Após registro na Argentina, pesquisadora do Inpa descarta nuvem de gafanhotos na Amazônia

Cada quilômetro quadrado dessa nuvem existem cerca de 40 milhões de insetos. (Reprodução/ Internet)

Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS – Uma segunda nuvem de gafanhotos voltou a causar preocupação das autoridades brasileiras nas últimas semana pela ameaça de aproximação da nuvem de insetos com a fronteira entre Brasil e Uruguai. No entanto, a pesquisadora e especialista em gafanhotos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Larissa Queiroz, de 28 anos, descarta a possibilidade disso acontecer na região.

Nesta terça-feira, 4, técnicos do Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar (Senasa) da Argentina monitoram pelo menos 6 nuvens de gafanhotos espalhadas pelo país.

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Com base nisso, a REVISTA CENARIUM entrevistou a especialista do Inpa para saber se haveria a possibilidade de alguma nuvem dessas atingir a Amazônia Legal, em detrimento do desmatamento e das queimadas na região, que de alguma forma, poderiam afetar o habitat desses insetos.

De acordo com Larissa Queiroz, é importante pontuar que fatores como a umidade da região Amazônica, predadores locais e a forma de reprodução da espécie Schistocera cancellata na Amazônia; que é solitária e não gregária, como os gafanhotos que compõem a nuvem que se movimenta próximo à região Sul do Brasil (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), fazem a diferença dos insetos de ambas nuvens. Tanto a oriunda da Argentina, quanto, nesta segunda onda proveniente da região do chaco, no Paraguai, que são popularmente conhecidas como gafanhotos sudamericanos.

“Eu descarto a possibilidade de uma nuvem de gafanhotos atingir a região Amazônica nesse momento. Primeiro porque a Amazônia é muito úmida e os gafanhotos gostam de áreas mais secas. Mesmo com o desmatamento e as queimadas, eles acabam morrendo ou pulando para outras áreas de floresta. Segundo, pelo número de predadores como sapos, pássaros e outras espécies existentes na Amazônia que se alimentam de gafanhotos. Outro fator é que essa espécie de gafanhoto possui duas fases: solitária e gregária. Os das nuvens tanto da Argentina, quanto do Paraguai, são os da fase gregária. A diferença está na fase reprodutória”, destaca Larissa.

Gafanhotos nas fases solitária e gregária, onde acontece a mudança de morfologia de tamanho, coloração e no comportamento do inseto (Divulgação/ Inpa)

Questionada sobre a diferença da fase de reprodução, Larissa explica. “A fêmea colocou 200 ovos, por exemplo. Todos eclodem e quando o clima favorece para que todos esses gafanhotos nasçam um próximo do outro, acontece uma reação, que ao invés deles virarem adultos solitários e tenham uma vida independente, com uma coloração e tamanho totalmente diferentes, eles viram adultos gregários. Neste caso, além de coloração e tamanho, eles também liberam um hormônio que acaba atraindo mais gafanhoto até formar essas nuvens”, esclarece a pesquisadora.

Em relação a nuvem de gafanhotos que atingiu a Argentina, Larissa comenta. “Ela não é um desequilíbrio do meio ambiente e sim uma forma natural e que acontece há muitos anos, mesmo quando não tinha populações tão grandiosas quanto hoje. Há registros de nuvens de gafanhotos no Brasil desde 1930. Mas claro, não na proporção da que apareceu, em junho passado. No entanto, mesmo que essa nuvem chegue ao Brasil, ela perderá força e não chegará na Amazônia ou muito menos, os gafanhotos existentes aqui vão formar uma nuvem como essa”, acrescenta a cientista.

Gafanhotos do grupo Proscopiidae

Larissa Queiroz segura gafanhoto da família Proscopiidae, oriunda do Museu Nacional do Rio de Janeiro, para estudar, antes do incêndio que destruiu o prédio, em 2018. Caso os insetos não estivessem com ela, também teriam sido destruídos. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Larissa é a única pesquisadora, atualmente, no Brasil, que estuda o grupo de gafanhotos da família Proscopiidae. Segundo ela, este grupo compreende aproximadamente 228 espécies e 35 gêneros distribuídas a região Neotropical, que compreende os três continentes americanos, América do Norte, América Central e América do Sul. Além disso, são espécies caracterizadas por suas cabeças alongadas, antenas curtas e aparências de gravetos, sendo popularmente chamadas de “bichos-pau” ou “falso bicho-pau”.

“Os insetos que eu trabalho são erroneamente chamados de bicho-pau. O nome popular dele é Taquarinha. Em Manaus, são conhecidos como falsos bicho-pau, porém, são gafanhotos. Eles não têm asa, medem entre 5 e 18 centímetros e não causam problema nenhum para o meio ambiente ou para agricultura. Em outras regiões do Brasil, por exemplo, eles são bem menores do que na Amazônia. Geralmente, eles são encontrados em fragmentos de floresta, nas cidades, em árvores como ingazeiras, entre outras. Na capital amazonense, são achados facilmente no Museu da Amazônia (Musa)”, afirma a pesquisadora.

Durante a pesquisa, Larissa coleta amostras de diversas regiões da Amazônia e de fora do país. Antes da pandemia, a pesquisadora viajaria para Colômbia em busca de novas amostras para compor sua tese de doutorado, o que deve acontecer somente em 2021, caso a pandemia acabe até lá.

Descobertas

Recentemente, a pesquisadora descobriu duas novas espécies do grupo Proscopiidae, uma em Iranduba (a 40 quilômetros de Manaus) e outra em Tefé (a 522 quilômetros de Manaus). Ambas foram descritas em artigo publicado na revista científica Zootaxa, em 2019, cujos nomes das novas espécies receberam o nome da sua filha Milena, que faleceu de problemas cardíacos congênito, em 2016.

“As espécies foram publicadas, em artigo na revista científica Zootexa com os nomes de: Milenascopia bilineata, de Iranduba e Milenascopia tenuis, de Tefé, em homenagem a minha filha, que se tornou uma inspiração para eu ser uma pessoa melhor. Após a morte dela, juntei forças e fui aprovada no mestrado no Inpa, em 2017, agora, estou na metade do meu doutorado”, finaliza Larissa.

Em algumas localidades do Sertão do Nordeste, os gafanhotos da família Proscopiidae são conhecidas como ‘Alma de lenha’. Grande parte das espécies apresenta um acentuado dimorfismo sexual, sendo os machos bem menores do que as fêmeas. Normalmente as espécies são descritas e diferenciadas pela estrutura da genitália dos machos.

São insetos herbívoros e generalistas, alimentando-se de uma grande variedade de plantas. Algumas vezes podem ser consideradas pragas agrícolas.

Os primeiros fósseis de representantes de Proscopiidae, que viveram no Cretáceo, foram encontrados na Chapada do Araripe, Ceará. A Formação Crato é um dos domínios sedimentares mais ricos em fósseis do Mundo, os quais exibem detalhes morfológicos em nível macromolecular

Crise dos gafanhotos

Este é o segundo grupo da pragas que ameaça plantações brasileiras neste ano. A primeira nuvem de gafanhotos segue na província de Corrientes, na Argentina, e chegou ao país vizinho, em junho passado, ameaçando produções agrícolas.

Técnicos do Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar (Senasa) da Argentina monitoram a nuvem, que se encontra a cerca de 160 quilômetros da fronteira com o Rio Grande do Sul. A equipe do Senasa conseguiu reduzir parte da população de insetos.

Segundo especialistas, os insetos podem cruzar uma área de um quilômetro quadrado (uma nuvem dessa existem cerca de 40 milhões de gafanhotos) e levar plantações inteiras à destruição, já que eles se alimentam de pastagens equivalentes ao que duas mil vacas podem consumir em um dia ou consumir em um dia uma área de cultivo suficiente para abastecer 350 mil pessoas.

Na América do Sul, essas nuvens são mais recorrentes na Bolívia, Chile e Argentina.

Histórico das nuvens de gafanhotos

O alerta de gafanhotos em 2020 tem semelhanças com o período entre 1944 e 1949, que foi marcado por sucessivas ondas e nuvens da espécie Schistocerca cancellata em boa parte do continente sul-americano, causando problemas à agricultura de países, como Argentina, Brasil, Bolívia, Uruguai e Paraguai.

Técnico agrícola faz a dispersão de químicos para combater gafanhotos em 1949, em Santa Fé, na Argentina (Foto: Tese de doutorado “La lucha Contra La Langosta: Relações Bissociais na América do Sul [Argentina, Uruguai e Brasil, 1896-1952], de Valéria Dorneles Fernandes)

Quem estudou esses casos foi a historiadora Valéria Dorneles Fernandes, conforme divulgou a revista Globo Rural, em julho passado. Após quatro anos de pesquisa, a tese de doutorado dela, aprovada em março passado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisou a incidência do inseto e as decisões das autoridades da época para o combate aos gafanhotos.

Ela explica que a primeira metade dos anos 1900 foi marcada por ondas em diversos momentos. Em 1906, por exemplo, a praga não só ultrapassou a região sul do Brasil como avançou sobre São Paulo e chegou até o Rio de Janeiro.

No biênio de 1914 e 1915, a incidência se repetiu – embora não na mesma proporção -, e o gafanhoto permaneceu no Brasil, no Uruguai e na Argentina. Uma nova onda tomou conta da região em 1933, com relatos de ataques em Uruguaiana (RS). Em 1935 e 1936, o boletim do governo federal destaca que 34 municípios gaúchos haviam sido atingidos por gafanhotos.

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