As avós


Por: Roger Adan Chambi Mayta

18 de novembro de 2025

– Não temos que caminhar de qualquer modo, filho, você tem que dizer “olá” e pedir permissão à montanha. Bom dia vovó, vou passar pelo teu território, cuida de mim, você tem que dizer assim.

Eu tinha cinco anos e junto com a minha mãe caminhávamos em direção aos campos de batata localizados quase no topo da montanha. O frio das nove da manhã queimava mais minhas bochechas vermelhas que começaram a rachar. Será que existe uma avó dentro da terra? Eu me perguntei enquanto cumprimentava a montanha em voz alta seguindo as instruções da minha mãe.

– Se você não cumprimentar, se não pedir permissão, pode pisar onde caiu um raio e ficar doente. Você também pode cair e seu ajayu pode fugir. É por isso que é muito importante dizer olá.

– Mas mamãe, como eu sei onde a vovó está dentro da montanha para cumprimentá-la? Tenho medo de pisar nela e machucá-la.

A ingenuidade dos meus primeiros anos citadinos me fez entender a montanha e a avó como coisas separadas. Uma avó para mim tinha o rosto, as mãos, as tranças, a saia e a manta da dona Francisca Mamani, mãe da minha mãe, minha avó, que sempre me mimava com fartura de comida; e uma montanha era um concentrado de pedras e terra com belas paisagens, animais e acesso muito difícil ao topo.

– Não filho, vovó é a montanha toda. Neste momento estamos caminhando sobre ela, por isso estamos levando folhas de coca e álcool para que ela possa pijchar e beber. Ela cuida de nós e garante que nunca nos falte comida.

Já estávamos na metade do caminho. Desta vez, as bordas dos meus lábios estavam começando a abrir fendas, mas fiquei tranquilizado ao saber que o sol estava se aproximando de nós. À medida que apressávamos o passo, tentei incorporar os novos ensinamentos da minha mãe com os mais antigos.

– Então mamãe, a montanha tem fome e sede como nós? E ela também chora como a batata? Você se lembra que uma vez me disse para não machucar a batata na colheita porque ela chora?

– Claro filho, a batata, a oca, a quinoa, como tantos outros produtos do campo são filhos da avó, por isso sentem, por isso nos alimentam bem, por isso temos que cuidar deles e agradecer sua produção. A montanha vive, às vezes tem sede e às vezes tem fome, às vezes pode estar triste e outras vezes pode estar feliz.

Na minha tenra idade, cada palavra, cada detalhe que minha mãe me contava era grafado na minha cabeça em cenas quase surrealistas. Imaginava uma grande montanha com muita fome, imaginava que os buracos feitos pelas chinchilas eram os olhos da vovó, que o grande poço de água era sua boca e que a extensa vegetação eram seus cabelos. Uma montanha que vive, que sente, que nos protege.

– Tudo isso são os frutos da vovó, filho. Você se lembra daquele rio que fica perto de casa? Onde colocamos as batatas para fazer tunta? Essa água é o carinho da avó.

Aos poucos fui entendendo a vitalidade que existia ao meu redor. A importância do respeito e do cuidado com os frutos da vovó. Confesso que senti um pouco de medo ao descobrir como me relacionar com a montanha, com os produtos agrícolas, com o rio. Tinha medo de ser desrespeitoso, de despertar o aborrecimento da montanha.

– Mamãe, o que acontece se a gente esquecer de cumprimentar, de dar de beber e de comer para a vovó? Ela nos castiga?

– Se a esquecermos teremos secas. Os animaizinhos podem morrer ou ficar doentes. O esquecimento é o pior castigo que podemos dar às nossas avós.

– Nossas avós? Existem muitas?

– Cada montanha é uma avó, filho!

– Mas como elas surgiram?

Para cada pergunta havia sempre uma resposta, minha mãe sabia o que dizia porque foi assim que aprendeu com a mãe dela, e a mãe com a avó e assim de geração em geração. Com a voz agitada pela subida, minha mãe, dona Hilda Mayta Mamani, me contou, a quase seiscentos passos da roça de batata, a origem das avós:

– Houve um tempo muito distante em que os primeiros homens e mulheres viviam no escuro, não conheciam a luz, eram seres muito diferentes de nós. Os seres que habitavam esses solos eram misturas de diferentes espécies. Havia seres com corpo de homem e rosto de puma ou condor, ou com asas e olhos de serpente. Tinha gente com pernas de lhama e braços de planta. Eram seres que podiam voar e que podiam submergir ao solo; alguns eram gigantes e outros muito pequenos, eram os ch’ullpas, os primeiros povos da terra.

Em certo momento surgiu o rumor de que novos seres vivos chegariam àquele mundo com um brilho que nunca haviam visto em suas vidas. Corria o boato de que esses novos seres chegariam do Oeste. Por isso, todos construíram as suas casas com as portas voltadas para o Leste, com o objetivo de se proteger. No entanto, a luz brilhante veio do Leste do território e, junto com a luz, apareceu um casal de humanos como nós somos agora. Os ch’ullpas viram pela primeira vez seus próprios corpos, tiveram medo ao ver a claridade e se esconderam, alguns nos céus, outros em rios e lagos, outros dentro da terra, e muitos ficaram paralisados ​​e petrificados, transformando-se em montanhas.

Esta montanha onde estamos caminhando agora, filho, e as demais que você vê aí, eram sete irmãs daquela época. Dizem que tinham olhos de vicunha e tranças muito grossas, ficavam juntas e não se separavam por mais que o sol as assustasse no começo. Já transformadas em montanhas, aprenderam a conviver com o sol e os novos homens, criaram um vínculo de respeito e cuidado. Portanto, essas montanhas são as protetoras e donas desse território desde a época dos ch’ullpas. Já viram muitas vidas passarem por aqui, são antigas e eternas, por isso as chamamos de avós. É por isso que lhes confiamos o alimento e o cuidado.

Quando ela terminou o relato, finalmente chegamos aos campos de batata, o sol aquecia nossos rostos. Tentei imaginar como teriam se sentido aqueles primeiros seres vivos ao verem a luz e se reconhecerem como eram. Escrevendo estas linhas, considero que os raios daquele sol me fizeram descobrir a mim também. Me descobri como parte de um mundo onde cabiam outros mundos que precisávamos respeitar e agradecer. A partir daquele momento, senti que a minha vida ficou melhor ao tomar consciência de que, além da proteção da minha mãe, eu tinha o cuidado e a proteção das minhas avós, das montanhas.

(*)Advogado Aymara da Bolívia. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Atua como pesquisador e consultor jurídico, abordando questões relacionadas à crítica jurídica, justiça indígena, estados plurinacionais, direito agroambiental, movimentos políticos indígenas e mídia. Faz parte do Coletivo de Estudos Latino-Americanos de Barcelona (Celab).

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