As mulheres estão no centro da crise humanitária da pandemia

No Brasil, elas perderam mais postos de trabalho que os homens (Reprodução/Internet)

Com informações do Portal Geledés

MANAUS – A análise do movimento do mercado de trabalho em 2020, marcado pela pandemia, aponta que as maiores perdas estão relacionadas às mulheres. Elas formam a maioria no mercado de trabalho (53%), mas são as que amargam uma maior participação no desemprego atualmente (64,2%), segundo o IBGE. Apesar de mascarar a realidade com critérios que podem subnotificar a realidade, a PNADC (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Contínua) traduz em números, pelo menos parcialmente, as dificuldades atuais encontradas por elas, e que antecipam os efeitos diretos sobre a sociedade em geral.

O grupo de economistas reunidas no Núcleo de Pesquisas de Economia e Gênero da FACAMP (NPEGen) se debruçou sobre os números de 2020 e descreve os detalhes da crise humanitária que tem um perfil essencialmente feminino.

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A vulnerabilidade social teve início na falta da rede de apoio que as mulheres poderiam contar para poder assumir postos de trabalho fora de casa. Em quase a metade (49,5%) dos lares brasileiros ela é mãe solo ou o chefe da casa. Para que pudesse trabalhar, sempre necessitou de outras mulheres para assumir suas obrigações, ou ainda da opção de escolas ou creches onde deixar seus filhos (nas quais as mulheres também são preponderantes). Toda essa rede de apoio desapareceu de um dia para o outro. Escolas foram fechadas, domésticas ou babás tiveram que cumprir o isolamento social ou foram dispensadas, e, por fim, as avós, outro valioso apoio, foram afastadas pelo risco de contraírem o coronavírus.

Em quase a metade (49,5%) dos lares brasileiros ela é mãe solo ou o chefe da casa (Reprodução/ Carlessandro Souza)

“Se ela é sozinha no domicílio com as crianças, se os filhos não forem protegidos, resguardados durante uma parte do dia, ela não pode sair para exercer o seu potencial e seu direito ao trabalho. Ela fica indisponível. A rede de apoio ficou comprometida pelo isolamento e ainda se soma à questão de avós, que davam grande apoio a esta mulher, e que por serem grupo de risco também tiveram que se afastar”, explica uma das autoras do estudo, a economista Daniela Gorayeb.

Essa dificuldade levou a uma outra consequência oculta, o aumento da violência doméstica. A dependência econômica que a pandemia impôs levou à impossibilidade de abandonar relacionamentos abusivos. “A mulher muitas vezes não tem o direito ao trabalho, independentemente de instrução, e em nome de sustentar seus filhos acabam se submetendo a situações que não desejariam”, diz a professora.

“Muitas mulheres responsáveis por seus dependentes agora não conseguem ter uma unidade domiciliar sem se submeter a pessoas provedoras. Nessa condição, elas ficam mais sujeitas à violência. Uma mulher só ficaria altamente dependente de algum provedor se não puder exercer o seu potencial de trabalho. Mesmo com o desejo, capacitações, qualificações, ela está impedida de exercer seu potencial pleno.”

Ainda antes da pandemia, a possibilidade de trabalhar segundo seu desejo e potencial era tolhida por uma série de logísticas cotidianas, como a insuficiência de creches ou escolas em período integral. Agora, muitas mulheres acabam sendo empurradas a trabalhos precários, intermitentes, com uma carga horária ditada pelas condições disponíveis de proteção para seus filhos.

“Com a pandemia, essa condição piorou. Muitas não podem nem se candidatar a exercer uma jornada completa, de 8 horas, devido à falta da rede de apoio. As mulheres perderam seus empregos, mas também o direito a ir trabalhar, quando se retira a rede de apoio, ainda que precária, sem que nada tenha sido posto no lugar. É uma fragilização não só da vida dessas mulheres, mas de um contingente enorme de pessoas ligadas a ela. Com isso, ficam comprometidas as condições de manter a vida de seus dependentes, ameaçando não só o presente, mas também o futuro de todos”.

A economia entre 2019 e 2020

A análise do 4º trimestre de 2020 apontou 3,2% de crescimento econômico em relação ao trimestre anterior, número insuficiente para compensar o acumulado do ano, um recuo do PIB da ordem de 4,1% em relação a 2019. Desempenho que pode ser atribuído a políticas econômicas e sanitárias equivocadas, insuficientes para conter a grandeza da recessão e para o controle efetivo da pandemia.

Em relação ao PIB de 2019, os setores de serviços e da indústria foram fortemente afetados (redução de 4,5% e 3,5%, respectivamente), e, do lado da demanda, houve contração do consumo das famílias (-5,5%) e do consumo do governo (-4,7%). Os setores mais afetados explicam o fato de o mercado de trabalho permanecer desaquecido, de modo que muitas pessoas ainda não conseguem retomar seus empregos. E em relação às mulheres, o setor de serviços, de maior redução no geral, é também um dos setores predominantemente ocupado por elas.

Domésticas, um capítulo à parte

Muitas domésticas perderam seus trabalhos, dispensa motivada por redução da renda e pelo isolamento social por risco de contágio. Segundo o estudo do NPEGen, entre 2019 e 2020 houve uma queda de 28% de empregadas com carteira assinada e 20% sem carteira. No fim de 2020 elas começaram a voltar (aumento de 10,9%), mas muitas sem carteira ou como diaristas. Hoje a categoria “trabalhadora doméstica sem carteira” representa 9,1% das mulheres ocupadas.

Comparados com trimestre anterior, na PNAD do quarto trimestre de 2020, as maiores variações para as mulheres foram em ordem de grandeza “empregado do setor privado sem carteira” (+18,5%), “trabalhador doméstico sem carteira” (+10,9) e conta própria (+9,6). Aqui, novamente, se destaca a precariedade da inserção das mulheres no mercado de trabalho, dado que as categorias com maior crescimento foram as informais. Leia a matéria completa no Portal Geledés.

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