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Após caso da capivara Filó, criação de animais silvestres vira debate; entenda as regras
Uma mãe capivara e seus filhotes vistos no Pantanal, Brasil.
(Foto: Frans Lanting)
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06 de maio de 2023
Da Revista Cenarium*
MANAUS – A criação de animais silvestres voltou a ser debatida depois que agentes do Ibama apreenderam a capivara Filó, mantida como bicho de estimação pelo influenciador Agenor Tupinambá, do Amazonas. Ele foi multado em R$ 17 mil por fazer exploração indevida do animal e já foi autuado por casos envolvendo maus-tratos a outros bichos.
A Justiça determinou que Filó fosse devolvida ao influencer e deu a ele a guarda provisória do animal. A lei brasileira proíbe a retirada de animais silvestres, como a capivara, de seu habitat. Mas é possível adquirir e manter espécimes criados em estabelecimentos regularizados e que tenham nascido em cativeiro, desde que haja autorização para isso.
Especialistas ouvidos pela Folha dizem que a criação de um animal silvestre como bicho de estimação pode ser um incentivo, ainda que indireto, ao tráfico de animais, porque mantém a demanda em alta. E apontam confusão na ideia de proteger o animal levando-o para casa.
Agenor Tupinambá e a capivara Filó – Reprodução
Para eles, o país de fato precisa discutir formas melhores de controle da fauna silvestre e exótica.Mas é necessário lidar, primeiro, com a criação de bichos domésticos, como cães e gatos. Este é um ponto de acordo.
“Hoje temos venda de animais domésticos pela internet, sem controle da origem. Isso privilegia fábrica de filhotes, e depois vemos cachorros abandonados na rua. Não temos política nacional de castração e de licença e estamos discutindo capivara”, afirma Roberto Cabral, agente da área de fiscalização do Ibama.
O desafio contrasta com um traço cultural comum no país, em que muitos veem animais de estimação, sejam domésticos ou selvagens, como membros da família. Entenda a seguir o que diz a legislação e as principais questões envolvendo a criação de animais silvestres no Brasil.
O que diz a lei?
A legislação brasileira proíbe a criação de animais silvestres, com exceções justificadas e autorizadas. A ditadura aprovou, em 1967, a lei nº 5.697, que criou o Código de Fauna. Antes disso, animais silvestres eram considerados “coisa de ninguém”, e a legislação anterior, de 1943, permitia a caça e a captura. Em 1998, o governo sancionou a lei nº 9.605, a Lei de Crimes Ambientais, que diz que a criação legalizada está ligada à origem do animal.
“Apenas animais que nasceram em cativeiro podem ser vendidos. A marcação de animais é para diferenciá-los daqueles de vida livre que foram capturados”, afirma Roberto Cabral, agente da área de fiscalização do Ibama.
QUAL A DIFERENÇA ENTRE DOMÉSTICO E SILVESTRE?
Os animais hoje considerados de estimação “passaram por um longo melhoramento zootécnico de milhares de anos para se adaptarem ao ambiente, são dependentes dos seres humanos”, diz o biólogo Igor Morais, mestre em zoologia pela Universidade Estadual de Santa Cruz.
O Ibama tem uma lista que inclui, por exemplo, lhamas e camelos como domésticos, o que não exige autorização para a criação. A capivara, no entanto, não está na lista.
Já a definição para animais silvestres aparece na Lei de Crimes Ambientais. “São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro ou águas jurisdicionais brasileiras.”
E os animais exóticos?
Segundo Cabral, do Ibama, tudo que envolve a fauna que não é nativa do Brasil é de competência federal, a cargo do instituto. O problema, diz ele, é que houve uma interpretação de que a Lei Complementar nº 140, de 2011, daria poderes aos estados para regulamentar a criação de espécies exóticas.
Mauricio Forlani, gerente de pesquisa da AMPARA Silvestre, defende que a lei se aplica apenas à fauna silvestre, com termos de cooperação que envolvem os estados e o Ibama. “Não inclui exótica ou invasora. Quando o estado legaliza a criação desses animais, põe em risco a estabilidade do ambiente”, afirma.
Algumas espécies exóticas procuradas para criação são a iguana, natural da região do Caribe, a cobra-do-milho, dos EUA, e o ouriço-pigmeu africano, que vive em países como Gâmbia, Senegal e Somália.
Entre os répteis, uma naja ficou conhecida por picar um estudante de veterinária em julho de 2020, no Distrito Federal. Ele e outras 11 pessoas foram indiciadas sob suspeita de tráfico de animais silvestres, maus-tratos e associação criminosa. O caso está na 1ª Vara Criminal do Gama (DF) e aguarda sentença.
E se o animal estiver há anos na família?
Para o antropólogo Felipe Vander Velden, professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a lei divide o que é de domínio da natureza e do homem. “Mas a população não opera nessa chave. Casos como o da [capivara] Filó ou do macaco Chico, em São Carlos, não se circunscrevem a essa distinção.”
Criado por 38 anos como animal de estimação, o macaco Chico, que era fêmea, morreu em 2014. A retirada do animal da família de tutores gerou comoção nacional e protestos pelo seu retorno.
Vander Velden, autor de “Joias da Floresta: Antropologia do Tráfico de Animais” (EdUFSCar, 2018), afirma que as pessoas conhecem a legislação e que muitas entregam os bichos às autoridades. O apreço pela criação de bichos silvestres, no entanto, assim como de domésticos, vem antes da lei.
O indicado é que o animal seja entregue às autoridades competentes. É preciso procurar a Polícia Ambiental local ou uma unidade do Ibama.
E se cuidar bem?
Depende do que é considerado cuidar bem.
Um alerta é a chamada humanização dos animais, que envolve colocar roupas e dar banho regularmente nos bichos. “Tendemos a interpretar o comportamento animal sob a ótica humana, mas não podemos fazer isso”, afirma Luciana Lobo, bióloga e consultora ambiental.
Existem perigos?
Segundo Lobo, um dos riscos da criação de animais silvestres é a transmissão de doenças. “Conseguimos controlar zoonoses em animais domésticos com vacinação, porque são doenças que a gente já conhece”, diz.
Ainda, o contato com espécies silvestres pode transportar agentes causadores de doenças. “Temos a situação da Covid-19, que pode ter começado com a exploração de animal silvestre para consumo”, acrescenta Cabral, do Ibama, referindo-se a uma das teses sobre a origem da pandemia.
Sauim-de-coleira resgatado e tratado em centro de triagem do Ibama para animais silvestres – Bruno Kelly – 17.mai.21/Folhapress
Comprar de criador legal combate o tráfico?
As pessoas podem adquirir animais silvestres de criadores legalizados, e é preciso que sejam animais originados em cativeiros. Mas, para que isso fosse capaz de combater o tráfico, dizem os críticos, seria necessário um número grande de animais para atender a demanda, bem como buscar outros bichos de interesse —o que não ajudaria na proteção das espécies.
“O mercado legalizado existente no Brasil não combate em nada o comércio ilegal”, diz Forlani.
Segundo Cabral, o próprio Ibama tem discutido a eficácia da comercialização para combater o tráfico, já que o mercado ilegal consegue chegar a preços até dez vezes mais baixos do que os bichos com todas os tratamentos, licenças e permissões exigidos.
“Em 2022, lançamos um diagnóstico sobre a criação amadorista de passeriformes [pássaros] que não demonstrou uma contribuição para reduzir o tráfico de animais silvestres. Foi legalizada em 1972”, afirma.
Qual a melhor forma de proteger?
Mauricio Forlani afirma que o ideal seria levar à frente a chamada “lista pet”, que definiria espécies silvestres que poderiam ser criadas no país. Hoje, estados como Paraná, Rio de Janeiro e Alagoas têm listas próprias, o que dificulta a criação de uma política nacional para gestão e controle.
“Não sou a favor da criação, mas entendo que há formas melhores. Não faz sentido ter lista estadual, porque o [estado] vizinho pode liberar”, diz.
“Existe uma lei que precisa ser cumprida. Mas definir essa necessidade de conexão e convívio com animais silvestres, que tem desígnios muito diferentes [de cães e gatos, por exemplo], é uma discussão complicada”, acrescenta Vander Velden.
A melhor forma, diz Cabral, do Ibama, é deixar os bichos livres. “Se ama pássaro, compra binóculo, e não gaiola.”
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