Alunas da rede estadual de Manaus recebem absorventes na primeira fase do projeto ‘Dignidade Menstrual’

O objetivo é distribuir 300 mil absorventes para menstruantes das escolas estaduais do município (Gabriel Abreu/CENARIUM)

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – Nesta terça-feira, 29, o governo do Amazonas deu início à primeira etapa do programa “Dignidade Menstrual”. O lançamento da iniciativa social aconteceu no Ceti Zilda Neumann Arns, na Comunidade Jesus Me Deu, Zona Norte da Manaus. O objetivo é distribuir 300 mil absorventes para menstruantes das escolas estaduais da capital que tenham dificuldade de comprar os absorventes, devido a questões socioeconômicas (extrema pobreza, pobreza e baixa renda).

Para a primeira fase do projeto, os itens de proteção íntima foram doados pela Procter & Gamble (P&G) na campanha nacional Always #MeninaAjudaMenina. “É uma honra participar desta campanha e representar a Always para combater essa pobreza menstrual. São 300 mil absorventes doados aqui para o Amazonas e que fazem parte de mais de um milhão que estamos doando para Região Norte e Nordeste do País. Estamos cientes que é uma problemática social e estamos preocupados com essa pauta”, conta a diretora de recursos humanos da P&G, Diana Reyes.

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“Respeito e cuidado”

Para a secretária de Educação do Amazonas, Kuka Chaves, mais do que uma ação social, a iniciativa denota cuidado e respeito à figura feminina. “Mais de 60% dos nossos alunos são meninas. Acima de 10 anos, nós temos quase 180 mil e sabemos a importância que é. Vai além da necessidade. Isso é um cuidado no qual a menina passa por um momento de transformação. Você poder ter, na escola, a segurança de ser bem cuidada no seu ciclo iniciado, algo que não será tratado como tabu, rodeado por medo e insegurança. É um projeto lindo e que desperta com muita clareza as famílias que precisam tanto”, considera Kuka Chaves.

Conforme a secretária, neste primeiro momento, a distribuição dos produtos ocorre somente em Manaus, sendo encaminhados pela Secretaria Estadual de Assistência Social (Seas) para as sete coordenadorias da secretaria de educação na capital. A segunda etapa do programa, de acordo com a titular (Seas), Alessandra Campelo, deve contemplar coordenadorias do interior do Estado no final do mês de maio.

O lançamento aconteceu no Ceti Zilda Neumann Arns, na Comunidade Jesus Me Deu, Zona Norte da Manaus (Gabriel Abreu/CENARIUM)

Erradicação

A secretária afirma que a ideia é erradicar a pobreza menstrual das escolas públicas do Amazonas. Alessandra destaca que a doação de absorventes deve suprir a necessidade dos próximos meses na capital. Além disso, a meta é realizar abordagens junto aos pais para que o assunto seja, de fato, tratado de forma natural nas escolas e no âmbito familiar.

“Isso é um processo fisiológico natural do corpo da mulher. É importante que as pessoas saibam que mais de 40% das meninas, alguma vez, já perderam aula durante seu período menstrual por não terem acesso aos itens de higiene e não terem acesso às condições de higiene adequadas. Esperamos que, pelo menos, mais de 80 mil meninas sejam atendidas. Nem todas vão precisar, pois, algumas têm condições de suprir essa necessidade, mas o foco é atender essas meninas que vivem em situação de pobreza extrema (pobreza em condições inadequedas). Isso, de fato, é um feito inédito aqui no Estado”.

Leia também: ‘Não é frescura e eu passei por isso’, relata jovem sobre pobreza menstrual

Unicef presente

Segundo um relatório realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), intitulado Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos”, divulgado em maio de 2021, essa questão é consequência de fatores sociais e econômicos. O documento mostra que um, a cada quatro brasileiros, está vivendo com menos de R$ 436,00 ao mês, consequentemente, interferindo de forma direta na escolha de produtos para consumo e o absorvente, além de outros itens necessários para manutenção da higiene íntima feminina.

O contraste entre a precariedade menstrual e a escassez de dados se mostra ainda mais preocupante se associado ao alarmante cenário brasileiro, que aponta para o fato de que cerca de 13,6 milhões de habitantes (cerca de 6,5% da população) vivem em condições de extrema pobreza, ou seja, sobrevivendo com menos de U$ 1,90 por dia (o equivalente a R$ 151,00 por mês, segundo cotação vigente em 2019) e cerca de 51,5 milhões de pessoas estão abaixo da linha de pobreza (1 a cada 4 brasileiros vivendo com menos de R$ 436,00 ao mês), conta um trecho do relatório.

Para a oficial de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes, Rayane França, a política pública ameniza a situação, que já era preocupante, da Unicef. “Parabenizamos o governo do Estado por essa ação que garante a dignidade menstrual por meio de insumos e garantias adequadas de condições de higiene. Sabemos que isso fortalece o desenvolvimento social, emocional e psicológico dessas pessoas”, ressalta Rayane.

A meta é atender, pelo menos, 80 mil alunas da rede estadual (Reprodução/Internet)

“Já passei por isso”

Para a estudante do 2º ano do ensino médio, Anna Maximiano, 16 anos, o programa vem como um auxílio não só para ela, mas para colegas de aula que já tiveram que faltar ou ir embora da unidade de ensino por não ter na bolsa o insumo reserva.

“Eu já passei por isso. Parece bobagem, mas é constrangedor. Já faltei aula por não ter dinheiro para comprar absorvente. Justamente naquele dia em que minha menstruação veio, tive colegas que foram embora da escola porque também não tinham um a mais, na bolsa, na hora de trocar. Esse projeto nos dá um suporte e abre a mente para que as pessoas não vejam isso como tabu”.

Dados

Segundo uma pesquisa inédita encomendada por Always, com dados coletados de 25 de janeiro a 2 de fevereiro de 2022, a pobreza menstrual gera 14 milhões de faltas entre as estudantes e impacta 5,5 milhões de brasileiras no mercado de trabalho por ano. Mais de cinco milhões de mulheres tiveram que se abster dos seus postos de trabalho por carência de absorventes, gerando prejuízo de 2,4 bilhões na economia brasileira.

“No levantamento realizado com o Instituto Locomotiva para entender melhor o cenário da pobreza menstrual do País, foi identificado que o problema afeta 2,9 milhões de estudantes atuais do ensino fundamental, médio ou superior, com 16 anos ou mais, o que implica, na média, 14 milhões de faltas de mulheres estudantes por ano.

A pesquisa aponta também que mais da metade das brasileiras (52%) já sofreu alguma privação relacionada à pobreza menstrual, e os dados evidenciam os reflexos da desigualdade social e mostram que mulheres pobres e negras são as mais afetadas. Além disso: 36% das brasileiras já tiveram que pedir absorvente emprestado ou dinheiro para comprar. Ao mesmo tempo, 79% das mulheres disseram já ter emprestado o produto ou dinheiro para alguém sem condições;

Mais de 35% das mulheres, cerca de 20 milhões, afirmam que os gastos com produtos de higiene pesam na renda mensal e precisam economizar com estes itens. Entre as mais pobres essa proporção chega a 59%; Nesse cenário, 77% das mulheres já usaram outro item no lugar do absorvente, sendo que as mais ricas por esquecimento e as mais pobres por falta de recurso. Entre esses itens alternativos, o papel higiênico é o substituo mais comum, seguido por panos laváveis”, consta o levantamento. Leia a pesquisa na íntegra.

Leia mais: Pobreza menstrual: realidade que invisibiliza 213 mil jovens brasileiras

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