.747.174,80, é de R$ 10.243.039,86.
O contrato tem por finalidade a execução de “serviço de limpeza pública urbana, consistente na coleta, carga, transporte e descarga de resíduos sólidos domiciliar, comercial e hospitalar, resíduos provenientes das atividades de varrição das vias e logradouros públicos, capina, roçada, mutirões e serviços especiais de limpeza de igarapés/córregos, abrangendo toda a área urbana da cidade de Manaus, cujos resíduos são depositados no aterro municipal, hoje situado no km 19 da Rodovia AM/010“.


Já o contrato 001/2013, com a Marquise, é de 2013, e tem a mesma finalidade do citado anteriormente. Neste, o valor total é de R$ 1.283.786.292,60, correspondente a R$ 7.132.146,07 por mês.


A CENARIUM questionou a Prefeitura de Manaus e a Semulsp sobre as medidas que as pastas adotaram, ou vão adotar, para resolver de forma permanente, a situação da lixeira viciada na Comunidade Vale do Amanhecer, assim como pediu esclarecimentos sobre falhas ou interrupções na coleta domiciliar, e aguarda resposta.