Aldeia indígena no Alto Rio Negro, no AM, faz ritual de proteção para vencer a Covid-19

Durante o ritual, que dura cerca de 10 horas, conhecedores como Damião preparam chás para que os doentes se curem da Covid-19 (Divulgação/ ISA)

Luís Henrique Oliveira – Da Revista Cenarium*

MANAUS – Para tratar doenças comuns em grandes cidades, na maioria das vezes, o paciente comparece em unidades de saúde e é orientado por médicos e especialistas, mas no Amazonas, em algumas aldeias indígenas, o papel do curandeiro ainda é fundamental e de extrema importância para a prevenção e tratamento de doenças como a Covid-19.

No Alto Rio Negro, por exemplo, em São Gabriel da Cachoeira, no Noroeste do Amazonas (a 852 quilômetros de Manaus), um ritual de proteção é realizado para evitar contaminação pelo novo Coronavírus.

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Na ocasião, segundo entrevista realizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) com Damião Amaral Barbosa, de 44 anos, da etnia Yeba Masã, da comunidade São Felipe, a liderança da comunidade, conhecida como o tuxaua, convida o pajé, o kumu e os conhecedores para realizar a cerimônia. A função do pajé é tirar a doença, como o médico tradicional. É ele quem indica qual é a doença e o kumu realiza o benzimento e receita o remédio dependendo da doença que o pajé falar.

Da sede do município de São Gabriel até São Felipe, são cerca de cinco dias de viagem de barco, dependendo das condições do rio. A pequena aldeia, na Floresta Amazônica, quase não tem comunicação. Televisão, nem pensar. Há poucas pessoas de fora. Mas a Covid-19 chegou e atingiu todos os 48 moradores. “Todo mundo pegou”, contou Damião.

O ritual

Já o conhecedor faz a preparação para realizar esse tipo de cerimônia. Convida os presentes para colher a folha do padu e embaúba, que são usadas na cerimônia de proteção. Sem padu, o pajé não consegue chegar ao ápice do seu conhecimento. Esse é o papel do conhecedor. Ele prepara o ipadu com as folhas de padu; o rapé, que é um pó feito com tabaco breu e prepara também o carajiru, que é um pigmento de cor de vinho para pinturas corporais feito com uma planta trepadeira.

Segundo Damião, o ritual é feito na maloca dos indígenas, onde as famílias moram. Os convidados chegam por volta das 17h. “Convidamos os nossos povos Yeba Masã, também os Tuyuka e Hupdah, para eles participarem, porque eles precisam também”, disse.

O tuxaua da casa vai acolher, dar quinhapira prato tradicional com peixe e pimenta, beiju, chibé e outras iguarias. “A cerimônia dura em torno de 10 horas. Até que umas 7h do dia seguinte, começa de novo. Prepara uma bebida fermentada da mandioca e depois vai para a dança. O pajé pensa a partir da constelação qual tipo de dança será. Porque o pajé faz a conexão com os deuses”.

Para ele poder receber essa mensagem, ele usa também um tipo de bebida alucinógena para conversar com os deuses. O espírito A’yawa faz a conexão com o pajé.

Remédios

“São remédios da floresta. Para encontrar tem que ir na floresta, tem que ir no mato. Tem dois tipos de cipó: tem um da folha meio fina e outro da folha da grossa. O que vale mesmo é aquele da folha fina. Faz esse chá até que o líquido fique bem avermelhado. É bem amargo. Toma de manhã, depois do mingau. Toma de manhã, meio-dia, como se fosse remédio de branco”, disse Damião.

E continua: “Outro fervido é com a casa da formiga ferve com a formiga mesmo, porque o cheiro vai entrar. Diz o pajé que esse vírus tem medo do cheiro. Depois, se coa. Pode tomar como chá e para fazer um banho. Alivia a dor de garganta”.

Damião é agricultor, agente indígena de manejo ambiental (Aima) pelo Instituto Socioambiental (ISA), conhecedor tradicional e está em processo de aprendizado para se tornar um kumu, que atua junto ao pajé. Ele relata que os remédios e práticas tradicionais impediram que os casos da Covid-19 se agravassem em São Felipe, uma das comunidades indígenas localizadas na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro. Outros povos da região fazem o mesmo relato.

(*) Com informações do ISA

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