Advogado de PM que morreu em transferência para presídio de Belém vai acionar Corte Interamericana de Direitos Humanos

PM seria preso em Belém, capital do Pará, depois de assassinar a tiros empresário e ser baleado por colega de farda à paisana (Reprodução)

Rômulo D’Castro – Da Revista Cenarium

ALTAMIRA (PA) – “Essa é uma situação de violência contra os direitos humanos desse preso”. A declaração da ativista Antônia Melo veio depois da morte de Clenilson Mota, cabo da Polícia Militar do Pará, em um caso polêmico. O PM morreu no último sábado, 19, durante transferência para Belém, capital do Pará, onde ficaria detido na Penitenciária Anastácio das Neves. O cabo matou a tiros de queima-roupa um empresário, no último dia 13, em um bar de Altamira, Sudoeste do Pará.

Erisvaldo Oliveira conversava com amigos quando o PM chegou e disparou várias vezes contra o empresário que morreu ainda no local. Depois do crime, ele tentou fugir, mas foi imobilizado por um colega de farda, outro policial que estava à paisana, no bar, e atirou três vezes acertando perna, braço e a coluna de Mota, que foi internado no Hospital Regional da Transamazônica, onde passou por cirurgia.

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Após ser operado, o policial recebeu alta no dia 17 de fevereiro. Segundo o laudo médico, o estado de saúde do paciente era estável, podendo, inclusive, ser transferido de avião para Belém “sem o suporte de UTI”.

Documento assinado por neurocirurgião do Hospital Regional da Transamazônica (Fonte confidencial)
Documento assinado por neurocirurgião do Hospital Regional da Transamazônica

Para o advogado Joaquim Neto, que trabalhava na defesa do policial, o documento assinado pelo Neurocirurgião Airton Araujo, do Hospital Regional Público da Transamazônica, foi o primeiro de uma série de erros que se seguiram. “Estamos exigindo que o hospital explique o real quadro de saúde do paciente”, cobra Neto.

Outro erro apontado pela defesa, esse pode ter sido determinante para o agravamento do estado clínico do policial, foi a transferência de Mota, apenas quatro dias depois de ter sido baleado, para o Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu em “condições questionáveis para um ferido” que teve a coluna atingida por um dos disparos efetuados pelo colega de farda.

Joaquim Neto também questiona a aparente pressa da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Pará (Seap) para a prisão preventiva do PM. Em coletiva à imprensa da região Xingu, o advogado sinalizou, negativamente, à decisão do Estado.

“Se trata de uma transferência desnecessária. Isso demanda um tratamento específico intensivo de médico e fisioterapeuta”, afirmou Joaquim Neto. O advogado disse, ainda, que nesta segunda-feira, 21, pediria à Justiça a conversão da prisão preventiva para temporária, na tentativa de que o policial pudesse responder em liberdade pelo menos até estar completamente recuperado.

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Pará respondeu ao advogado do policial militar. No documento, a Seap informou que “dispõe de viaturas e escolta para conduzir os custodiados que encontram-se com quadros de saúde que requerem atendimentos de urgência e emergência”.

Resposta da Seap ao questionamento à transferência do PM feito pelo advogado (Fonte confidencial)
Resposta da Seap ao questionamento à transferência do PM, feito pelo advogado

Transferência

Familiares, colegas de farda e a defesa do PM afirmam que a resposta da Seap não foi de acordo com a realidade. Os erros, indicados em documento elaborado pelo advogado, começaram no momento em que o PM deixou o Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu e foi levado para o terminal aéreo altamirense.

A defesa da família denuncia que a ambulância usada no translado não tinha “condições mínimas para o transporte de paciente com o quadro clínico de Mota”. No vídeo abaixo, é possível ver o momento em que o cabo é colocado no avião por socorristas do Serviço Móvel de Urgência (Samu).

Em outro vídeo, um homem narra o seguinte: “a ambulância está sem ar-condicionado, agora que foi aberta a porta para ventilar o veículo. O policial está naquela situação desumana, no sol quente”. O relato, que não terá o denunciante exposto nem o vídeo publicado, para resguardar a fonte, foi feito no aeroporto de Altamira, enquanto o cabo Mota aguardava em uma ambulância do Samu para embarcar.

Em mais um vídeo feito pelo mesmo homem, a ambulância aparece em outro espaço do aeroporto, dessa vez, em uma área coberta, procedimento adotado para ‘refrescar’ o veículo por causa do sol escaldante. A transferência, no entanto, ocorreu mais de três horas depois do planejado, às 12h30.

Além da demora e da ambulância, que não seria adequada para o transporte do ferido, o policial militar foi submetido ao voo sem apoio médico. Apenas um técnico de enfermagem acompanhou Mota. A aeronave de pequeno porte foi ‘adaptada’ para o translado. Segundo o advogado, que agora assiste à família, “foi necessário tirar duas poltronas do veículo para que o PM fosse colocado deitado no chão do avião, em uma maca, sem qualquer outro recurso”.

A morte do policial militar

A viagem de aeronave entre Altamira e Belém tem duração de cerca de 1 hora e meia. Foi o tempo de vida que restou para o cabo Mota. Antes mesmo de chegar à capital paraense, o policial teria tido um mal súbito, o que pode ter desencadeado uma parada cardíaca. A morte de Clenilson Mota foi confirmada pela Secretaria de Administração Penitenciária do Pará. De acordo com a Seap, o PM ainda chegou com vida ao hospital Porto Dias, mas morreu às 14h50.

Confirmação da morte de cabo Mota (Fonte confidencial)
Confirmação da morte de cabo Mota registrada em uma delegacia de Belém (Fonte confidencial)

Revolta da família

O cabo foi enterrado nesta segunda-feira, 21, em um cemitério, no município de Altamira, onde ficou na Polícia Militar por dez anos. Durante o sepultamento, emoção e revolta da família que culpa o Estado pela morte do PM. De acordo com a esposa de Clenilson Mota, Rayla Costa, os parentes foram proibidos de ver o policial no aeroporto. “Jogaram ele lá (na ambulância) como um cachorro. A gente acompanhou e, em nenhum momento, saiu de lá (do aeroporto). Só quando decolou mesmo. Não consegui falar com ele”, conta Rayla, mãe dos dois filhos de Mota.

A notícia sobre a morte do marido foi dada por um amigo do policial. “Só falou ‘Rayla, o que fizeram com Mota foi covardia’ e eu já entrei em desespero. Liguei pra mãe dele e chegou lá a notícia oficial de que ele tinha falecido”, lembra em prantos.

“Meu filho não era bandido”, disse em lágrimas a mãe de cabo Mota que, acompanhada do marido, insistiu para ver o filho antes da ida para Belém, mas, assim como o restante da família, foi impedida de entrar no espaço da ambulância e também não pôde ver o policial do lado de fora do aeroporto movimentado pela presença de parentes, amigos e imprensa.

Ainda no aeroporto, a família protestou contra a falta de informações atualizadas sobre o estado de saúde de Mota e sobre não poder falar com o policial antes da transferência para Belém. A família denuncia que não teve conhecimento sobre a decisão da Seap. A informação é confirmada pelo advogado Joaquim Neto, que também diz não ter recebido notificação. “Será que a defesa não deveria saber sobre a transferência do próprio cliente?”.

Nem mesmo o Comando Regional da Polícia Militar do Xingu teria sido notificado sobre a transferência de um de seus subordinados. “Tomamos conhecimento não oficial. Parte da tropa estava no aeroporto e eles nos comunicaram que (Mota) estava sendo conduzido para transferência aérea para Belém”, informou o coronel Pereira, responsável pela Regional do Xingu.

Apelo internacional

Joaquim Neto foi acionado pela família de cabo Mota pouco após o policial ter sido levado baleado para o Hospital Regional Público da Transamazônica. Para o advogado, há indícios claros de que houve negligência. Para ele, “muitas perguntas precisam ser respondidas, como ‘qual foi o tipo de acompanhamento médico que o cabo teve, quem estava com ele e por que autorizar a transferência do paciente mesmo com estado de saúde delicado?'”.

Em nota enviada à imprensa de Altamira, onde Mota era lotado na Polícia Militar, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária informou que “após passar por avaliação médica da equipe multiprofissional do hospital (Regional Público da Transamazônica), o paciente recebeu alta na última quarta-feira, 16, por apresentar condição clínica satisfatória”. A nota apresentou data da alta diferente da indicada em outra nota, também da Seap (17 de fevereiro, veja acima), e não manifestou posicionamento do Estado sobre denúncias levantadas pela imprensa e pela família do PM.

Sem respostas que considera pertinentes sobre o caso, o advogado da família disse que vai recorrer a outras esferas, como a Secretaria Estadual de Direitos Humanos, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para Joaquim Neto, as informações são vagas e reiteram o que a defesa tem levantado, desde a morte do PM, sobre possíveis negligências. Decisões que o advogado classifica como erradas podem ter sido determinantes para a morte de Clenilson Mota. “A gente vai a fundo para esclarecer todos os fatos. O Estado enterrou esse policial”, sentencia Joaquim Neto.

Entenda o caso

Era por volta de 22h30 de domingo, 13 de fevereiro. Clenilson Mota e Erisvaldo Oliveira estavam no mesmo bar, no Centro de Altamira. Em um vídeo publicado na internet, é possível ver o momento em que Mota chega e atira pelas costas de Erisvaldo. Foram vários disparos à queima-roupa. A vítima morreu na hora. Ao tentar fugir, após cometer o crime, cabo Mota foi baleado por outro policial militar que também estava no estabelecimento à paisana. Ninguém sabe o que motivou a ação de Mota. O local estava lotado no momento do assassinato. Uma jovem ficou ferida, mas está fora de risco.

Erisvaldo Oliveira, empresário morto a tiros por cabo Mota (Foto: Reprodução)
Erisvaldo Oliveira, empresário morto a tiros por cabo Mota (Foto: Reprodução

Pouco antes de ser transferido para Belém, ainda no Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu, no Sudoeste paraense, cabo Clenilson Mota foi interrogado pelo delegado da Especializada em Homicídios do Xingu, David Flávio. De acordo com o delegado, “o policial estava com dificuldade de falar e reservou o direito de se manter calado”, como mostra o documento abaixo.

Antes de morrer na transferência para Belém, Mota foi ouvido pelo delegado, mas não se manifestou sobre o caso pelo qual seria preso na capital (Fonte confidencial)
Antes de morrer na transferência para Belém, Mota foi ouvido pelo delegado, mas não se manifestou sobre o caso pelo qual seria preso na capital (Fonte confidencial)
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