Após cortes de 36% no orçamento, universidades federais reduzem auxílios a alunos vulneráveis

A estudante Mirian Hapuque Magalhães, 31, da UFBA, recebeu o auxílio-alimentação pela metade neste mês (Rafael Martins/ Folhapress)

Com informações da Folha de S. Paulo

Com cortes orçamentários de até 36% das verbas de custeio determinados pelo Governo Jair Bolsonaro (sem partido), universidades federais vivem um cenário de estrangulamento, com a suspensão parcial de bolsas para alunos vulneráveis e impacto até em pesquisas para vacinas contra a Covid-19. Parte das universidades, como as federais do Pará, do Acre, de Santa Maria (RS) e de São Carlos (SP), já temem não ter condições para retomar as aulas presenciais no segundo semestre deste ano.

O Ministério da Educação afirmou que se esforça para mitigar os efeitos das reduções orçamentárias impostas às universidades e recompor as verbas. Os cortes sucessivos são registrados desde 2019, primeiro ano do Governo Bolsonaro. Professores tiveram que comprar camundongos com o próprio dinheiro para não interromper pesquisas, e universidades tiveram que cortar até o bife dos restaurantes universitários.​

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Na Universidade Federal da Bahia, que perdeu R$ 30 milhões da verba de custeio, o contingenciamento arrochou os R$ 7,2 milhões que eram destinados à assistência estudantil, atingindo 4.700 alunos. Os cortes atingem principalmente os mais vulneráveis, caso do estudante indígena Kahu Pataxó, 30. Natural da aldeia Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália (no sul da Bahia), ele cursa o sexto semestre de direito.

Ele recebia R$ 900 de bolsa permanência, destinada à moradia de indígenas e quilombolas fora do domicílio, mais R$ 400 para alimentação. Com os cortes, os dois auxílios de Kahu passarão a ser de R$ 830 e R$ 200.

“É um dinheiro que uso para sustentar minha família, pagar o aluguel e a alimentação”, afirma Kahu, que mora com a esposa e tem dois filhos que ficam na aldeia para não perder o contato com a cultura indígena.A estudante Mirian Hapuque Magalhães, 31, aluna do bacharelado de artes, também foi atingida pelos cortes. Natural de Alta Floresta (MT), ela deixou na terra de origem a filha, à época com 3 anos, para ser a primeira da família a cursar uma graduação.

A estudante Mirian Hapuque Magalhães, 31, aluna do bacharelado de artes, também foi atingida pelos cortes. Natural de Alta Floresta (MT), ela deixou na terra de origem a filha, à época com 3 anos, para ser a primeira da família a cursar uma graduação.

O reitor João Carlos Salles afirma que o orçamento para custeio da universidade para este ano é inferior ao de 2010, quando a universidade tinha 27 mil estudantes. Atualmente, são 42 mil. “É uma política de sucateamento”, diz.

Na federal de Pernambuco, que também registrou em 2021 o menor orçamento da década, os cortes afetam pesquisas para o desenvolvimento de vacinas e testes para diagnósticos da Covid-19. “Temos feito sequenciamento genético, monitoramento de novas variantes e projeto de pesquisa de vacina. Temos procurado parcerias com outros entes para mantermos tudo em andamento”, disse o reitor Alfredo Gomes.

Os cortes também atingem pesquisas de vacinas na federal do Paraná. Os estudos foram iniciados em junho do ano passado com o financiamento de R$ 230 mil, mas há risco de descontinuidade do projeto.

O reitor Ricardo Marcelo Fonseca diz que a falta de verbas atinge todos os setores “na carne, pois a gordura já foi queimada”, com ajustes em contratos e cortes de gastos. No atual cenário, só há garantia de funcionamento pleno até setembro, o que pode comprometer a retomada de aulas presenciais.

Na Universidade Federal de São Carlos, a reitora Ana Beatriz de Oliveira diz não ser possível retomar as aulas presenciais com o orçamento atual. O valor previsto para custear o dia a dia da universidade neste ano, pouco mais de R$ 40 milhões, é R$ 10 milhões inferior ao do ano passado. A crise tem prejudicado programas de assistência estudantil e obrigado a universidade a diminuir a frequência de manutenção dos espaços físicos.

O eventual retorno presencial dos alunos demandaria mais gastos com a manutenção dos quatro campi. “O retorno presencial não se dará em situação de normalidade. Há ambientes sem ventilação adequada e não posso mais colocar 60 alunos numa sala a menos de 1 metro de distância”, afirma a reitora.

Na federal do Pará, uma das alternativas estudadas é a adoção do sistema híbrido, mesmo após a vacinação em massa e o controle da pandemia, como uma forma de reduzir os custos. Segundo o reitor Emmanuel Zagury Tourinho, uma das principais metas é manter os benefícios de cerca de R$ 400 a 8.000 estudantes em situação de vulnerabilidade. “Não queremos sair dessa crise com uma evasão maior”.

A federal do Rio Grande do Sul, que recebeu 83% dos recursos previstos para o ano, informou que o retorno às atividades presenciais só será possível quando todos os alunos estiverem vacinados. Uma das que registraram maior baque orçamentário, Universidade Federal de Minas Gerais estima uma redução de 36% do orçamento para custeio.

Com os cortes, diz a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, a prioridade será manter o pagamento de bolsas de estudo. Na Universidade Federal do Amazonas, o corte também chegou a 36% em comparação com 2020. Na federal de Santa Catarina, a verba destinada a investimentos era de R$ 56 milhões em 2015, caiu para R$ 5 milhões em 2020 e neste ano será de apenas R$ 2,9 milhões.

A universidade está com obras paralisadas e não conseguirá concluir as ampliações dos campi de Araranguá e Joinville, informa o secretário de Planejamento e Orçamento da UFSC, Fernando Richartz. Ele faz parte do Departamento de Ciências Contábeis e conta que tem custeado as traduções juramentadas de artigos do próprio bolso.

“O que mais preocupa nessa crise é o impacto do desinvestimento em pesquisa de médio e longo prazo. Eu tenho medo do que nos aguarda nos próximos anos”, diz Richartz.

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