Alunos ‘brancos’ que entraram na Ufam por meio de cotas podem ser expulsos e responder criminalmente

Conta com denúncias acabou sendo excluída pela plataforma. Ufam investiga supostos crimes. (reprodução/Twitter)

Luís Henrique Oliveira – Da Revista Cenarium

MANAUS – Desrespeito. Falta de empatia. Crime. Esses foram alguns dos termos usados por pessoas que se revoltaram na noite desta quarta-feira, 3, quando uma conta intitulada @autodecladaroam publicou uma série de denúncias expondo candidatos brancos que teriam ingressado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), por meio de cotas raciais.

De acordo com a presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/AM, Carol Amaral, as denúncias em andamento na Ufam estão sendo acompanhadas por membros da comissão.

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“Os alunos que, comprovadamente fraudaram o sistema de cotas podem ser desligados da universidade, independente do período que eles estejam. E eles ainda podem responder pelo crime de falsidade ideológica previsto no artigo 299 do Código Penal, com pena de um a 5 anos”, disse.

Como se não bastasse a falta de caráter, ainda conforme as publicações nos perfis denunciados, os alunos, em grande maioria matriculados no curso de medicina, mostram a vida de luxo em que vivem em fotos durante viagens pela Europa ou em iates pelo Rio Negro, em Manaus.

Preta na cor, no cabelo e no olhar, a presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/AM, Carol Amaral, disse que vai acompanhar investigações junto à Ufam. (Reprodução/arquivo pessoal)

Autodeclarada preta, a presidente da comissão ressalta a importância de análises prévias, no momento em que os alunos ingressam na unidade de ensino superior.

“As cotas raciais são uma política de reparação com os povos negros, pardos e indígenas, esses povos que são subrepresentados dentro das universidades públicas e garantir representatividade. Essa fraude é muito grave porque denuncia o racismo sistêmico com essas populações e a universidade tem de se colocar nesse lugar de fiscalizar a eficácia das políticas de cotas. É possível ainda que as universidades, por meio de bancas, analisem a autodeclaração, justamente, para impedir essas fraudes”, sugeriu Carol.

Bom lembrar que, por conta de a metade de sua população ser formada por negros – cerca de 100 milhões de pessoas – o Brasil tem trazido bons efeitos com leis como a de cotas raciais, onde cada vez mais tem-se tido a participação de pessoas pretas no mercado de trabalho e outros campos, antes, destinados a brancos.

Na manhã desta quinta-feira, 4, a conta no Twitter @autodecladaroam foi excluída. Mas não faltaram comentários. “Eu tô amando ver a galera branca que pegou vaga por cotas raciais sendo exposta. Não tem palavra para descrever a podridão de quem faz isso; É mau caratismo de um nível imensurável. Esse pessoal tinha que perder a vaga e perder qualquer chance de fazer curso em universidade pública”, dizia um dos comentários de jovens revoltados.

Palavra de especialista

Para a doutora em antropologia social pela Unicam, Fabiane Vinente, medidas de punição ainda são consideradas novas, frente ao período em que o racismo está inserido na sociedade.

“Esse olhar que a gente tem de ter para as coisas e para as pessoas de uma forma humanitária, pois, ser antirracista é ser humanitário, é que é o desafio maior. Se a gente para para pensar na história de como o racismo é um problema, que é um problema desde o início da civilização humana, vira um problema penal e jurídico muito recentemente, por ocasião da Constituição da ONU, de 1948”, diz.

O racismo não necessariamente está exposto de forma clara. Aqui no Brasil temos o racismo estrutural, que são estruturas da sociedade que são vedadas a algumas pessoas em função da sua cor, classe social ou pertencimento étnico. Isso repercute nas políticas públicas. Esse racismo está perpetrado, posto nessa ausência”, finaliza a antropóloga.

Posicionamento

Em nota, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) esclareceu que teve ciência das denúncias apresentadas e que todas elas estão sendo apuradas por uma comissão constituída para esta finalidade por meio da Portaria da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (Proeg), qe estabelece procedimentos e critérios a serem aplicados nos processos administrativos e apura fraudes no uso de cotas destinadas a pretos, pardos e indígenas.

E finalizou ressaltando que, havendo incongruência na declaração, o aluno terá sua matrícula cancelada.

Cotas

As cotas são reservas de vagas para determinados segmentos minoritários da população, como pessoas negras (pretas ou pardas), indígenas e pessoas com necessidades especiais.

Dessa maneira, as universidades públicas oferecem um duplo sistema de cotas: uma parcela da reserva de vagas destina-se a estudantes de escola pública, independentemente da origem étnico-racial, e a outra parcela destina-se a estudantes de escola pública que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas.

No atual sistema, 50% das vagas devem ser destinadas a pessoas oriundas de escolas públicas. Dessas vagas, 25% destinam-se a pessoas com renda familiar inferior a 1,5 salário mínimo, e a outra metade está liberada para pessoas com renda familiar superior a 1,5 salário mínimo, desde que tenham cursado os três anos do ensino médio em escolas públicas.

As ofertas de vagas restritas por critérios étnico-raciais encaixam-se nessa reserva de 50% das vagas totais oferecidas pela universidade e por cada curso, de acordo com o edital do vestibular ou do Sisu.

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