Apib critica PGR por aceitar ser observadora em comissão sobre o Marco Temporal: ‘Descaso’
02 de agosto de 2024

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) – A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) criticou, nesta semana, a decisão do procurador-geral da República, Paulo Gonet, de aceitar que a Procuradoria-Geral da República (PGR) atue apenas como observadora na Comissão Especial de Conciliação, do Supremo Tribunal Federal (STF), que vai discutir, a partir de 5 de agosto, as cinco ações que tratam da constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que instituiu o chamado Marco Temporal na demarcação das terras indígenas.
Após o STF decidir pela inconstitucionalidade da tese, o Congresso Nacional aprovou uma lei estabelecendo a Constituição de 1988, como data limite para a demarcação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou esse trecho do texto, que foi derrubado pelos parlamentares, originando a Lei 14.701, que agora está sendo alvo de cinco ações na Corte.
São três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86. A Comissão Especial de Conciliação foi criada pelo ministro Gilmar Mendes, relator das matérias, numa tentativa de pacificar o debate em torno das demarcações das terras indígenas.

No dia 27 de junho deste ano, o ministro Gilmar Mendes publicou um documento com a decisão em que determinou as instituições que seriam admitidas na Comissão Especial apenas como observadoras e, entre elas, estava o Ministério Público Federal (MPF).
Na crítica da Apib, publicada nas redes sociais, a entidade afirma que Gonet “rompeu com uma tradição institucional de defesa dos direitos indígenas prevista na constituição federal, art. 129”. Para a entidade, o procurador-geral deveria ter ingressado com um agravo para atuar como membro ativo. “O comportamento da PGR demonstra um claro descaso com os direitos dos povos indígenas e com a Constituição Federal”, pontuou a Apib, que promete mobilização no STF.
Numa resposta ao ministro Gilmar Mendes, no último dia 17 de julho, procurador-geral da República ressaltou que todas as ações envolvendo a matéria estão suspensas no STF, e reservou-se ao direito de opinar sobre o “tema de fundo, após a conclusão dos trabalhos da Comissão Especial”. Ao final, indicou a procuradora Nathalia Geraldo Di Santo, que atua como coordenadora da Assessoria Jurídica Cível de seu gabinete.
PGR se justifica
Em nota enviada à CENARIUM sobre a crítica da Apib, a PGR informou que reforça seu papel institucional e constitucional em defesa dos povos indígenas. “Isso fica claro em diversas manifestações como a proferida na ACO 1100, quando foi apontada a inconstitucionalidade das normas contrárias ao entendimento do STF, em harmonia com o ponto de vista dos indígenas”, diz a nota.
O órgão esclareceu, ainda, que a Comissão Especial criada no STF “não tem caráter decisório, pois visa discutir soluções de forma consensual podendo, inclusive, pautar discussões sobre o tema pelo poder legislativo”.
“Ser observadora não significa que a Procuradoria está alheia ao processo. Cabe lembrar que tramita no STF uma ADI sobre o tema, e seguindo os ritos processuais, a PGR se manifestará no momento previsto”, finalizou a instituição.

Os trabalhos da Comissão Especial do STF começam na próxima segunda-feira, 5, e estão previstos para serem concluídos no dia 18 de dezembro, divididos em três etapas: na primeira, cada interveniente apresentará seus argumentos, sugestões, regras e limites, sem debates políticos (este ficarão para o legislativo); na segunda, haverá o aprofundamento dos textos jurídicos; e na última, serão os debates e propostas de alteração da Lei 14.721/2023, da redação do art. 231 da Constituição, de acordo com a atual interpretação conferida pelo STF, entre outras questões jurídicas.
Instituições devem indicar membros
Ao todo, a Comissão será composta por 24 membros, sendo seis indicados pelo Legislativo (Câmara e Senado), quatro da União (Advocacia-Geral da União, Funai e ministérios da Justiça e Povos Indígenas), dois pelos Estados (Fórum de Governadores e Colégio Nacional de Procuradores de Estado), um pelos municípios (consenso entre Confederação Nacional dos Municípios e da Frente Nacional de Prefeitos), seis pela Apib (um da entidade e um de cada região) e mais cinco indicados pelos autores de cada uma das ações.
Há, ainda, os observadores de outras instituições, como a PGR, Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e os 18 “amici curiae” – figura jurídica que participa das ações para fornecer informações e subsídios, como organizações de direitos humanos, indigenistas ou ligadas ao agronegócio. O ministro Gilmar Mendes também abriu a possibilidade para a Presidência da República e o Ministério da Defesa indicarem um representante.
Lei estimula violência contra indígenas
A aprovação da Lei 14.701/2023 foi apontada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) como o estímulo ao aumento da violência contra os indígenas, no País, segundo mostra o relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil – dados de 2023”, divulgado no último dia 22 de julho em Brasília.
Além disso, tramita no Senado a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48, apresentada em dezembro do ano passado pelo senador Hiran Gonçalves (Progressistas), que propõe alterações constitucionais para condicionar demarcações ao Marco Temporal em 5 de outubro de 1988. A proposta já teve o relatório favorável do senador Espiridião Amin (PP-SC) lido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas foi retirada de pauta por pedido de vista coletivo, até que todos participem da Comissão Especial do STF e consigam um consenso em torno do tema.