Amazônia na COP28 em meio à crise climática: o que a região pode esperar da Conferência

Seca no Lado do Aleixo, em Manaus. (26.set.23 - Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
João Cunha – Especial para Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Este foi o ano em que o Rio Negro minguou. Um dos símbolos maiores da abundância e magnitude da Amazônia, o rio secou a olhos vistos, desde a Colômbia em direção ao Norte do Brasil; na altura do Porto de Manaus, o nível d´água atingiu patamares abaixo de 14 metros, os menores já registrados em 121 anos. Enquanto isso, o Solimões, outro gigante fluvial amazônico e “irmão” no encontro das águas do Negro, chegou a desaparecer em trechos da Bacia Amazônica, dando lugar a uma paisagem desértica.

Em pouco menos de três meses, a estiagem escalou para uma calamidade socioambiental, causando a mortalidade de peixes e botos e já atinge mais de 500 mil pessoas no Amazonas e estados vizinhos, com isolamento, paralisia nos negócios locais e dificuldade de acesso a serviços de saúde, educação, água e comida.

Seca no lago do Aleixo, em Manaus (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

A gente teve que desmarcar reservas e devolver dinheiro. Eu nunca tinha visto uma seca tão forte assim”, lamenta Adriana de Siqueira, gerente da Pousada Vista do Rio Negro. O empreendimento promove o turismo de base comunitária na região, mas, devido à seca, deve permanecer fechado até o final do ano.

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A seca extrema e histórica na Amazônia Brasileira, potencializada pelo fenômeno do El Niño e pelo aquecimento do Oceano Atlântico, avança junto com o desmatamento desgovernado e as queimadas que, nos últimos tempos, têm coberto de fumaça o céu de lugares como a capital amazonense. No último dia 12 de outubro, Manaus foi a terceira pior cidade em qualidade do ar do mundo, de acordo com o monitoramento da World Air Quality Index (WAQI).

“Pela segunda vez, nosso povo sufoca. Dessa vez, não pela falta de oxigênio, mas por estar inalando uma fumaça que degrada a vida da população. A floresta está pegando fogo e as pessoas sofrem com as consequências dessa catástrofe”, afirmam criadores de conteúdo do Amazonas em umvídeo-manifesto lançado no início do mês.

Seca no Estado do Amazonas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

A crise climática não é mais um cenário de médio a curto prazo no futuro do planeta, nem vive somente nas previsões de estudiosos e especialistas. Ela é uma realidade que já chegou e está entre nós, demandando urgência, atenção e esforços coletivos, e impondo a questão: o que (ainda) pode ser feito para frear ou reverter esse panorama de ebulição global?

A Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP) é um dos principais fóruns de diálogo e tomada de decisões sobre os rumos da política ambiental e climática em nível internacional. A próxima edição da conferência, a COP28, começa no dia 30 de novembro em Dubai e se apresenta como mais uma oportunidade de entendimento e compromisso entre países, governos e empresas no ajuste de suas condutas, metas e modos de consumo e produção, diante de um desafio comum: a emergência climática, que ameaça a viabilidade da vida humana no planeta.

Homem em área ribeirinha atingida pela extrema seca no Amazonas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

Entenda, a seguir, o que é a COP28, por que a Amazônia vai estar no centro das discussões e qual é a importância da Conferência do Clima para a região amazônica e seus povos.

O que é a COP?

A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas é mais conhecida como COP. Essa é a sigla para Conferência das Partes (em inglês, Conference of the Parties); e as “partes” são os 198 países que integram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (no termo original United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC).

As conferências são espaços de reuniões entre essas nações para firmar compromissos, trocar experiências e criar soluções para o clima em uma esfera global. As COPs também são espaços para incidência de movimentos socioambientais e a comunidade científica apresentar suas demandas, questões e propostas para frear o avanço das mudanças climáticas.

Criação

Realizadas desde 1995, as conferências do clima já tiveram 27 edições, com um histórico de marcos relevantes na política ambiental internacional, como o Protocolo de Kyoto (1997), que estabeleceu metas de redução para gases de efeito estufa para os países desenvolvidos, e o Acordo de Paris (2015), quando, pela primeira vez, quase todos os países do mundo envolveram-se em um esforço para reduzir as emissões de carbono e conter os efeitos do aquecimento global.

Tomada de drone da seca do Rio Negro no Porto do Cacau Pirêra, em Iranduba, no Estado do Amazonas. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

E o próximo encontro já tem local e data marcados: a COP28 ocorrerá entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro na Expo City, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O que esperar da COP28?

A COP28 deve seguir a linha das últimas conferências, a de construção de caminhos para uma transição verde da economia em nível global, especialmente entre os países mais ricos e maiores responsáveis pelas emissões de gases poluentes na atmosfera. Confira três entre os pontos mais aguardados na edição de 2023 da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas:

Fundo de Perdas e Danos: A COP27 no Egito encerrou-se com um acordo para criar um Fundo de Perdas e Danos, destinado a países mais vulneráveis, afetados por enchentes, secas, elevação dos mares e outros desastres climáticos. Um comitê foi estabelecido para examinar como os arranjos desse fundo irão funcionar. Espera-se que decisões sobre o Fundo de Perdas e Danos sejam tomadas na COP28.

Revisão do Acordo de Paris: A primeira revisão do Acordo de Paris, que começou há dois anos na COP26 em Glasgow, será concluída na COP28. Esse processo avalia o progresso global no sentido de alcançar os objetivos de redução de emissões de gases de efeito estufa que foram negociados.

Seca severa no Lago do Aleixo, em Manaus, no Amazonas. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

Novas metas climáticas nacionais: Em 2015, os governos nacionais concordaram na tentativa de limitar o aumento da temperatura média do planeta para menos de 1,5° C (Celsius). Contudo, um relatório recente das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas mostra que o mundo está em risco de ultrapassar esse limite. Na COP27, foi pedido que os governos revissem as metas nos seus planos climáticos nacionais até 2030. É esperado que os países voltem à mesa de negociações com estratégias mais ambiciosas em relação ao que foi apresentado em 2022.


Amazônia na COP28

A Amazônia tem uma posição central nas discussões da COP devido à influência que exerce na dinâmica global do clima; nela está a maior floresta tropical do mundo, com uma parte significativa ainda em bom estado de conservação. As florestas tropicais úmidas desempenham um papel fundamental na redução dos níveis mundiais de poluição.

O Brasil, país que possui a maior porção do bioma em sua extensão territorial, chega à COP28 em um novo momento da política externa, mais disposto a integrar-se às demais nações que formam a Pan-Amazônia e aberto a articular uma visão conjunta sobre as questões ambientais que dizem respeito à região.

Seca no Lago do Aleixo, em Manaus. (26.out.22 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

A Cúpula da Amazônia, realizada no início de agosto em Belém do Pará, reuniu os presidentes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e foi uma mostra dessa nova disposição e um retorno do protagonismo nas discussões globais sobre o clima. Belém também está em preparativos para sediar a 30ª edição da COP (COP30), em 2025, o que marca a primeira vez que uma cidade amazônica receberá uma Conferência do Clima.

Ao mesmo tempo, a Amazônia está sofrendo de forma desproporcional os efeitos do aquecimento global, causado em grande medida pela emissão de gases poluentes gerados em outras regiões. E quem paga esse preço, especialmente, são as populações amazônicas que já estavam em uma situação de vulnerabilidade social.

“Enxergamos a seca extrema no Amazonas como um exemplo de injustiça climática. Tudo isso que vem ocorrendo é particularmente cruel e injusto com os mais pobres. Ainda que todos sejam afetados, as populações mais vulneráveis são aquelas que recebem esse impacto de forma mais violenta”, afirma Virgilio Viana, superintendente-geral da FAS. “Os países ricos e a porção mais rica das nossas sociedades devem destinar recursos financeiros para esse esforço de adaptação e justiça climática”.

Da Amazônia, também podem surgir soluções para mitigar os impactos da crise climática, perspectivas e tecnologias que ensinam outras formas de viver em equilíbrio com a natureza, conciliando conservação ambiental e geração de renda. Essas alternativas amazônicas podem servir de exemplo e inspiração para o mundo, mas antes deve haver respeito, espaço e escuta atenta para os amazônidas na COP28.

As margens do Rio Negro secaram na capital amazonense e população se une para combater a poluição (Lucas Bonny)

“Nós temos uma cultura, temos uma história. Então não dá para banalizar o que nós somos. Nós somos muitos povos, somos indígenas, quilombolas, somos extrativistas, somos ribeirinhos, somos mulheres e homens das cidades, homens e mulheres da floresta e todo esse povo que gira nessa região mágica banhada de águas poderosas que estão secando pela sede de quem vem de fora. Então é preciso que nesse momento se olhe a sério, que se ouça o nosso povo. Ouça o ribeirinho, porque eles têm a solução”, afirmou, em entrevista recente, a artista e amazônida Fafá de Belém.

Parceria

A REDE CENARIUM AMAZÔNIA, grupo de comunicação presente em toda a Amazônia Legal, Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (SDSN Amazônia) estarão juntas na cobertura da Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas em Dubai.

A diretora-executiva da REDE CENARIUM AMAZÔNIA, jornalista Paula Litaiff, avalia como positiva a parceria da Agência Cenarium com a FAS. Para ela, essa união vai possibilitar uma divulgação maior da Amazônia brasileira.

“Entendo que a parceria é salutar. Por meio dela vamos conseguir dar conta do volume de conteúdo relacionada à Amazônia brasileira. A COP28 vai ser uma oportunidade para Agência Cenarium mostrar a nossa cobertura de meio ambiente”, concluiu a diretora.

Seca no Rio Negro nas imediações de Manaus, Amazonas (Lucas Bonny)
Leia mais: Fundo para países pobres combaterem mudanças climáticas é incerteza da COP28, aponta instituto
(*) Com informações da FAS

Edição: Jefferson Ramos

Revisão: Gustavo Gilona

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