AL-MT aprova projeto que reclassifica áreas da Amazônia para Cerrado


Por: Ana Cláudia Leocádio

09 de janeiro de 2025
AL-MT aprova projeto que reclassifica áreas da Amazônia para Cerrado
Mapa do Estado de Mato Grosso e imagens da Amazônia e Pantanal (Composição de Paulo Dutra/CENARIUM)

BRASÍLIA (DF) – A Assembleia Legislativa de Mato Grosso (AL-MT) aprovou, na quarta-feira, 8, um Substitutivo ao Projeto de Lei Complementar 18/2024, que prevê a reclassificação das áreas compostas pelos biomas Amazônia e Cerrado no Estado. Segundo a organização Observa-MT, a medida vai atingir mais de 9,6 milhões de hectares, quase 10% do território de Mato Grosso, que podem perder proteção ou a obrigação de restauração.

A proposta visa reduzir a porcentagem de reserva legal em propriedades rurais, para 35% no bioma Cerrado, enquanto para a Amazônia é obrigatória a preservação de 80% da floresta.

De autoria da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais, presidida pelo deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), o Substitutivo 3 foi assinado pelo deputado Nininho (PSD). O texto altera dispositivos da Lei Complementar 38, de 21 de novembro de 1995, que criou o Código do Meio Ambiente de Mato Grosso. Com 15 votos favoráveis a oito contrários, o projeto foi aprovado em primeiro turno e deve retornar ao plenário na próxima semana para a segunda votação.

Plenário da AL-MT (Reprodução/AL-MT)

Além de alterar dispositivos já consolidados no Código Estadual de Meio Ambiente, o novo texto também cria novos artigos, como o que elimina a análise detalhada de fitofisionomia, anteriormente usada como critério técnico. A proposta também cria a obrigatoriedade de um relatório técnico, elaborado por órgão ambiental, nos casos em que a vegetação observada em campo divergir do mapa oficial.

Ainda segundo o novo texto, os proprietários de imóveis terão mais facilidade para compensar a reserva legal, podendo adquirir áreas excedentes de outras propriedades para regularizar a situação. Poderão, ainda, solicitar a reanálise de pareceres indeferidos sob a regra anterior, conforme os novos critérios estabelecidos na nova lei.

Em sua justificativa, o deputado Nininho afirma que seu Substitutivo vem para adequar o Projeto de Lei Complementar 18/2024 à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento de Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) e de Inconstitucionalidade (ADIs) contra dispositivos do Código Florestal Brasileiro. Com isso, a nova classificação dos biomas terá como base o Manual Técnico de Vegetação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na edição de 2012.

Mapa delimita áreas dos biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado no Estado de Mato Grosso (Reprodução/ResearchGate)

“O Projeto de Lei Complementar 18/2024 passa a observar os três biomas que descrevem a totalidade da classificação vegetal no Brasil, não havendo se falar em ‘Transição’, ‘Fitofisionomia’ ou ‘abrangência e ocorrência de espécies’”, afirma o deputado. O parlamentar também defende que essa adequação proposta, e que promove a alteração no sistema ambiental, busca arranjos mais eficientes ao desenvolvimento sustentável do estado.

Governo nega relação com o projeto

A Secretaria de Comunicação do Governo do Mato Grosso informou que “a proposta aprovada não tem nada a ver com o que foi encaminhado pelo Executivo. E após seu retorno, será submetida à análise técnica e jurídica”.

A proposta original do Estado do Mato Grosso, enviada pela Mensagem 82, em maio de 2024, à Assembleia Legislativa, previa apenas a alteração do § 1º, do Art. 62 do Código Estadual de Meio Ambiente, que estabelece: “A recomposição ou regeneração da reserva legal deverá ser ajustada em Termo de Compromisso firmado entre o interessado e a Subprocuradoria-Geral de Defesa do Meio Ambiente”.

A proposta do governo previa “a classificação da fitofisionomia vegetal para fins de reserva legal em imóveis rurais será feita pelo órgão ambiental considerando o mapa de vegetação do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico do Estado, que deverá ser apreciado e aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado ou, enquanto este não estiver concluído e aprovado, deverá ser considerado o Mapa de Vegetação do IBGE na escala de 1:250.000”.

ONG alerta para alta do desmatamento

Ao reclassificar as áreas de floresta, retirando as pertencentes à Amazônia e enquadrá-las como Cerrado, o projeto pode autorizar o desmate legal de maior percentual de reserva legal, caso seja sancionado pelo Poder Executivo, segundo avalia a organização não-governamental (ONG) Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT).

De acordo com Alice Thuault, membro do Observa-MT, o PL 18/2024 aprova uma mudança no mapa de referência para a classificação da vegetação dos imóveis rurais. “Isso tem um único objetivo: reduzir a área de Reserva Legal de 80%, para apenas 35% em porções do território. Mais de 9,6 milhões de hectares, quase 10% do estado de Mato Grosso, podem perder proteção ou perder obrigação de restauração”, afirma Thuaul.

Para ela, “é lastimável num momento, onde as mudanças climáticas são uma realidade cada vez mais impactante na vida das pessoas, ver os deputados de Mato Grosso usar o tempo deles para reduzir a proteção ambiental do Estado“.

Área desmatada na Amazônia Legal (Divulgação/Polícia Federal)

“Lastimável porque isso vai contra todos os objetivos ambientais colocados pelo governo do Estado. Fica parecendo que esses objetivos são para inglês ver. Lastimável também porque é má uso do tempo deles, pago pelos impostos dos cidadãos de MT, já que essas definições são claramente de competência federal e que como várias outras legislações, como a lei de MT contra a moratória, é uma lei que tende a ser derrubada com judicialização”, ressaltou.

Segundo a assessoria de imprensa da organização, os pesquisadores e professores elaboram uma nota técnica com base no novo texto aprovado e estudam que medidas tomar em relação às mudanças, uma vez que o projeto original sofreu diversas alterações desde que chegou à ALMT.

MT é o terceiro em desmatamento

Dados divulgados pelo governo federal, em novembro de 2024, sobre o desmatamento na Amazônia, colocam o Estado de Mato Grosso como o terceiro com maior área desmatada (1.124 km²), uma queda de 45% em relação ao período anterior.

Segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2023 e julho de 2024, foram detectados 6.288 km² de perda de floresta na Amazônia.

O Pará lidera com 2.362 km² desmatados, apesar da redução de 28% em comparação com o ano anterior. Em seguida está o Amazonas, com 1.143 km² de floresta perdidos, uma área 29% menor do que no período anterior (1.610 km²).

No Cerrado, após cinco anos de alta, o Prodes constatou uma queda de 25,7% no desmatamento do bioma, no período 2023/2024. Numa outra análise, realizada pelo Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter), do Inpe, entre agosto e novembro de 2024, a redução foi de 48,4%, comparada ao mesmo período de 2023.

Proposta na Câmara quer retirar Amazônia do MT

Tramita, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 337/2022, de autoria do deputado federal Juarez Costa (MDB-MT), que propõe retirar o Estado do Mato Grosso da Amazônia Legal.

Após quase três anos de tramitação, o projeto recebeu parecer contrário do relator, Coronel Chrisóstomo (PL-RO), na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara, e ainda não foi votado pelos demais membros.

Conforme o Código Florestal, todo imóvel rural deve manter um percentual específico de sua área com cobertura de vegetação nativa, conhecida como reserva legal. Para os imóveis localizados na Amazônia, é obrigatório o percentual de 80%, de 35% para Cerrado e de 20% para os campos gerais.

Essa divisão desagrada o deputado Juarez Costa. Para ele, isso deixa o Mato Grosso com maior déficit de reserva legal, trazendo prejuízos para a agricultura e pecuária. Em sua justificativa, o deputado afirma que, “no Brasil como um todo, há pouco mais de 11 milhões de hectares de déficit de reserva legal, sendo 21,7% em Mato Grosso”.

“O custo econômico para recuperação das reservas legais, ou para compensação dessa imensa área seria muito grande, e injustificável para uma das regiões agrícolas mais importantes do país. Retirar o estado da Amazônia Legal reduziria essa exigência ao piso de 20%, poupando os produtores mato-grossenses das despesas necessárias à manutenção de até 80% de terras sem uso agropecuário”, defende o deputado.

Uma análise realizada pelo Observatório do Código Florestal, em março de 2022, mostrou que a mudança proposta por Costa implicaria na liberação para desmate de, no mínimo, 10 milhões de hectares, uma área maior do que os territórios dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo juntos.

Ao se posicionar contrário ao projeto, o Coronel Chrisóstomo lembra que o Estado de Mato Grosso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por sua dimensão e posição central no Brasil, está localizado em uma zona de transição entre três biomas, com cerca de 54% do estado na Amazônia, 39% no Cerrado e 7% no Pantanal.

“Retirá-lo da Amazônia Legal criaria um conflito de lógica com as leis do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (Código Florestal) e da Sudam, que incluem Mato Grosso em sua integralidade, embora não utilizem o termo “Amazônia Legal”, afirma o relator em seu parecer.

Leia mais:Justiça determina revisão de limites da Terra Indígena Xavante em Mato Grosso
Editado por Adrisa De Góes

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