As mulheres, a crise climática e a sustentabilidade na Amazônia


Por: Iraildes Caldas

23 de novembro de 2025

A perspectiva de gênero, como heurística elucidativa das relações sociais que engendram a condição humana em todos os tempos e lugares, pode transformar-se num recurso candente que aponta possíveis saídas no âmbito da sustentabilidade. Se as ciências derem a devida visibilidade às maneiras pelas quais as mulheres cuidam da terra, como algo que lhes é próprio, forjando condições necessárias para que os sistemas vivos se perpetuem na natureza, será possível encontrar uma base significativa para que seja adotada a sustentabilidade nas relações com o meio ambiente.

Não só as ciências, é verdade, devem responsabilizar-se pela visibilização das práticas sociais das mulheres. Os veículos midiáticos, especialmente a grande mídia televisiva, e a sociedade civil devem engajar-se nesse empreendimento. Os movimentos feministas tem dado a sua contribuição, tanto no que diz respeito à visibilização da história das mulheres, quanto ao almejado desenvolvimento sustentável como assinalei em outro escrito (2009).

As mulheres têm uma relação menos destrutiva para com o meio ambiente do que homens. Elas possuem uma racionalização estratégica preservacionista importante em relação ao solo, animais, plantas, água. Trata-se de uma racionalização intuitiva que tem como horizonte a continuidade da vida, a reprodução das espécies e a perenidade do planeta. Morin (2003), nos lembra que os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles. No caso das mulheres, esse tipo de racionalidade é crível porque elas gozam de consideração e respeito, posto que são parte essencial da reprodução social, cultural e biológica.

Mulheres agricultoras da entidade Amabela (Bibiana Garrido/Ipam)

A relação das mulheres com a natureza, especialmente com a agricultura, possui substrato vital de fecundidade e natalidade. A terra assim como a mulher, é vida, ambas tem forças geradoras e criadoras; ambas são fecundas e vitais. A forma com o que elas se relacionam com o meio ambiente natural mostra que elas têm como ponto de referência as suas próprias vidas. Ou seja, os papéis que elas desempenham na vida social tem estreita conexão com o conceito de equilíbrio que envolve a relação mulher/terra, terra-vida, homem-mulher e homem-natureza (Torres, 2009). Este é, pois, um conhecimento ecológico sob uma pedagogia da ecologia profunda como supõe Capra (2001).

Essas mulheres que cuidam genuinamente do planeta são, ironicamente, as mais afetadas pela crise climática e ambiental. As mulheres rurais que, majoritariamente, são responsáveis pelo cultivo de alimentos orgânicos com uso de sementes crioulas e práticas agroflorestais, cultivo de roça de mandioca, hortaliças, leguminosas e outros, são fortemente atingidas em seus processos de trabalho. A produção agrícola depende diretamente de água e de fertilidade dos solos para o êxito da lavoura. Os impactos são mais severos quando ocorrem as grandes estiagens e as mulheres sentem em seus corpos-territórios as consequências desse desequilíbrio planetário. O debate sobre a transição energética tem que envolver as mulheres, seus saberes tradicionais, suas formas de organização e controle social. A energia solar sob o controle social das mulheres da floresta, é uma possibilidade viável, como mostra o diagnóstico de uma pesquisa que desenvolvi em cinco comunidades rurais da Amazônia, com término recente.

As mulheres da floresta necessitam de políticas públicas vigorosas e estruturantes. A politica pública é, em última-analise, a produção da própria vida social. Pensar política pública é pensar em arena política, é pensar na floresta, nos rios e na terra. As políticas públicas devem sair da superficialidade e da imediatez das ações para a estruturação da proteção `a vida no espaço rural. O Estado brasileiro precisa deixar de ver as mulheres só como guardiãs da biodiversidade amazônica. Elas precisam ser vistas como sujeito de direitos e cidadãs brasileiras.

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(*)Professora titular da Universidade Federal do Amazonas e doutora em Antropologia Social.

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