Aos 356 anos, Manaus enfrenta problemas de infraestrutura e desafios na área ambiental
Por: Fred Santana
24 de outubro de 2025
MANAUS (AM) – Aos 356 anos, completados nesta sexta-feira, 24, Manaus enfrenta um dilema que mistura tempo, clima e desordem: ser uma metrópole amazônica em expansão que ainda convive com saneamento precário, alagamentos recorrentes, transporte caótico e calor extremo. O crescimento urbano acelerado, aliado às mudanças climáticas, pressiona uma infraestrutura frágil e expõe a urgência de repensar o modelo de cidade que se ergueu às margens do Rio Negro.
Para marcar o aniversário da capital amazonense, a CENARIUM traz, nesta reportagem, um retrato detalhado de suas feridas urbanas e um diagnóstico construído a partir de pesquisas científicas, dados públicos e vozes de especialistas que enxergam um alerta e uma oportunidade de mudança no caos.

Calor extremo e arborização insuficiente
Para quem vive em Manaus há mais de uma década, o aumento do calor não é impressão. Estudo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) mostrou que a cidade está entre as regiões metropolitanas mais afetadas pelas ilhas de calor urbanas, com elevação de até 6,1°C nas temperaturas máximas, nos últimos 20 anos. A pesquisa, publicada no periódico internacional Sustainable Cities and Society, aponta que impermeabilização do solo, verticalização e ausência de áreas verdes estão entre os fatores que intensificam o desconforto térmico.
Um levantamento da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) confirma essa tendência, destacando que “os efeitos da urbanização, como impermeabilização do solo e redução da cobertura vegetal, se somam aos fenômenos climáticos globais, provocando mudanças perceptíveis no microclima local”, segundo artigo publicado na Revista Geonorte.
A engenheira florestal Lara Caccia, coordenadora de Adaptação Urbana do WRI Brasil, defende uma abordagem planejada: “A arborização deve ser estratégica, voltada para as áreas que mais sofrem com o calor e que concentram a população de menor renda. A distribuição das áreas verdes é uma questão de justiça ambiental“, explica.
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Já Fabiana Rocha, representante do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Amazonas (CREA-AM) no Conselho Estadual de Resíduos Sólidos, aponta uma meta ideal: “A cobertura arbórea em cidades tropicais como Manaus deveria alcançar ao menos 40% das áreas urbanas. Isso pode reduzir a sensação térmica entre dois e cinco graus“, enfatiza.
Apesar de sua vocação florestal, Manaus tem falhado na própria arborização urbana. O estudo “Reflorestamento Urbano em Manaus: Avaliação do Crescimento e Sobrevivência de Espécies Amazônicas em Áreas Urbanas“, da Ufam, identificou que a maioria das ações de arborização do poder público ocorre em locais de pouca interação comunitária.
“Grande parte das ações de arborização tem se concentrado em áreas de pouca utilização direta pela comunidade, como o canteiro central da Avenida das Torres e outros espaços de grande visibilidade, mas de reduzida interação cotidiana com os cidadãos”, observa o engenheiro florestal Júlio César Wyrepkowski.

Outro levantamento, este publicado na Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais, alerta para o uso de espécies inadequadas, com árvores de grande porte e raízes agressivas plantadas em calçadas estreitas e vias de tráfego intenso, o que tem causado danos à pavimentação e à fiação elétrica. O resultado é uma cidade com menos sombra, mais calor e maior sensação de insegurança à noite.
Trânsito e transporte caótico
A mobilidade urbana também reflete o colapso iminente da estrutura manauara. O sistema tronco-alimentador de ônibus, criado para organizar o transporte coletivo, sofre com falhas de cobertura, frota envelhecida e superlotação.
A engenheira de transportes Kattylinne de Melo Barbosa, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), analisou o modelo e resume o desafio: “Manaus precisa de urgentes melhorias estruturais e operacionais: ampliar a cobertura espacial, padronizar pontos de parada, modernizar a frota, reforçar a fiscalização e investir em informação acessível ao usuário”.

Bairros inteiros, especialmente na Zona Leste, continuam com linhas escassas e terminais degradados. A falta de acessibilidade e de iluminação adequada torna o transporte público um desafio diário para milhares de moradores.
Em 2014, Manaus teve a primeira linha de transporte coletivo fluvial operando entre os bairros de São Raimundo e Educandos com apoio da prefeitura. Apesar de sua viabilidade técnica e ambiental, o modelo foi abandonado. O registro do projeto pode ser consultado no site Mobilize Brasil.
Saneamento precário: o calcanhar de Aquiles
Mesmo após investimentos bilionários entre 2019 e 2023, Manaus ainda ocupa o 87º lugar no Ranking do Saneamento 2025, elaborado pelo Instituto Trata Brasil. Apenas 28,46% do esgoto é coletado e 22,31% é tratado, enquanto as perdas de água chegam a 705 litros por ligação/dia – quase o triplo da meta de excelência do setor.
Wyrepkowski alerta que os dados podem ser ainda piores: “Há, inclusive, a possibilidade de que determinados monitoramentos ou coletas de dados sequer estejam sendo realizados. Manaus não dispõe de um sistema estruturado de drenagem pluvial, e parte dos números pode se referir apenas a condomínios privados.”

A falta de saneamento é, segundo especialistas, uma das maiores barreiras à saúde pública e à segurança ambiental da capital.
Alagamentos e riscos crescentes
Os alagamentos se tornaram rotina para quem vive em áreas vulneráveis. Entre 2024 e 2025, a prefeitura identificou 118 pontos críticos de inundação. O Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM) calcula que cerca de 112 mil pessoas vivem em zonas de risco alto ou muito alto para inundações, erosões e deslizamentos.
Wyrepkowski explica que “embora existam redes de drenagem profunda em alguns bairros, muitas dessas estruturas estão comprometidas por ligações irregulares, descarte de lixo e ocupações sobre galerias – ou simplesmente por não existirem para atender à demanda.”
As consequências são repetidas a cada inverno: ruas tomadas pela água, danos materiais, erosão de vias e trânsito interrompido.

O engenheiro Otávio Chase, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), defende soluções mais sustentáveis: “Sistemas de drenagem urbana sustentável, como jardins de chuva e telhados verdes, imitam o ciclo natural da água e reduzem o risco de enchentes.”
Planejamento urbano e o futuro climático
A falta de planejamento aparece como o elo que une todos esses problemas. Em 2023, a Prefeitura de Manaus criou o Comitê Municipal de Mudança Climática e anunciou a elaboração de um Plano de Ação Climática. Até o momento, o documento não saiu do papel.
Para Lara Caccia, do WRI Brasil, “a dimensão climática precisa estar presente em todas as políticas, transporte, saneamento, habitação, meio ambiente e infraestrutura. A floresta sempre foi solução. A questão é se teremos coragem de trazê-la de volta para dentro da cidade.”
Já Otávio Chase reforça a urgência da adaptação: “É preciso mapear vulnerabilidades, definir prioridades, engajar a população e monitorar continuamente os resultados. O planejamento não pode ser estático, porque o clima também não é.”