Além de Malafaia, decisão de Moraes mostra elo entre Bolsonaro e advogado de Trump
Por: Ana Cláudia Leocádio
22 de agosto de 2025
BRASÍLIA (DF) – Na decisão em que deu 48 horas para que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) preste esclarecimentos sobre os reiterados descumprimentos das medidas cautelares impostas e sobre condutas que indicam risco de fuga do País, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes também destacou a relação de confiança que o ex-mandatário mantinha com o advogado norte-americano Martin de Luca, que atua como representante da Trump Media & Technology Group (TMTG) e da plataforma Rumble. A defesa do ex-presidente tem até esta sexta-feira, 22, para enviar as explicações a Moraes.
Conforme o despacho de Moraes, no relatório da Polícia Federal (PF), entregue na quarta-feira, 20, além da relação de Bolsonaro com o filho, deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), e com o pastor Silas Malafaia, em ações para pressionar pelo fim da ação penal no STF, os investigadores também descobriram que o ex-presidente mantinha uma relação de confiança com o advogado da plataforma Rumble, Martin de Luca. Segundo o relatório, o relacionamento chegava ao ponto de Bolsonaro pedir para o advogado corrigir textos para ele publicar nas redes sociais.

Para o ministro, esse achado constitui “indício relevante que evidencia desvio quanto à real finalidade das pretensões deduzidas pela empresa em face de litigância contra ministros do Supremo Tribunal Federal”. Conforme despacho de Moraes, o registro do contato, conforme apurou a investigação, contém a imagem do advogado norte-americano, que atua como representante da TMTG e da plataforma Rumble.
“O referido advogado, ressalta a Polícia Federal, é sócio do escritório BOIES SCHILLER FLEXNER, com atuação destacada em litígios internacionais, sanções econômicas, investigações anticorrupção e defesa de clientes de alto perfil. Em fevereiro de 2025, ganhou notoriedade no Brasil ao representar a Trump Media e a plataforma Rumble em ações judiciais nos Estados Unidos contra este relator, alegando censura e violação de tratados internacionais”, diz Moraes em seu despacho. No dia em que a PF fez busca e apreensão na casa de Bolsonaro, os agentes encontraram cópia da ação movida por De Luca contra Moraes nos Estados Unidos.

O advogado se manifestou na rede X e afirmou ser alvo de uma tentativa de criminalização de seu trabalho de consultoria. “Esta noite, entrei para um clube exclusivo de americanos selecionados por enfrentar Alexandre de Moraes”, escreveu. Para De Luca, a PF estaria tentando retratar “correspondência profissional de rotina como evidência de subordinação estrangeira”. O advogado destacou que fornecer orientação em notas públicas ou transmitir informações sobre processos judiciais é parte de sua atuação cotidiana. “Essas ações rotineiras agora são distorcidas por teorias da conspiração”, declarou.
O inquérito encerrado pela PF, que indiciou Jair Bolsonaro e Eduardo, foi encaminhado ao STF e agora deverá ser analisado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). As investigações ocorreram no âmbito do Inquérito 4995/2025, instaurado em maio deste ano para investigar as condutas do ex-presidente e de Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

O relatório final aponta que Eduardo Bolsonaro, ao longo do ano de 2025, vem trabalhando junto a autoridades dos Estados Unidos da América (EUA) com o objetivo de obter sanções contra agentes públicos brasileiros, principalmente do STF, PGR e da PF, para coagir a Suprema Corte durante o julgamento da Ação Penal 2668, que acusa Bolsonaro e mais sete ex-auxiliares de tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes.
Além da relação estreita com o advogado estrangeiro, a PF mostra que Bolsonaro descumpre medidas cautelares desde 8 de fevereiro de 2024, quando foi proibido de manter contato com o ex-ministro da Defesa, Walter Braga Neto, após a deflagração da “Operação Tempus Veritatis”, desdobramento das investigações sobre a trama do golpe de Estado.
Mesmo após as medidas cautelares impostas em julho a Bolsonaro por Moraes, como uso de tornozeleira eletrônica, ele continuou a descumpri-las, conseguindo inclusive habilitar outro telefone celular, por meio do qual empreendeu intensa atividade de comunicação, inclusive as ligações do dia 3 de agosto, de saudação aos manifestantes por algumas cidades do Brasil, que motivaram a determinação da prisão domiciliar em vigor até a tarde desta sexta-feira, 22.

“A análise dos novos dados identificados no aparelho se somou aos elementos probatórios da primeira medida judicial de 18.07.2025 e corroboram a hipótese criminal de um conjunto orquestrado de ações praticadas pelo grupo investigado, voltadas a coagir membros do Poder Judiciário e, mais recentemente, do Poder Legislativo (Câmara e Senado), de modo a tentar subjugar os respectivos chefes de Poderes aos anseios do grupo criminoso, com a finalidade de obtenção de vantagem indevida, materializada nas palavras do parlamentar licenciado Eduardo Bolsonaro, no dia do anúncio das sanções”, afirma a PF no relatório.
Cronologia coloca Malafaia na trama
A investigação faz a cronologia das atuações de pai e filho, principalmente depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou as sanções econômicas contra o Brasil, elevando em 50% as tarifas aos produtos brasileiros e citando nominalmente o processo de Bolsonaro como condição para recuar. Foi nesse contexto, segundo as evidências, que apareceu a forte presença do pastor Silas Malafaia, ora orientando Bolsonaro a agir diante do tarifaço em troca da anistia, ora instigando-o a fazer publicações para mobilizar seus apoiadores nas redes.
As mensagens que puderam ser recuperadas dos celulares de Bolsonaro mostram, ainda, uma relação conturbada entre pai e filho após o tarifaço de Trump e o papel do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tentava de alguma forma mediar o conflito diante dos prejuízos que as altas tarifas trazem para os produtores paulistas.

“Neste cenário, o investigado Eduardo Bolsonaro vem atuando no exterior com nítido propósito de inviabilizar, perante interlocutores estrangeiros, possíveis pré-candidatos à presidência da República vinculados ao espectro político mais à direita do cenário nacional, de modo a induzir em erro autoridades governamentais, visando refutar a mensagem ‘de que os EUA não precisariam entrar nesta briga, pois com TF (leia-se Tarcísio de Freitas) ou vc (leia-se Jair Bolsonaro) Trump teria um aliado (sic) na presidência do Brasil em 2027’”, conclui a PF.
Várias conversas pelo aplicativo WhatsApp são reproduzidas pelo relatório, o que mostra a ascendência do pastor evangélico sobre o clã. Há diálogos em que Malafaia chega a fazer xingamentos contra Eduardo Bolsonaro e a elogiar as declarações do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), pelo fato de condicionar o fim das sanções dos EUA à anistia de Bolsonaro.
Anistia apenas para Bolsonaro
A PF também interpreta as transcrições das conversas entre Eduardo e o pai Bolsonaro como prova de que o interesse pela anistia não abrange aquelas pessoas que foram presas após os ataques aos prédios dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
Em uma das mensagens a Bolsonaro, Eduardo chega a dizer: “Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos EUA terá sido o post do Trump. Eles não irão mais ajudar (…) Temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia OU enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto”.
“Ainda no dia 07.07.2025, no período da noite, Eduardo Bolsonaro envia mensagens ao pai evidenciando que a real intenção dos investigados não seria uma anistia para os condenados pelos atos golpistas realizados em 8 de janeiro de 2023, mas sim interesses pessoais, no sentido de obter uma condição de impunidade de Jair Bolsonaro na ação penal em curso por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, mediante ações de grave ameaça para coagir e restringir o exercício da Suprema Corte brasileira”, afirma trecho do relatório da PF. Veja transcrições de mensagens:

No despacho em que Moraes pede os esclarecimentos de Bolsonaro, o ministro destaca a identificação, por parte da Polícia Federal, “da existência de comprovado risco de fuga do réu Jair Messias Bolsonaro”, com a localização de um arquivo com uma minuta de pedido de asilo político na Argentina, modificado pela última vez no dia 12 de dezembro de 2024.
“Os elementos de prova obtidos pela Polícia Federal indicam que Jair Messias Bolsonaro tinha posse de documento destinado a possibilitar sua evasão do território nacional, após a imposição de medidas cautelares no âmbito da Pet 12.100/DF”, afirmou Moraes, para em seguida solicitar os esclarecimentos.
O que dizem os investigados
A defesa do ex-presidente declarou que recebeu com surpresa o indiciamento e que “jamais houve o descumprimento de qualquer medida cautelar previamente imposta”. A nota, assinada pelos advogados Celso Vilardi, Paulo Amador da Cunha Bueno e Daniel Tesser, diz ainda que os elementos apontados na decisão serão devidamente esclarecidos dentro do prazo fixado pelo ministro relator do caso, Alexandre de Moraes.
Já Eduardo Bolsonaro, além de lamentar a divulgação das conversas entre ele e o pai, disse que sua atuação nos EUA não tem objetivo de interferir no processo em curso no Brasil. O deputado chamou de “crime absolutamente delirante” o relatório da PF que indicou o seu indiciamento.
O pastor Silas Malafaia, que teve o celular e o passaporte apreendidos, além de estar proibido de sair do Brasil, declarou que não deve nada a ninguém e, por isso, não teme as medidas do ministro Moraes, desafiando-o a prendê-lo se quiser calá-lo.