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Apresentação carnavalesca traz à tona debate sobre a desmistificação de Exu; ‘divindade que carrega consigo a desconstrução’
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25 de abril de 2022
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
MANAUS – Com o enredo “Fala, Majeté! Sete Chaves de Exu” assinado pelos carnavalescos, Gabriel Haddad e Leonardo Bora, a escola de samba Acadêmicos do Grande Rio levou para a Marquês de Sapucaí, no último dia 24, uma referência às diversas manifestações de Exu. A apresentação trouxe à tona o debate sobre a desmistificação e ressignificação da divindade. Mas afinal, o que é Exu? E por qual motivo a maioria das pessoas o associam ao diabo?
O Xɛ́byosɔnɔ̀n Alberto Jorge Silva explica que Exu é considerado o primeiro dos Orixás, o mensageiro atemporal, e faz as coisas acontecerem. “É uma definição profunda, pois Exu é o primeiro dos orixás criados. Pode ser passado, presente e futuro ao mesmo tempo. Pela nossa tradição, ele circula na atemporalidade, constrói, destrói e reconstrói. Traz a ordem, o caos e o reordenamento. Esse é o princípio básico”, explica o pai de santo.
Por ser uma criatura dinâmica que traz em sua figura o símbolo fálico, acabou sendo sincretizado pela ausência de “um item correspondente aos santos canonizados pela igreja católica. Além da questão fálica, pai Alberto ressalta que a figura de Exu intriga, justamente, por quebrar todo o conceito estabelecido quando o assunto é divindade. Um ser preto, com características humanas, carregando consigo a desconstrução e mostrando o mundo em profunda ebulição.
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“Sua representação maior está no falo, àquele que semeia o óvulo e leva a vida. O autor Sérgio Ferretti, inclusive, traduz isso muito bem, no livro Repensando o Sincretismo. Passaram a fazer a correlação entre as figuras dos orixás com os santos e, Exu, por trazer em suas mãos o pênis como símbolo, não encontrou correlação com os santos católicos e acabou sendo ligado, conforme a cultura hebraico-cristã , ao diabo, por conta da retratação que fazem dos demônios que aparecem com falos. Mas Exu não é o diabo, como muitos falam erroneamente, explica Alberto Jorge.
Revendo conceitos
Segundo o Xɛ́byosɔnɔ̀n, embora ainda seja constantemente associado a um universo sombrio, uma nova visão possibilitou que este sincretismo voltado a Exu é errado. Conforme pai Alberto Jorge, o considerado guardião de todos os orixás é o mensageiro que pode abrir caminhos, emanar fartura, prosperidade e ser um elo entre humanos e as divindades.
“A partir de uma nova visão da igreja, não nos estereótipos, mas de uma teologia e na própria hermenêutica, tanto do lado africano quanto do católico romano, entendeu-se que este sincretismo de Exu com satanás é algo completamente errado, pois se levarmos pelo princípio teológico e filosófico, ele deveria ser sincretizado com o divino espírito santo paráclito, que é àquele comunicador que leva e move a igreja e concede dons”, revela.
Alberto Jorge fala, ainda, sobre a representação dos adornos levados para a avenida do samba, que reforçam o quanto a impressão da massa sobre Exu é equivocada.
“O pênis, tão censurado por àqueles que veem a imagem de Exu, nada mais é que a potência e a fecundação da vida, os búzios como adorno significam toda a fartura e prosperidade, o vermelho e o preto, nos trajes, mostram os dois lados, a noite e o dia, e nada tem a ver com Bafhomet. Ou seja, esses conceitos vêm se construindo há mais de 10 mil anos, enquanto liturgia atual. Não podemos esquecer que estamos lidando com algo que vem de uma África berço da humanidade. É incômodo para a sociedade que não está acostumada a ver uma versão da criação do mundoque foge ao que nos foi imposto”, salienta.
“Leitura decolonial”
Admirador do carnaval e estudioso das manifestações culturais, o doutor em Educação e pesquisador em festas populares, Adan Silva assistiu de perto a proposta apresentada pela escola de samba carioca. Na leitura do pesquisador, a iniciativa da agremiação traz para além da avenida a possibilidade de um debate sobre o tema em nova perspectiva.
“Aquilo me encantou muito, ver a cultura afrodiaspórica, em especial, Exu, para além dessa junção histórica e trazendo uma leitura completamente decolonial. A iniciativa quebra esse imaginário brasileiro que demoniza, por conta de um projeto de poder das religiões cristãs e, como um dogma religioso, não era possível questionar. Foi apresentado como algo sacralizado, algo bonito nas suas múltiplas faces”, conta Adan.
Para o pesquisador, a potência do desfile, aliada a decolonização do pensamento, pode, inclusive, ser levada para dentro das salas de aula, ressaltando o conjunto de conhecimentos que o povo negro concebe.
“Quando eu penso no desfile desse carnaval como linguagem, para mim também é simbólico, pois Exu é aquele que come e regurgita, é o senhor das palavras, então, ver ele se apropriando daquele espaço e condução, levado e falado pelo povo negro, aliado ao conjunto de conhecimentos que esse povo tem, no maior espetáculo da terra, é algo externamente potente e rico, inclusive, dá para a gente pensar nesse debate em sala de aula, em educação, e deixar registros desse momento até mesmo em exposição num museu” considera Adan.
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