Amazonas e Pará lideram despejos e remoções forçadas no Norte do País
Por: Fred Santana
18 de setembro de 2025
MANAUS (AM) – O Amazonas e o Pará ocupam o primeiro e segundo lugar entre os Estados da Região Norte com maior incidência de conflitos e vítimas de despejos e remoções forçadas nos últimos cinco anos. Os constam no relatório “Cinco anos da Campanha Despejo Zero: a luta continua”, publicado em setembro de 2025 por ocasião dos 5 anos da Campanha Despejo Zero, movimento que reúne mais de 175 entidades e movimentos populares, a exemplo da ONG Habitat para a Humanidade Brasil.
No Amazonas, aproximadamente 6,1 mil famílias foram despejadas, enquanto 35,9 mil estavam sob ameaça de remoção, totalizando cerca de 42.052 pessoas impactadas diretamente. O segundo colocado da região é o Pará, com 1.430 famílias despejadas e 29.907 sob ameaça de remoção. Os Estados ocupam a terceira e quarta colocação nacional, respectivamente. Os dois Estados que lideram as estatísticas de despejos e remoções forçadas no Brasil são São Paulo e Pernambuco.
O terceiro colocado no ranking da Região Norte é Rondônia, com 1.730 famílias despejadas e 15.752 sob ameaça de remoção. O Amapá, por sua vez, contabilizou 230 famílias despejadas e 10.207 sob ameaça de remoção. Roraima teve 606 famílias despejadas e 226 sob ameaça de remoção. Por último vem o Acre, com 489 famílias despejadas e 209 sob ameaça de remoção. Veja os dados:

População negra é a mais afetada
Foram contabilizados 3.078 casos de conflitos por terra e moradia entre 2020 e agosto de 2025, atingindo 2.098.948 pessoas em todo o Brasil. O relatório detalha que os Estados amazônicos figuram entre os mais críticos, com menções específicas a episódios de violência, criação de comissões de soluções fundiárias, articulações entre tribunais e órgãos de justiça, além de medidas de resistência promovidas por movimentos sociais.
O documento mostra que a população afetada é majoritariamente composta por pessoas negras (66,3%) e mulheres (62,6%). Entre os atingidos estão 415.592 crianças de até 14 anos e 327.436 idosos acima de 60 anos. As principais justificativas utilizadas para as remoções são reintegrações de posse, obras públicas e despejos em áreas de risco ou de proteção ambiental.
Violência no interior
A violência no interior do Amazonas também é relatada no documento. Em janeiro de 2025, dois trabalhadores rurais foram assassinados em conflitos fundiários: Francisco Nascimento, em Boca do Acre, e José Jacó, no acampamento Marielle Franco, em Lábrea (AM). Os episódios estão ligados à atuação de grileiros em terras da União que são alvo de investigações e de operações da Polícia Federal (PF).
O Pará aparece com destaque pela atuação de comissões de soluções fundiárias. A estrutura do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-PA) havia recebido 131 processos até novembro de 2024. Já o Tribunal Federal da 1ª Região (TRF1) atuou em 720 conflitos até março deste ano, incluindo mediações no município de Breves, no arquipélago do Marajó, onde acordos possibilitaram soluções habitacionais para famílias removidas.

Além de Amazonas e Pará, outros Estados da Amazônia Legal figuram nos gráficos de ameaças e despejos, como Rondônia, Acre, Roraima, Amapá, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Embora não recebam a mesma profundidade de análise, são apontados como parte das áreas mais impactadas pela crise fundiária e pelo avanço das remoções.
Impactos sociais profundos
Entre os impactos listados no relatório estão a perda de moradias e bens, a interrupção de vínculos com serviços públicos, a desestruturação de redes comunitárias e os efeitos psicológicos sobre as famílias, especialmente as mulheres, que sofrem ainda mais com a desagregação das redes de apoio. Também há relatos de tentativas de suicídio de lideranças e de traumas entre crianças, o que aponta para a gravidade da situação.
O relatório concluiu que entraves institucionais – como falta de orçamento, descontinuidade administrativa e resistência de tribunais em sistematizar dados e abrir espaço para a participação popular – dificultam respostas mais consistentes, apesar dos avanços representados pela criação de comissões e acordos na região amazônica.
Tentativas de resolução
O relatório aponta, ainda, as medidas criadas para tentar resolver esses conflitos. Uma das principais foi a criação da Comissão de Solução Fundiária do Tribunal de Justiça (TJAM), em 2023, após pressão de entidades como o Fórum Amazonense de Reforma Urbana e a Defensoria Pública do Estado (DPE-AM). A primeira atuação ocorreu no caso da Marina do Davi, que ameaçava mais de 250 famílias e teve a remoção suspensa.
A Defensoria Pública da União e a DPE-AM também desempenharam papel central em mediações que envolveram mais de 10 mil famílias em Manaus (AM), como no prédio Alcir Matos, vinculado ao programa Minha Casa Minha Vida Entidades. O relatório destaca ainda o veto do governador Wilson Lima a um projeto de lei estadual da chamada pauta Invasão Zero.
O relatório menciona, ainda, o Acordo de Cooperação Técnica 16/2025, firmado entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a Universidade Federal do Pará, que tem como objetivo avaliar a aplicação da Resolução 510/2023 na Amazônia Legal.
As visitas técnicas realizadas pelas comissões são descritas como experiências que permitem compreender melhor os territórios e buscar alternativas às remoções, mas o documento também aponta problemas, como ausência de equipes multidisciplinares, falhas na articulação com políticas públicas e baixa participação social nos processos.
Dados nacionais
No Brasil existem, atualmente, 2.098.948 pessoas ameaçadas de remoção à força de suas casas e 3.078 casos de conflitos por terra e moradia. Desse total, quase 1,4 milhão são pessoas negras. Além de cor, as ameaças de despejo e remoção forçada no País também têm gênero: 1.313.941 são vítimas mulheres.

O levantamento anterior, divulgado em agosto de 2024, havia apontado cerca de 1,5 milhão de pessoas afetadas por despejos e remoções forçadas no Brasil, no período de 2020 a 2024. Isso se soma a uma crise habitacional sem precedentes: mais de seis milhões de domicílios em situação de déficit habitacional, 3,5 milhões de pessoas desabrigadas e desalojadas por desastres nos últimos anos e milhares de pessoas em situação de rua.