Amazônia está perdendo potencial de se recuperar de secas por causa de desmate, diz estudo

Floresta tem grande capacidade de absorção de carbono e perda da mata teria efeito significativo sobre crise do clima (Reprodução/Internet)

Com informações da Folhapress

THE NEW YORK TIMES – A Amazônia está perdendo sua capacidade de se recuperar de perturbações como secas e mudanças de uso de terra, reportaram cientistas na segunda-feira, 7, o que aumenta a preocupação de que a floresta tropical esteja se aproximando de um limite crítico para além do qual ela terminará substituída por pradarias, o que teria enormes consequências em termos de biodiversidade e para a mudança do clima.

Os cientistas disseram que suas pesquisas não identificaram quando esse limite, o ponto de inflexão, pode ser atingido.

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“Mas vale a pena termos em mente que, se chegarmos a esse ponto de inflexão, se a perda da floresta amazônica se tornar irreversível, o efeito sobre a mudança do clima será significativo”, disse Tim Lenton, diretor do Global Systems Institute, na Universidade de Exeter, Inglaterra.

Uma floresta no centro da foto; áreas desmatadas em volta e fumaça
Desmatamento e fumaça de queimada em área próxima a Porto Velho, em Rondônia (Mauro Pimentel/AFP)

Perder a floreta tropical poderia resultar em uma liberação de até 90 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, que aprisiona calor, na atmosfera, o equivalente a diversos anos de emissões mundiais de poluentes. Isso tornaria mais difícil limitar o aquecimento global.

Entre os estudos anteriores havia grau considerável de incerteza quanto ao momento em que o limite poderia ser atingido. Mas algumas pesquisas concluíram que o desflorestamento, a seca e outros fatores poderiam levar a uma significativa retração florestal (“dieback”), na Amazônia, até o final deste século.

Carlos Nobre, cientista sênior no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), no Brasil, e um dos primeiros a alertar, mais de três décadas atrás, quanto a potencial perda da Amazônia, descreveu o novo estudo como “muito convincente”.

“O estudo fez crescer minha ansiedade”, disse Nobre, que não participou da pesquisa.

Cobrindo mais de 5,1 milhões de quilômetros quadrados, no Brasil, e países vizinhos, a Amazônia é a maior floresta tropical do planeta e serve a um propósito crucial na mitigação da mudança no clima, ao absorver mais dióxido de carbono da atmosfera do que ela emite, quase todos os anos — em áreas onde a floresta já está mais degradada e destruída, ela já emite mais carbono do que absorve. Em sua diversidade de espécies de plantas e animais, a Amazônia é tão rica quanto ou mais rica que qualquer outra região do planeta. E ela injeta tamanha umidade na atmosfera que tem a capacidade de afetar o clima muito além da América do Sul.

Mas a mudança do clima, combinada ao desflorestamento generalizado e a queimadas para agricultura e pecuária, vem prejudicando a Amazônia, e a torna mais quente e mais seca a cada ano. A região, uma das mais úmidas do planeta, experimentou três secas do ano 2000 para cá.

A maioria dos estudos anteriores sobre a resiliência da Amazônia dependia de modelos, ou simulações, de como a saúde da floresta podia mudar ao longo do tempo. Na nova pesquisa, os cientistas utilizaram observações reais: décadas de dados de sensoriamento remoto de satélites que medem o volume de biomassa em áreas específicas, um dado que oferece uma correlação com a saúde da floresta. Observando apenas partes intocadas da floresta tropical, os pesquisadores constataram que, de 2000 para cá, essas áreas perderam resiliência. Por exemplo, as áreas de floresta vêm demorando cada vez mais para recuperar a saúde depois de sofrerem secas.

“Essa falta de resiliência demonstra que, de fato, a floresta tem a capacidade de aguentar apenas um determinado limite de danos”, disse Paulo Brando, ecologista tropical na Universidade da Califórnia, em Irvine, que não participou do estudo. “A capacidade de recuperação está se reduzindo.”

Mas Brando disse que isso não era, necessariamente, um sinal de que chegar ao ponto de inflexão seja inevitável, e apontou para a necessidade de acabar com o desflorestamento e a degradação florestal na região. “Esses sistemas são, altamente, resilientes, e o fato de que tenhamos reduzido a resiliência não significa que ela tenha sido totalmente perdida”, ele disse. “Se ficarem algum tempo intocados, eles retornam muito fortes.”

Perdas

Os pesquisadores constataram que mais de três quartos da floresta tropical intocada perdeu resiliência no período em estudo, e que a perda era maior em áreas mais secas ou mais próximas da atividade humana, como a exploração madeireira. O estudo foi publicado pela revista científica Nature Climate Change.

Chris Boulton, pesquisador na Universidade de Exeter e principal autor do estudo, disse que a Amazônia era como uma rede gigantesca de reciclagem de água, com a evaporação e transpiração das árvores carregadas pelo vento. Com isso, a perda de parte da floresta, e de parte de sua umidade, conduz a secas em outros lugares.

“Pode-se imaginar que, à medida que a Amazônia começar a secar, veremos uma perda mais e mais rápida de resiliência”, disse Boulton. As florestas podem, então, declinar e morrer com relativa rapidez, e se tornarão mais parecidas com savanas, recobertas por grama e com muito menos árvores.

A perda de árvores da floresta não só devolveria à atmosfera o carbono aprisionado em seus tecidos, como as savanas absorveriam muito menos carbono do que as grandes árvores, de ramas largas, que elas substituiriam. Um habitat como a savana também ofereceria sustentação a um número muito menor de espécies.

Nobre disse que pesquisas demonstram que a Amazônia “está à beira do precipício dessa mudança para um ecossistema diferente”. E caso ela aconteça, acrescentou, “esse novo ecossistema estaria presente por centenas, talvez milhares de anos”.

Cerca de 17% da Amazônia foi destruída, nos últimos 50 anos, e, embora o ritmo de desmatamento tenha desacelerado por alguns anos no Brasil, voltou a crescer recentemente. Os pesquisadores disseram que seu trabalho demonstrava que os esforços para controlar o desflorestamento não só protegeriam áreas específicas como teriam efeito sobre a resiliência da Amazônia como um todo.

“Eles estão, absolutamente, corretos”, disse Nobre. “Temos de chegar ao desmatamento zero, degradação de floresta zero”, acrescentando que “ainda temos chance de salvar a floresta”.

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