Analista prevê cenário pouco positivo para Brasil e América Latina com vitória de Trump
Por: Ana Cláudia Leocádio
06 de novembro de 2024
BRASÍLIA (DF) – A vitória do republicano Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos da América (EUA) não traz perspectivas positivas nem para o Brasil, nem para a América Latina, porque afetará uma agenda hoje convergente de interesses no plano multilateral, segundo analisa a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Carolina Pedroso.
O candidato do Partido Republicano venceu a candidata do Partido Democrata e atual vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, nas eleições desta terça-feira, 5, ao conquistar mais de 270 delegados do colégio eleitoral, maioria das cadeiras no Senado e na Câmara, assim como vitória na votação popular, com 51% dos votos, contra 47,5% da adversária.
Na avaliação de Pedroso, no caso do Brasil, havia uma confluência de agendas no âmbito multilateral entre os governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Joe Biden, com destaque para três temas: meio ambiente, direitos humanos e democracia. “Isso não significa que eles agem conforme o que defendem, mas que em fóruns como a Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, havia uma sintonia entre eles”, afirma a especialista.

Na agenda ambiental, o governo Biden assinou acordos com o Brasil de aportes de U$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, pelo período de cinco anos. Com a nova gestão de Trump, considerado um negacionista das mudanças climáticas, a expectativa é de que esses acordos sejam paralisados. “E não seria difícil abandonar esse tipo de acordo”, afirma.
Outro fato importante, lembra, foi o papel determinante e ágil dos EUA durante a eleição brasileira (em 2022), no sentido de reforçar o resultado oficial e as instituições e de desencorajar qualquer intento de questionamento. Em janeiro de 2021, os próprios americanos enfrentaram um movimento de contestação da eleição Biden-Kamala, que culminou na invasão do Capitólio, na capital Washington, resultando em mortes e, posteriormente, centenas de prisões.
“Trump não esconde seus vínculos com a extrema direita global, incluindo a brasileira e a latino-americana, e poderia ter o papel inverso ao que o Biden teve em 2022: de legitimar uma narrativa conspiratória contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou as instituições e validar algum resultado pró-bolsonarismo”, disse a especialista, ponderando sobre um “cenário provável e não de algo que necessariamente aconteceria dessa maneira”.

Outro receio, é que de, até antes disso, Trump possa fortalecer esses movimentos mundo afora, no sentido de que eles se tornem mais viáveis eleitoralmente e encontrem nos EUA importante fonte de financiamento de suas ações.
Vale recordar que, em 8 de janeiro de 2023, portanto dois anos após a invasão do Capitólio, houve a invasão e depredação dos prédios públicos dos Três Poderes, em Brasília, no que foi classificado pela Justiça brasileira como tentativa de golpe de Estado, com a prisão e condenação dos envolvidos. Agora, há um movimento em curso no Congresso de tentativa de anistia a esse grupo de condenados.
Ao analisar os números do comércio bilateral entre Brasil e EUA, a professora constata que este setor gera aqui cerca de 500 mil empregos e movimenta U$ 190 bilhões em bens e serviços, e outros U$ 190 bilhões de dólares de investimentos externos diretos aqui. “Certamente, esse âmbito será muito afetado, pela postura protecionista e nacionalista dele”, afirma.

O fato do presidente Lula ter declarado preferência pela candidata democrata Kamala Harris, na avaliação de Pedroso, pode ser usado por Trump para preterir o Brasil nas relações comerciais. Mas ela lembra que o ex-presidente Bolsonaro levou 40 dias para reconhecer a vitória de Joe Biden, em 2020, assumindo a narrativa conspiratória do republicano à época.
“Lula, apesar de ter declarado torcida pela candidata derrotada, prontamente reconheceu os resultados e parabenizou Trump. Se estivéssemos falando de um governo republicano ‘normal’, por assim dizer, esse deslize diplomático não teria tanto efeito nas relações bilaterais, mas em se tratando de uma figura como Trump, provavelmente isso será usado para diminuir a importância do Brasil em sua agenda externa, favorecendo outros países da região liderados por presidentes mais próximos dele, como Javier Milei, na Argentina”, concluiu.
Efeitos na América Latina
Carolina Pedroso afirma, ainda, que para a América Latina a tendência de Donald Trump será de aproximação, ainda que só discursiva, de líderes de direita e extrema direita e distanciamento de governos mais moderados e de esquerda. “Vale lembrar que boa parte das políticas mais incisivas tomadas por Trump em seu primeiro mandato foram mantidas pelo Biden, como as sanções unilaterais contra a Venezuela, portanto não devemos esperar nada mais brando do que isso, ao contrário”, destaca.
Na avaliação da especialista, outro tema que se relaciona coma nossa região é a migração. Durante a campanha, o republicano prometeu retomar políticas migratórias da época em que era presidente e fazer a maior deportação em massa da história dos EUA. Ao discursar na madrugada desta quarta-feira, o novo presidente declarou que fechará fronteiras. “A possibilidade real de haver deportações em massa certamente afetará a América Latina, especialmente México, América Central, Caribe e a Venezuela”, disse Pedroso.
A agenda econômica também causou grande impacto na campanha das eleições nos EUA, avalia Carolina Pedroso, e explica como ele pode ter levado a vitória nos chamados ‘swing states’, aqueles que numa eleição pendem para o candidato de um partido e, na seguinte, para outro. “O empobrecimento real dos norte-americanos os levou a embarcar na aventura trumpista, mais uma vez, diante da incapacidade de Biden e Kamala de reverter essa tendência”, destacou a professora.
Com tantas expectativas em relação ao que será o segundo governo Trump, uma realidade se impõe nessa nova conjuntura econômica na América Latina atualmente. Pedroso lembra que a “China já ocupa a primeira posição de parceria comercial na maioria dos países (incluindo o Brasil) e está se fortalecendo com a ampliação dos BRICS e os projetos vinculados à nova rota da seda”.