Após Felca, especialistas explicam como adultização afeta crianças e adolescentes


Por: Fabyo Cruz

12 de agosto de 2025
Após Felca, especialistas explicam como adultização afeta crianças e adolescentes
Fenômeno conhecido como adultização entrou no centro dos debates após vídeo do youtuber Felca (Reprodução/Freepik)

BELÉM (PA) – A exposição precoce de crianças e adolescentes a comportamentos, estéticas e responsabilidades típicas de adultos — fenômeno conhecido como adultização — vem preocupando especialistas em Psicologia e Direito no Brasil. O alerta ganhou força após repercussão de um vídeo do youtuber e humorista Felipe Bressamin Pereira, conhecido como “Felca“, que já ultrapassou 27 milhões de visualizações, e a tramitação, no Congresso Nacional, de propostas para regulamentar o uso de telas e proteger o público infantojuvenil no ambiente digital.

Para a psicóloga e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Jureuda Guerra, ex-presidente do Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região Pará e Amapá (CRP10), a adultização precoce pode gerar efeitos duradouros na saúde mental. “Isso pode levar à ansiedade, estresse crônico, dificuldades na construção da identidade, perda da vivência lúdica da infância e vulnerabilidade a transtornos mentais como depressão e distúrbios alimentares, devido à forte cobrança estética”, afirma.

Jureuda Guerra (Wagner Almeida/NCS Seju)

Jureuda aponta sinais que devem ser observados, como uso excessivo de maquiagem, roupas adultas, poses e danças sexualizadas em fotos e vídeos, preocupação exagerada com aparência e número de curtidas, além de atitudes precoces relacionadas a relacionamentos e dinheiro. Ela lembra que a erotização infantil não é nova no Brasil, citando programas de TV e concursos da década de 1980 que expunham menores de forma sexualizada.

“Crianças expostas a padrões irreais podem desenvolver distorção de autoimagem, sentimento de inadequação e normalização da objetificação do corpo, aumentando o risco de violência sexual”, alerta a psicóloga. Ela lembra que o Brasil possui altos indices de violência sexual contra crianças e adolescentes, e que lhe dá com essas situações durante seus atendimentos. “Hoje mesmo tive um atendimento que amanhã a criança fará o Aborto Legal”, comentou.

Para enfrentar o problema, a especialista defende a aplicação da Lei 13.395/2019, que prevê psicólogos nas escolas, “mas que ainda não foi implementada”, o fortalecimento da educação sexual adequada e a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2628/2022, que está em andamento no Congresso e regulamenta o uso de telas por crianças.

“É preciso orientar os pais sobre os riscos da adultização e da superexposição nas redes, trabalhar a autoaceitação e denunciar casos de exploração infantil. A escola e a sociedade devem promover debates sobre o uso saudável das redes e os direitos da criança, combater a romantização da adultização (…) Pais e responsáveis precisam monitorar o uso da internet, estabelecer limites e incentivar brincadeiras adequadas à idade. Crianças não namoram!”, afirmou.

Riscos jurídicos e proteção legal

A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA), Ivana Melo, ressalta que a adultização não é inofensiva e pode trazer consequências jurídicas graves. Ela explica que os riscos jurídicos mais comuns estão relacionados às violações dos direitos fundamentais à privacidade, imagem, honra e dignidade, protegidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“No âmbito criminal, a depender do conteúdo, a conduta pode ser enquadrada em crimes como a produção ou divulgação de material pornográfico envolvendo menores (arts. 240 a 241-E do ECA), ou no art. 232 do ECA, nos casos em que a criança é submetida a vexame ou constrangimento”, explica a advogada.

Ivana Melo (Reprodução/Arquivo pessoal)

Na esfera civil, os responsáveis podem ser obrigados a indenizar por danos morais ou materiais e responder por infrações administrativas. “Poderá acarretar o dever indenizar por danos morais ou materiais, caso a honra, dignidade e imagem da criança ou adolescente sejam atingidas. Além da possibilidade de serem enquadradas como infração administrativa com aplicação de multa para quem exiba ou transmita imagem ou vídeo de criança ou adolescente em situações ilícitas. Importante citar que a exposição excessiva nas redes sociais pode aumentar o risco de abuso, aliciamento e exploração sexual infantil, bem como facilitar o cyberbullying”, acrescentou.

Para Ivana, a proteção exige ação conjunta da família, do Estado e das plataformas digitais. O Brasil já possui uma base legal que inclui o ECA, o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados e diversos tratados internacionais. No entanto, a advogada acredita que ainda falta uma regulamentação específica para o trabalho infantil realizado online. Ela destaca que o Projeto de Lei 2628/2022 pode ajudar a preencher essa necessidade.

“Apesar do arcabouço jurídico sólido, a realidade digital exige uma legislação mais específica. É necessário um marco legal que defina com clareza o trabalho infantil online, as responsabilidades dos pais, das empresas e das plataformas, além de criar mecanismos eficazes de fiscalização para garantir que o ambiente digital não viole a proteção integral assegurada às crianças. Vale destacar que já tramita no Congresso Nacional o PL 2628/2022, que visa proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais”, comentou a advogada.

Como denunciar

Conteúdos que exploram ou violam os direitos de crianças e adolescentes podem ser denunciados diretamente nas plataformas, pelo Disque 100, em delegacias especializadas, no Conselho Tutelar ou no Ministério Público. A Ivana destaca que fazer uma denúncia formal é essencial, pois sozinha ela não ativa automaticamente a rede de proteção.

“A denúncia pode ser feita diretamente nas plataformas, uma vez que as grandes redes sociais possuem ferramentas próprias para esse fim. Cumpre esclarecer que a denúncia nas plataformas remove o conteúdo, mas não aciona a rede de proteção. Para isso, é fundamental utilizar os canais oficiais, como o Disque 100, procurar uma delegacia especializada, o Conselho Tutelar ou o Ministério Público”, conclui.

Felca expõe influencers

No último fim de semana, um vídeo do youtuber Felca reacendeu o debate sobre a exposição de crianças e adolescentes na internet. Na gravação de quase 50 minutos, o humorista denuncia casos de exploração e adultização infantil em conteúdos digitais, citando nomes como o influenciador paraibano Hytalo Santos, o canal “Bel para Meninas” e o perfil da mãe da menor Caroline Dreher.

O criador de conteúdo afirma que crianças têm sido expostas a situações constrangedoras e até à suposta venda de conteúdo íntimo por menores, como no caso de Caroline Dreher. O vídeo apresenta trechos das publicações dos citados para sustentar as denúncias. A repercussão levou à suspensão de alguns perfis e à abertura de investigações. Felca disse ainda ter registrado boletins de ocorrência e ingressado com ações contra mais de 200 contas por difamação, propondo que eventuais réus façam doações a entidades de proteção infantil.

Leia mais: ‘Mergulhei no lamaçal’, diz Felca sobre ameaças após denunciar adultização
Editado por Adrisa De Góes

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