‘Ameaçados por estar em nosso próprio território’, afirma indígena sobre exploração de potássio no AM

Povo Mura em manifestação contra a mineração em Terras Indígenas, em Autazes (AM). (Foto: J. Rosha /Cimi Norte I)
Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – “Estamos sendo ameaçados por estar em nosso próprio território”. As palavras são de Gabriel Mura, liderança do povo indígena Mura, em coletiva de imprensa realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas nessa quarta-feira, 29, sobre a exploração de potássio na região de Autazes (AM). Na ocasião, foi apresentada página especial criada pelo MPF para reunir informações completas sobre o caso, detalhar a atuação da instituição em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente e disponibilizar a íntegra de documentos, como iniciais de ações judiciais, estudos e relatórios.

A mineração de potássio na região da Aldeia Soares – território do povo Mura ainda pendente de demarcação – pela empresa Potássio do Brasil Ltda foi autorizada por licenças de instalação emitidas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam), apesar dos inúmeros problemas verificados nos estudos de impacto ambiental e no processo de licenciamento e dos questionamentos judiciais.

Além de Gabriel Mura, outras lideranças indígenas participaram da coletiva, como Sérgio, que atua como agente de saúde na área. Ele relatou que tem recebido ameaças. “Hoje, nosso povo, nossa comunidade está passando por dificuldades em razão do empreendimento. Somos acusados de atrapalhar o desenvolvimento do município, apenas por estarmos lutando pelos nossos direitos”, afirmou. “Nem todos os Muras do município de Autazes concordam com a mineração, porque isso não vai ter impactos positivos”, afirmou Milena Mura, que representa as mulheres da etnia.

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Na coletiva de imprensa, foi apresentado um resumo do caso e da atuação do MPF, que ocorre em duas frentes interconectadas: a da defesa dos direitos dos povos indígenas e tradicionais afetados, coordenada pelo procurador da República Fernando Merloto Soave, e do meio ambiente, sob a responsabilidade da procuradora Sofia Freitas. No encontro, os procuradores explicaram que a região do Lago do Soares já registra a presença de indígenas do povo Mura há pelo menos 200 anos, como comprovam documentos históricos da Cabanagem.

Falhas e violações

Em 2003, a população indígena por meio do Conselho Indígena Mura solicitou à Funai a demarcação do território indígena tradicional Soares/Urucurituba. Quatro anos depois, quando a empresa anunciou a intenção de explorar potássio na região, a Funai já informava em documentos internos que se tratava de território sob análise para demarcação. Em 2016, o MPF ajuizou ação contra o empreendimento, por violação aos direitos dos povos indígenas e tradicionais afetados. A Justiça paralisou todas as atividades, e os dois anos seguintes foram dedicados à construção do protocolo a ser adotado pelo povo para consulta prévia. Em 2022 a Justiça Federal realizou inspeção na aldeia. “Na visita, registramos relatos de cooptação, coação e ameaças dos indígenas, inclusive com a assinatura de contratos irregulares de cessão de posse entre a empresa e indígenas de forma forçada”, explicou Fernando Soave.

Em 2023, numa surpreendente mudança de posição, o Conselho Indígena Mura (CIM) se manifestou contra a demarcação das terras tradicionais e alegou que a consulta prévia havia aprovado o empreendimento. Nenhum indígena da aldeia Soares ou mesmo da Organização de Lideranças Indígenas do Careiro da Várzea (OLIMCV), que faz parte do protocolo de consulta Mura, foi convidado ou participou. Entretanto, denúncias enviadas ao MPF apontam irregularidades na consulta, com exclusão de aldeias e de lideranças, violações ao protocolo, ameaças e cooptações, inclusive mediante pagamento de propina.

Uma Assembleia Geral do povo Mura com a participação de mais de 700 indígenas realizada no fim de 2023 repudiou a posição do CIM. Diante dos problemas, a Justiça paralisou novamente a instalação do empreendimento, mas decisão monocrática do Tribunal Regional Federal da 1ª Região cassou a liminar concedida. Com isso, em abril de 2024 foram emitidas 11 licenças de instalação para a Potássio do Brasil, o que, na prática, permite o funcionamento do empreendimento.

Na perspectiva ambiental, segundo explicou Sofia, um dos principais problemas do projeto é justamente a fragmentação do licenciamento em 11 diferentes processos, o que resultou em estudos de impacto falhos e impediu a análise global dos riscos da atividade. “Do ponto de vista ambiental, entendemos que era necessária uma perícia do próprio MPF para saber sobre os impactos reais do empreendimento. O laudo técnico produzido pela nossa perícia ambiental foi muito contundente quanto aos defeitos dos estudos de impacto realizados”, explicou. Além de apontar os problemas, o MPF defende que o licenciamento do projeto seja feito pelo Ibama, como determina a legislação, uma vez que ele afeta povos indígenas.

Possíveis caminhos

Na coletiva, os procuradores leram nota técnica que analisa questões relacionas ao empreendimento e apresenta alternativas e rotas tecnológicas para manter o protagonismo agrícola brasileiro de forma sustentável, sem agredir o meio ambiente nem violar direitos de povos indígenas e tradicionais. O documento é assinado por entidades da ciência brasileira, grupos de estudo e universidades federais.

Além dos impactos diretos ao povo Mura, a mineração de Potássio na região de Autazes traz riscos para dois territórios indígenas já demarcados ou delimitados: as Terras Indígenas Jauary e Paracuhuba, localizados a menos de 10 km da mina projetada. Nas petições e ações apresentadas à Justiça, o MPF vem apontando os graves riscos para a região, uma vez que o projeto prevê a perfuração do solo, com a abertura de grandes túneis em profundidade, remoção de vegetação nativa, captação da água de rios e outras intervenções ambientais sem que todos os estudos tenham sido realizados da forma adequada.

Para o MPF, o que parece estar em andamento é a estratégia de acelerar o licenciamento de um empreendimento para depois alegar a impossibilidade de voltar atrás, impondo aos povos impactados os efeitos do projeto, que muitas vezes incluem a especulação sobre suas terras ou a completa modificação do meio ambiente natural, impossibilitando a sobrevivência segundo seus modos de vida e costumes. O órgão pede na Justiça a imediata paralisação de todas as atividades, até que o processo para demarcação das terras do povo Mura avance e os problemas do processo de licenciamento possam ser corrigidos.

(*) Com informações do MPF
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