Apagão no Amapá e a privatização da Eletrobras: manifestações destacam risco com venda da estatal

Para especialistas, a privatização da Eletrobras pode agravar ainda mais a crise energética e econômica do País (Reuters/Pilar Olivares/Direitos Reservados)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – A venda da Eletrobras, a maior estatal de geração e distribuição de energia da América Latina, tem gerado a insatisfação de pesquisadores, membros da sociedade civil e entidades brasileiras que se posicionam contra a desestatização da empresa. As manifestações alertam que a ação, mobilizada pelo governo federal, pode agravar ainda mais a crise energética e econômica do País, ante o exemplo dos apagões registrados nos anos de 2020 e 2021, no Amapá, onde a concessionária de energia é privada.

O processo de desestatização da Eletrobras está previsto na Medida Provisória nº 1031/21, convertida na Lei nº 14.182/2021. Para 168 especialistas em economia, sociologia, engenharia, no setor elétrico, e em outras áreas, e 34 entidades que assinam o “Manifesto dos Economistas, entidades e profissionais contra a Privatização da Eletrobras“, as medidas autorizadas por essa lei são uma ameaça à soberania nacional, além do agravamento da crise com a energia e a economia.

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“A eventual privatização da Eletrobras provocaria profunda desorganização do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), com repercussões negativas para toda sociedade brasileira. Os prejuízos se verificarão no curto e no médio prazo, a começar por uma explosão tarifária provocada pela mudança do regime de concessões das usinas renovadas pela Lei nº 12.783, que hoje operam no regime de ‘Cotas’ e fornecem energia a preço de custo para a população”, diz trecho do manifesto.

De acordo com o documento, com a mudança do regime de concessão, a energia elétrica dessas usinas passará a ser vendida a preços de mercado, que chegam a ser quatro vezes superiores, impactando diretamente na renda das famílias brasileiras em um cenário em que elas já vêm sendo pressionadas pelo aumento nos preços dos alimentos e combustíveis. Segundo o manifesto, o encarecimento da energia também afeta os custos do setor de serviços e de setores industriais.

Além disso, para os especialistas, a privatização da Eletrobras ignora as especificidades geográficas do território brasileiro, dotações de infraestrutura, tecnológicas ou organizacionais, e o contexto à situação vivenciada pelos setores elétricos, ao redor do mundo, com a crise climática e o crescimento da demanda de eletricidade provocados pela necessidade de descarbonizar os usos energéticos.

“Essa combinação de aumento da demanda com a dificuldade de expandir de forma equilibrada a oferta provoca uma inflação mundial dos insumos energéticos. Estamos diante de um significativo desafio de segurança de abastecimento – maior demanda acompanhada do aumento da essencialidade do serviço, em meio às consequências do desequilíbrio climático, que já podem ser sentidas”, alertam os especialistas, no manifesto.

Estatais – O sistema ideal

A economista Denise Kassama, vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), explica à REVISTA CENARIUM que as empresas estatais são criadas pelos entes governamentais com uma função específica de administrar recursos estratégicos para garantir o acesso pleno por parte da população. Ela afirma, ainda, que uma estatal deve ofertar seus serviços ao maior alcance possível, diferentemente de uma empresa privada, e mesmo com investimento público o sistema da Eletrobras está longe de ser ideal.

“Mesmo com investimentos públicos, o sistema Eletrobras está longe de ser o ideal, principalmente na Região Norte do País, cujas distâncias e dificuldades impetradas pela geografia oneram bastante o custo que a Estatal tem obrigação de absorver. Entretanto, o mesmo não ocorre com a empresa privada, cujo objetivo é maximizar o lucro e beneficiar seus acionistas e investidores”, afirma a economista.

Para a especialista, uma privatização da Eletrobras significa, exatamente, risco no fornecimento de energia para esses lugares longes das regiões polos, ou seja, onde estão concentradas as usinas de responsabilidade da estatal.

“A privatização acarreta riscos no fornecimento de energia, às regiões mais longínquas e onerosas, mais custosas para o fornecedor, além de pouco lucrativas. Ao consumidor, o medo de se ter uma energia que a cada dia fica mais cara e difícil de pagar”, salienta a economista Denise Kassama.

Recusa

A venda da empresa também não agrada a maioria da população. Na última sexta-feira, 1º, uma pesquisa do PoderData mostrou que 56% dos brasileiros são contra a privatização da Eletrobras. Segundo o levantamento, esses entrevistados dizem que o governo deve continuar sendo dono da estatal. No entanto, 29% disseram ser favoráveis à venda da empresa, enquanto 15% não souberam responder.

Os dados foram coletados de 27 a 29 de março de 2022, por meio de ligações para celulares e telefones fixos. Foram 3.000 entrevistas, em 275 municípios, nas 27 unidades da Federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. O intervalo de confiança é de 95%.

Hashtag

Nesta terça-feira, 5, internautas, políticos e coletivos sociais se mobilizaram nas redes sociais para levantar a hashtag ‘Brasil Contra a Venda da Eletrobras’, numa tentativa de pressionar o governo federal a ceder e desistir de privatizar a estatal. O ‘tuitaço’, marcado para as 8h da manhã de hoje, foi organizado pelo “Salve a Energia”, um movimento nacional contra a desestatização da empresa.

Tuitaço foi realizado nesta terça-feira, 5, contra a venda da Eletrobras (Reprodução)

Os movimentos temem, caso a Eletrobras seja privatizada, um apagão geral no Brasil, como aconteceu com o Amapá nos anos de 2020 e 2021. No Estado amapaense, a empresa, que abriga e opera os transformadores que fornecem a eletricidade para a região, é a Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), uma concessionária privada.

Veja também: Após 22 dias de apagão no Amapá, distribuidora e governo dizem que energia foi retomada

“O apagão deixou o Amapá 22 dias às escuras, pela omissão e negligência de uma empresa privada que estava ‘economizando custos’. Não vale a pena ver de novo! Não à privatização da Eletrobras! #BrasilContraVendaDaEletrobras“, escreveu a Associação dos Empregados da Eletrobras, no Twitter.

O deputado federal Henrique Fontana (PT/RS) também se juntou ao movimento e defendeu, no Twitter, a soberania energética da Petrobras. “Entregar a Eletrobras à iniciativa privada, provavelmente estrangeira, significa renunciar à soberania brasileira! Vamos resistir! #BrasilContraVendaDaEletrobras“, escreveu o parlamentar, em uma publicação na rede social.

Deputado defendeu a soberania da Eletrobras (Reprodução)

Mesmo diante da pressão observada massivamente na internet, o Governo Bolsonaro busca agilizar a privatização da Eletrobras. Na última sexta-feira, 1º, um decreto do presidente, no Diário Oficial da União (DOU) regulamentou a venda de ações da estatal em posse do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de suas subsidiárias. A medida busca dar maior segurança ao procedimento de desestatização da empresa.

Confira aqui o Manifesto dos Economistas, entidades e profissionais contra a Privatização da Eletrobras.

Confira aqui a pesquisa PoderData.

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