Amazônia Legal concentra 35% dos assassinatos de indígenas, aponta relatório


Por: Ana Pastana

31 de julho de 2025
Amazônia Legal concentra 35% dos assassinatos de indígenas, aponta relatório
Mensagem em cartaz diz "parem de nos matar" durante o Acampamento Terra Livre 2023 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

MANAUS (AM) – O Brasil registrou 211 assassinatos de indígenas em 2024, de acordo com o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, divulgado na segunda-feira, 28, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Os Estados da Amazônia Legal concentraram 71 desses casos, o equivalente a 35% do total.

O relatório aponta uma série de crimes contra indígenas, como ameaças de morte, assassinatos, lesões corporais, tentativas de homicídio, racismo, discriminação racial e violência sexual. O Amazonas lidera em homicídios entre os Estados da Amazônia Legal, com 45 ocorrências, das quais 33 vitimaram homens e 12, mulheres indígenas.

Ainda referente ao crime de assassinato, foram registradas vítimas nos Estados de Roraima (7), Maranhão (6), Pará (5), Mato Grosso e Acre – com três cada –, além de Rondônia e Tocantins, com um caso cada. O levantamento aponta que a maioria dos crimes foi cometida com armas brancas e armas de fogo, além de assassinatos por espancamento, enforcamento e outros meios.

Manifestação sobre violência contra povos indígenas em Brasília, em 2024 (Wilson Dias/Agência Brasil)

“O ano foi marcado por uma série de conflitos territoriais e assassinatos envolvendo brigas ou desavenças, muitas vezes potencializadas pelo consumo de bebida alcoólica”, diz um trecho do relatório.

Um dos casos apontados é o de Tadeo Kulina, da Terra Indígena do Médio Rio Juruá, no Amazonas. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Militar do Amazonas (PM-AM) o manteve preso por quase seis horas dentro de uma viatura da corporação, em 6 de fevereiro do ano passado, após ele ter sido detido por policiais com ferimentos graves, depois de despencar de uma altura de sete metros sobre entulhos de uma construção de um lava a jato da capital amazonense.

Levado ao hospital pelos militares, o indígena apresentava sinais de agressão física e tortura, com vários hematomas em diversas partes do corpo. Ele também estava com os pés e as mãos amarrados quando deu entrada na unidade hospitalar.

Tadeo Kulina, da Terra Indígena do Médio Rio Juruá, no Amazonas (Reprodução/Redes Sociais)

Tadeo estava em Manaus após ser encaminhado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), para acompanhar a esposa que estava grávida. Ele e a esposa não falavam português e nem conheciam a cidade.

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Ameaças de mortes

A pesquisa registrou 13 casos de ameaça de morte contra povos indígenas na região da Amazônia Legal em 2024. Maranhão e Rondônia lideram com três ocorrências cada. Em seguida, Amazonas e Mato Grosso aparecem com dois registros cada, enquanto Pará, Acre e Roraima contabilizaram um caso cada. No total, foram 20 casos registrados em todo o País.

O relatório aponta que, no Pará, após a assinatura da Portaria Declaratória da Terra Indígena Cobra Grande, por meio do Ministério da Justiça, que aconteceu em 5 de setembro de 2024, as ameaças de morte contra povos indígenas na região aumentaram.

“A hostilidade por parte de moradores do entorno do território aumentou [depois da assinatura da portaria]. Dias depois, ocorreram queimadas próximas à terra indígena, levando ao acionamento da Polícia Federal. Espalhou-se o boato de que os indígenas estariam pedindo a retirada dos não indígenas da região. Lideranças relataram ameaças, agressões e ofensas em comunidades vizinhas”, diz trecho do documento.

Lesões corporais

O relatório contabilizou 29 casos de lesão corporal contra indígenas em 2024. Na Amazônia Legal, foram sete ocorrências: três no Maranhão e uma em cada um dos Estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso e Roraima. Também foram registradas 31 tentativas de homicídio em todo o País, das quais nove ocorreram em Estados da Amazônia Legal. O Maranhão lidera com quatro casos, seguido por Rondônia, com três, e por Acre e Amazonas, com um caso cada.

O levantamento aponta que “em diferentes Estados, houve casos de agressões coletivas, durante ataques de fazendeiros ou de ações policiais”.

Indígenas feridos em ataques de fazendeiros, em 2024 (Reprodução/Leandro Barbosa e Gabriel Schlickmann)
Violência sexual

Em 2024, foram registrados 20 casos de violência sexual contra indígenas no Brasil, dos quais metade ocorreu na Amazônia Legal. O Amazonas lidera as estatísticas, com seis ocorrências, mais da metade dos casos na região. Acre, Mato Grosso, Roraima e Tocantins registraram um caso cada.

Do total em nível nacional, de acordo com os dados, 14 foram cometidos contra crianças e adolescentes, com idades entre 4 e 16 anos. O Amazonas foi o Estado que mais registrou casos, com seis registros. Acre, Mato Grosso, Roraima e Tocantins registraram um caso cada.

Um dos casos é de um indígena de 44 anos, no Acre, que foi atendido em uma Unidade de Pronto Atendimento, após ser vítima de estupro em uma cela da Unidade Penitenciária Manoel Neri da Silva. O indígena relatou que foi dopado com um remédio para dormir, espancado e violentado.

Internos do sistema carcerário da Unidade Penitenciária Manoel Neri da Silva, no Acre (Reprodução/TJ-AC)

Outro caso no Amazonas também chamou atenção quando a mãe de uma menina indígena, de 13
anos, foi presa por obrigar a filha a se prostituir. As investigações iniciaram a partir de uma denúncia feita pela escola da adolescente, que confirmou as informações. Ela disse que estava grávida e sofreu a primeira violência aos nove anos pelo próprio pai, que também passou a ser investigado.

Racismo e discriminação contra povos indígenas

Casos de racismo e discriminação contra povos indígenas também foram registrados no levantamento do Cimi. Em 2024, foram contabilizados 39 casos em todo o País, sendo 17 deles em Estados da Amazônia Legal. O Pará lidera com seis registros, seguido por Mato Grosso (5), Amazonas (4) e Maranhão (3).

Um dos casos registrados foi na capital paraense, quando uma indígena da etnia Kumaruara, identificada como Hélida Sousa, de 27 anos, vivenciou uma situação de racismo e discriminação ao tentar utilizar um serviço de transporte por aplicativo da empresa 99.

Hélida Sousa, da etnia Kumaruara, vivenciou uma situação de racismo e discriminação ao tentar utilizar um serviço da empresa 99 (Fotos: Reprodução/Arquivo Pessoal | Composição: Weslley Santos/CENARIUM)

Hélida solicitou uma corrida por aplicativo e, ao se aproximar do veículo, o motorista se recusou a transportá-la. O homem alegou que Hélida sujaria o veículo com o grafismo indígena que estava no corpo dela. Apesar da indígena explicar que os grafismos eram feitos de jenipapo e que a tinta estava seca, o motorista manteve a recusa, afirmando explicitamente que “não carrega esse tipo de gente”.

Leia mais: Indígena denuncia motorista de app que negou corrida por causa de grafismos
Pesquisa

O relatório publicado anualmente pelo Cimi sistematiza dados de várias fontes, além de informações colhidas pela própria equipe missionária do Conselho Indigenista e com meios de comunicação, organizações da sociedade civil e órgãos como o Ministério Público Federal (MPF).

Criado em 1972, o Cimi é uma instituição vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que, em sua atuação missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da Igreja Católica junto aos povos indígenas.

Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona

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