Amazônia: campanha busca apoio para transformar 57 milhões de hectares em áreas protegidas

O objetivo é frear o desmatamento. (Cledisson Junior/ Divulgação)
Com informações do Infoglobo

Do equilíbrio climático à preservação da biodiversidade e à proteção de culturas e povos tradicionais, a Amazônia é reconhecida por cientistas como um coração verde do planeta. Por isso, a ONG NOSSAS iniciou uma campanha para protocolar o Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Plip) Amazônia de Pé, que prevê destinar os 57 milhões de hectares de área pública no bioma — hoje alvos da grilagem e do desmatamento — a unidades de conservação (UCs), comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais.

Ativista durante lançamento da campanha Amazônia de Pé — Foto: Divulgação
Ativista durante lançamento da campanha Amazônia de Pé — Foto: Divulgação

O objetivo é frear o desmatamento. Para que o Plip seja protocolado, é necessário 1,5 milhão de assinaturas, o que demanda uma mobilização nacional com envolvimento de outras 115 organizações ambientais e dois mil ativistas. Desde o lançamento do projeto, há três semanas, foram coletadas cerca de 70 mil assinaturas.

“A Amazônia precisa de uma agenda positiva”, afirma Renata Ilha, coordenadora de parcerias da campanha Amazônia de Pé. “Hoje, o projeto em curso no Brasil é transformar a Amazônia em um grande latifúndio, com grileiros usando a floresta para titulação individual”.

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A importância da Amazônia em números — Foto: Editoria de Arte
A importância da Amazônia em números — Foto: Editoria de Arte

O texto do projeto está em seus ajustes finais, e os critérios na divisão de ocupação entre terras indígenas, quilombolas ou UCs, estarão embasados em ocupações e demandas já existentes na terra. Desde 2006, a Lei de Florestas Públicas prevê que a área pública da floresta precisa continuar preservada como floresta e ser destinada prioritariamente à conservação.

“Estamos em 2022 e ainda temos mais de 50 milhões de hectares não destinados, apesar do reconhecimento de demanda e da ameaça de violação. Nesse Plip, damos um prazo até 2026 para as destinações, com base na emergência climática”, explica Ilha.

Análises mostram que mais de 30% do desmatamento na Amazônia é registrado em áreas não designadas e sem informação. Já as áreas sob os diferentes tipos de proteção funcionam como barreira à grilagem.

“Essas designações protegem, de fato, a Amazônia da destruição. Precisamos de uma floresta de pé, com sua população viva e seus direitos assegurados”.

O projeto também conterá dispositivos para mitigar a ameaça de invasões a terras protegidas, como a proposta de anulação de todos os Cadastros Ambientais Rurais (CAR) dentro de terras públicas.

“Hoje esse cadastro é proibido em terra pública, mas não há mecanismo que o anule, então grileiros vão se apropriando e desmatando no aguardo de uma canetada do governo para ganhar a titulação. Atualmente compensamos e premiamos quem rouba a terra pública, nossa proposta é criminalizar isso”.

Área de florestas públicas pode ser ainda maior

Pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Brenda Brito explicou que a quantidade de florestas públicas pode ser ainda maior do que a que consta nos dados oficiais. Isso porque um levantamento feito pelo instituto no ano passado identificou que 29% da Amazônia Legal não possui informação sobre destinação fundiária, que significa uma área de 143,6 milhões de hectares. Desse total, 57 milhões constam como florestas públicas, mas é possível que o resto não esteja nem identificado pelo Cadastro Nacional de Florestas Públicas (CNFP).

No mês passado, Brito participou de uma conferência sobre Amazônia realizada pelo Brazil Lab da Universidade de Princeton, onde ela defendeu a destinação das terras públicas para comunidades tradicionais e UCs, em consonância com o projeto Amazônia de Pé.

“Em 2019 estimamos o que ocorreria se uma área de 19 milhões de hectares fosse destinada à emissão de títulos de terra (ou seja, privatizada). Até 2027, o risco de desmatamento chegaria a 16 mil km2 apenas nesse território, pois haveria a expansão da fronteira agropecuária sobre áreas que ainda eram florestas. Há diversos estudos científicos demonstrando que terras indígenas e unidades de conservação são eficazes em barrar o desmatamento”.

Desmatamento da Amazônia já vem causando desequilíbrios climáticos

Desde que passou a ser ocupada pelo homem, estima-se que a Amazônia perdeu entre 17% e 20% de sua cobertura vegetal original, fora os impactos em outras porções de áreas relevantes. Segundo as estatísticas, o desmatamento recuou aproximadamente entre 2002 e 2012, mas desde então voltou a crescer, com níveis alarmantes nos últimos três anos.

De agosto de 2020 a agosto de 2021, foram 13.235 km2 de área desmatada, aumento de 22% em relação ao ciclo anterior, segundo o Inpe. Desde o início da série histórica do Prodes/Inpe, em 2004, é a primeira vez que o Brasil viveu três anos consecutivos de aumento no desmatamento (2019 a 2021). E os efeitos da perda florestal já são visíveis. Conforme destacam especialistas, crises recentes de seca e recorrência de eventos extremos são sinais das consequências dos ataques à Amazônia.

“Com o desmatamento, temos menos umidade, o que favorece a seca, o aumento de risco de queimadas e afeta a segurança energética do país, além de diminuir a disponibilidade de água para a agricultura”, explica Mariana Napolitano, gerente de ciências do WWF-Brasil. “Claro que há uma série de fatores na causa desses problemas, mas os fatores ambientais e climáticos não podem ser desassociados, e com certeza o desmatamento da Amazônia tem influência nisso”.

Um dos principais benefícios da Amazônia é a garantia de um ciclo regular e abundante de chuvas, o que pode ser explicado por algumas especificidades da floresta. O fenômeno dos “rios voadores”, talvez o mais famoso dentre esses serviços trata-se do corredor de umidade provido pela Amazônia, o que explica, por exemplo, que a porção meridional da América do Sul, a leste dos Andes, não é um deserto, ao contrário do que ocorre no lado oeste.

Ex-presidente do ICMBio, Claudio Maretti afirma que a Amazônia é “o mais importante conjunto de ecossistemas do mundo. Apesar de admitir a retomada do desmatamento nos últimos 10 a 15 anos, o especialista destaca que “nada foi comparável ao que ocorreu nos últimos três anos”.

“Explodiram principalmente as queimadas e o garimpo, que ainda polui as águas. Hoje, os garimpeiros e grileiros vivem sob expectativa de um novo perdão, o que movimenta esse mercado ilegal. A pressão sobre as comunidades tradicionais está enorme”, lamenta Maretti, que entende como essencial a promoção de autonomia institucional aos órgãos ambientais, como Ibama e ICMBio, que hoje ficam muito atrelados às gestões dos governos. “Além da fiscalização, é preciso inteligência para acabar com o financiamento de atividades ilegais. Também deveríamos promover a economia verde, com incentivos a projetos sustentáveis”.

Da mesma forma, Mariana Napolitano defende esforços em conjunto para a resolução dos conflitos na região, além do investimento na promoção de fontes de energia renováveis. Na sua opinião, um ganho das últimas décadas foi o entendimento, na sociedade, de que é possível ter crescimento social e econômico sem degradação da natureza

“Ainda assim, há um distanciamento da população. Precisamos fazer com que as pessoas se preocupem e entendam o impacto direto nas suas vidas. Não há como garantir futuro climático sem a conservação da floresta amazônica”.

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