Apropriação não é valorização
Por: Tito Menezes
19 de novembro de 2025Nos últimos anos, e com mais intensidade nos últimos meses, temos observado uma movimentação preocupante por parte das associações folclóricas de Parintins. Para tentar apagar um passado marcado pela apropriação das culturas indígenas, surgem narrativas forjadas: itens com “origens indígenas” fabricadas, e até membros de diretoria que, de um dia para o outro, passam a se declarar indígenas, como num passe de mágica.
Isso não é representatividade. É maquiagem. É uma visibilidade seletiva, oportunista, que não condiz com a grandeza e a responsabilidade que o Festival de Parintins deveria honrar.
Mais grave ainda: a 30 dias do Festival, um membro do Conselho de Artes do Caprichoso, que havia levado o boi a minha aldeia, dançado conosco, compartilhado nossa hospitalidade, votou contra a proposta de inclusão de um assento com voz e voto para o povo Sateré-Mawé no Conselho Municipal de Cultura. Um gesto contraditório e revelador, que escancara como a presença indígena é, muitas vezes, bem-vinda apenas enquanto cenário, e não como sujeito político e cultural.
Não se pode aceitar que, em pleno 2025, ainda sejam os brancos, e não os povos indígenas, que determinem quem pode ou não ocupar espaços de fala, decisão e representação. Isso é desrespeitoso. Isso é colonização travestida de espetáculo.
Garantido e Caprichoso — e aqui me refiro tanto às diretorias eleitas e não eleitas — precisam escutar com humildade quem carrega essa história no sangue, na memória e na luta. Representatividade não se inventa no papel: se constrói com verdade, escuta e respeito.
Transformar os direitos indígenas em adereço para selfie é um desserviço. Nem tudo que brilha no bumbódromo é cultura. Às vezes, é só desrespeito iluminado por LED.
Sou Tito Menezes, 1º advogado Sateré-Mawé, sócio do Boi Garantido, brincante desde a infância e morador do Quilombo da Baixa, em Parintins. Já atuei na defesa de organizações indígenas locais, regionais e nacionais, inclusive no Supremo Tribunal Federal, no julgamento contra o Marco Temporal na demarcação de terras indígenas. Sou Secretário-Geral da OAB Parintins e já atuei como membro consultor das comissões da OAB dedicadas à defesa dos direitos dos povos indígenas. Falo com o compromisso de quem vive, conhece e luta por essa causa com raízes, memória e responsabilidade.