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Amazonino usa termo racista em discurso e juristas reagem: ‘Preconceito contra uma coletividade’
Amazonino Mendes durante convenção partidária (Bruno Pacheco/CENARIUM)
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31 de julho de 2022
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
MANAUS – O candidato ao Governo do Amazonas Amazonino Mendes (Cidadania), de 82 anos, ao discursar em convenção partidária do PSDB e Cidadania nesse sábado, 30, usou termo racista ao comentar que se eleito iria colocar “nego” (como sinônimo de “bandidos”), na cadeia, ameaçando adversários. Para especialistas, a declaração se configurou como racismo linguístico e o emprego do vocabulário está baseado em idiossincrasias e preconceitos de antepassados, que necessitam ser apontados e corrigidos.
“Eles que tomem cuidado, porque o que estão fazendo e fizeram com o povo eu não vou perdoar. Vai muito ‘nego‘ para o xilindró.”, disse o candidato ao ameaçar adversários políticos na corrida para o governo do Estado.
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À REVISTA CENARIUM, o advogado Daniel Cauper explicou ser importante estar atento também às diferenças existentes no racismo e no crime de injúria racial. “No racismo, existe ofensa a uma coletividade indeterminada, sendo considerado inafiançável e imprescritível, como se pode exaurir do artigo Art. 5º da CF/88, inciso XLII. Já o crime de injúria racial consiste em ofender a honra de alguém com palavras depreciativas relacionada a sua raça, cor, religião, etnia”, explicou.
“Compreendo que a sociedade está em constante evolução e certos termos não devem mais ser aceitos e usados, baseados em idiossincrasias e preconceitos dos nossos antepassados, que necessitam ser apontados e corrigidos. Importante frisar que o gestor público, ou quem se dedica à vida pública, tenha consciência e compromisso social”, declarou Cauper.
Para o especialista, no caso envolvendo Amazonino, não há uma ofensa direta a algum indivíduo, inexistindo hipótese de aplicar o que diz o art. 140 do Código Penal, que trata da injúria racial, por inexistência do ofendido.
“Lembrando que o crime de injúria racial é ação condicionada à representação”, frisou Daniel Cauper. Ainda segundo o advogado, as falas de Amazonino Mendes não se enquadram dentro das hipóteses previstas na lei nº 7.716/2989, que dispõe sobre os crimes resultantes de preconceito contra raça e cor.
Já para a advogada, apresentadora, ativista preta e integrante do coletivo Odaras Laila Alencar, a declaração do candidato a governador do Amazonas pelo Cidadania cedeu à estrutura racista presente na língua portuguesa.
“Muitas pessoas, apesar de não apresentarem a intenção de ter uma conduta racista, possuem em sua estrutura os vícios de linguagem que o racismo traz. O racismo, ou o reflexo dele (como é o caso do candidato que se declara negro), é uma questão estrutural e está presente nas pequenas atitudes que somadas alimentam todo esse contexto negativo que precisa ser enfrentado com práticas antirracistas”, afirma Laila.
O termo “nego” e suas variações (nega, neguinho, neguinha) tem sido alvo de debates ao longo dos anos por conta das raízes extremamente racistas desde a chegada de pretos no Brasil, datadas do século 16. À época, colonizadores e escravistas brancos se referiam aos escravizados como “nego” como forma de diminuir a humanidade de pessoas pretas.
Ao longo dos anos, o termo vem sendo ressignificado, usado inclusive como uma forma de carinho entre familiares e namorados. No entanto, no contexto usado pelo candidato Amazonino Mendes, o termo ilustra um possível “criminoso” que estaria causando mal ao Amazonas, o que estigmatiza ainda mais a imagem de pessoas pretas a crimes.
Vícios de linguagem
O hábito de utilizar termos racistas naturalmente não é de hoje. No Brasil, se discute muito a respeito da modernização da língua portuguesa, e lideranças pretas ao redor do País pedem pela alteração de frases e palavras racistas por outras já existentes. Para a advogada Laila Alencar, “é necessário que, principalmente aqueles que buscam representar o povo, tenham coerência com o momento atual que já não permite mais esse tipo de falha.”
“O antirracismo é uma prática diária e precisa ser aplicado em discursos, propostas e atos. Existem profissionais que atuam assessorando no letramento racial, nas práticas antidiscriminatórias e que poderiam ser um apoio relevante nas candidaturas“, salientou a advogada.
Racismo estrutural
De acordo com a advogada, jornalista e que também faz parte do coletivo Odaras Luciana Santos, a fala de Amazonino Mendes é um exemplo de racismo linguístico, que é utilizar termos que reforçam estigmas impostos à população negra.
“Relacionar a população negra a atitudes criminosas remete a teorias ‘científicas’ colonialistas, eurocêntricas e completamente ultrapassadas; no entanto, ainda presentes em nosso País em função do racismo e às relações de poder que lhe fundamentam”, comentou.
A advogada lamentou a fala do ex-governador e defendeu, ainda, debate sobre relações étnico-raciais dentro dos partidos políticos.
“Infelizmente, a fala do ex-governador não é um fato isolado no meio político, o que demonstra a necessidade de um maior debate sobre relações étnico-raciais dentro dos partidos políticos, que tenham assessoria nesta área e que se comprometam verdadeiramente com pautas antirracistas”, defendeu Luciana Santos.
Saúde
Com 82 anos, Amazonino enfrenta uma campanha considerada “pesada” para o ex-governador que, nos últimos compromissos políticos, vem aparentado um quadro de saúde debilitado. Em pré-campanha pelos municípios do Estado, no município de Itacoatiara (a 276 quilômetros de Manaus), no dia 5 de julho deste ano, Mendes apresentou dificuldades para deixar um jatinho no qual estava no município, e logo após retornar a Manaus testou positivo para Covid-19.
No evento desse sábado, 30, Amazonino ficou exposto a riscos e a esforço físico extremo pelos familiares. O candidato ao Governo do Amazonas pelo Cidadania ficou pouco menos de seis minutos em pé, discursando, antes de receber uma cadeira para sentar-se.
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