Após ataque, presidente do STF apela para ‘novo recomeço’
Por: Ana Cláudia Leocádio
14 de novembro de 2024
BRASÍLIA (DF) – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, fez um apelo à sociedade brasileira para um “novo recomeço, com civilidade, com respeito, com a capacidade de divergir sem precisar desqualificar quem pensar de maneira diferente”. A declaração foi feita ao abrir a sessão do plenário da Corte, na tarde desta quinta-feira, 14, e comentar o episódio ocorrido na noite anterior, em que um homem morreu ao detonar artefatos explosivos contra o tribunal e depois contra em si próprio, na Praça dos Três Poderes e no estacionamento da Câmara dos Deputados.
“Apesar de ainda estarmos no calor das apurações, nós precisamos, como País e como sociedade, fazer uma reflexão profunda sobre o que que está acontecendo entre nós. Onde foi que nós perdemos a luz, a nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da agressividade e da violência? Estamos importando mercadorias espiritualmente defeituosas de outros países, que se desencontraram na história”, afirmou o ministro.

As explosões ocorreram por volta das 19h30, quando o homem identificado como Francisco Wanderley Luiz, 59, morador da cidade de Rio do Sul (SC), se aproximou da frente do STF, próximo à estátua da Justiça, e ativou os artefatos explosivos, sendo repelido pelos seguranças. Ao final, ele ativou um último artefato, colocou sob a cabeça, deitou no chão e esperou a explosão. O corpo só foi removido às 9h desta quinta-feira. No mesmo momento, um carro de sua propriedade também pegava fogo com fogos de artifício no estacionamento do Anexo IV da Câmara.
Ao lamentar o ocorrido, Barroso fez um breve histórico dos ataques que o STF e seus ministros vêm sofrendo ao longo dos anos, desde 2021, como os ataques e ameaças aos ministros e ao Supremo pelo ex-deputado Daniel Silveira, que acabou preso e condenado; o ataque com granadas do ex-deputado Roberto Jefferson contra os policiais que foram até sua casa para prendê-lo, em 2022; o ato da deputado Carla Zambelli, ao perseguir um homem em São Paulo com arma em punho, durante as eleições de 2022; as manifestações contra o resultado das eleições de 2022, com fechamento de estradas e acampamentos em frente aos quartéis; e, por último, a invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.
“Relativamente a este último episódio [8 de janeiro], algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo. Não veem que dão o incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes?”, questionou.
Para o presidente da Suprema Corte, “a gravidade do atentado de ontem nos alerta para a preocupante realidade que persiste no Brasil, a ideia de aplacar e de deslegitimar a democracia e suas instituições, numa perspectiva autoritária e não pluralista de exercício do poder, inspirada pela intolerância, pela violência e pela desinformação”. “Reforça também, e sobretudo, a necessidade de responsabilização de todos que atentem contra a democracia”, afirmou.
E o ministro prosseguiu: “Cabe a pergunta: onde foi que nós nos perdemos nesse mundo de ódio, intolerância e golpismo? Por que, subitamente, se extraiu o pior das pessoas? Pessoas com visões diversas podem ter respostas diferentes para esse fato, para essa pergunta. Porém, mais do que procurar os inspiradores dessa mudança na alma nacional, o que nós precisamos é fazer o caminho de volta, de volta à civilidade e ao respeito mútuo”, ponderou.
No discurso, o ministro disse ainda que o STF é composto por ministro com visões diferentes acerca de muitos temas, mas que convivem de forma respeitosa e irmanados nos valores que encontram na Constituição.
“A democracia, como sempre digo, tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. Somos todos livres e iguais. Só não há lugar para quem não respeita as regras da própria democracia, para quem não respeita os direitos fundamentais dos outros, para quem pensa que a violência é uma estratégia de ação. Uma causa que precisa de ódio, de mentira e de violência não pode ser uma causa boa”, disse Barroso.
O presidente da Corte aproveitou que nessa sexta-feira, 15, celebra-se a Proclamação da República do Brasil para que todos façam uma reflexão. “Amanhã, nós celebramos a Proclamação da República, é uma boa hora de renovarmos os nossos votos e nossas crenças nos valores republicanos. É uma boa hora para um novo recomeço. Cada um pensando de acordo com suas convicções, mas sem desqualificar ou agredir quem pensa diferente. Uma pequena revolução ética e espiritual é o que estamos precisando”, afirmou.
“O Supremo Tribunal Federal com sua função constitucional de guardião da Constituição continuará a simbolizar os ideais democráticos do povo brasileiro e a luta permanente pela preservação da liberdade, da igualdade e da dignidade de todas as pessoas. O episódio de ontem será apenas uma cicatriz na história, uma história e superação e progressiva construção de um país melhor e maior”, completou o ministro.
Gilmar Mendes
O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, também se manifestou no plenário. Ele fez questão de fazer um elo do episódio desta quarta-feira com todos os ataques que os ministros e a instituição vêm sofrendo, ao longo dos anos, e fez um relato cronológico dos fatos para concluir que, para ele, não é um fato isolado.
“Essas situações antes inimagináveis passaram, infelizmente, a compor o cotidiano da política nacional, tal tem sido a frequência dos abusos que a consciência crítica da sociedade parece ter ficado um pouco anestesiada com tamanha desordem”, afirmou.

Para Mendes é preciso fazer uma ampla discussão sobre tudo o que está acontecendo. “Faço esse registro histórico, senhor presidente, porque a meu sentir, a revisitação dos fatos que antecederam aos ataques de ontem é pressuposto para a realização de um debate racional sobre a defesa de nossas instituições, sobre a regulação das redes sociais, julgamento que como todos sabem se avizinha, e sobre eventuais propostas de anistiar criminosos”, sugeriu o decano. Para Mendes, “é essencial que o Brasil e suas lideranças façam um apelo à memória travando verdadeira luta contra o esquecimento”.
Procurador-Geral da República
Breve em suas palavras, o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, prestou solidariedade aos ministros e disse que ficou claro o desrespeito às instituições. “Fica claro que o desrespeito às instituições continua a ter sinistros desdobramentos demonstrando a importância do esforço que vem sendo desenvolvido pela Procuradoria Geral e pelo Supremo Tribunal na apuração de responsabilidades e punição por atos violentos e propósito antidemocrático”, disse.
Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes já havia se manifestado mais cedo sobre o atentado, mas fez questão de fazer uma declaração antes de iniciar o julgamento na sessão de hoje.
“Não poderia deixar de lamentar a mediocridade de várias pessoas que continuam querendo banalizar um gravíssimo ato terrorista. No mundo todo, alguém que coloca na cintura artefatos para explodir pessoas é considerado terrorista. Então eu quero lamentar essa mediocridade das pessoas que, por questões ideológicas, querem banalizar dizendo absurdo que foi, por exemplo, um mero suicídio. Não. A nossa polícia judicial evitou que ele entrasse aqui para explodir e na hora que ele seria preso, aí ele se explodiu”, afirmou.

Segundo Moraes, as pessoas continuam com a tendência de normalizar o ataque contínuo às instituições. “As pessoas, presidente, não são só negacionistas na área de saúde, são negacionistas no Estado de Direito e devem ser responsabilizadas e serão responsabilizadas”, ressaltou.