‘As pessoas da região já não podem manter seus hábitos de vida e cotidiano’, dizem entidades sobre rio Abacaxis, no AM

Polícia aborda ribeirinhos na tranquila Vila dos Abacaxis (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Os hábitos e os costumes das populações ribeirinhas e indígenas da região do rio Abacaxis, no interior do Amazonas, mudaram drasticamente desde que os conflitos no local se intensificaram no ano passado. Relatos de moradores a entidades reforçam a situação de medo agravado pela pandemia da Covid-19. Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) falou como tem sido a vida desses povos após as operações da Polícia Militar do Amazonas (PM-AM) em 2020.

“As comunidades se mostram muito afetadas pelo ocorrido em agosto. Temos recebido relatos que as pessoas não se sentem seguras acessando o rio, do qual depende de sua subsistência. É por meio do rio que as comunidades acessam seus roçados e suas áreas de caça, é do rio que se tira o peixe que é a base da alimentação local. As pessoas da região já não podem manter seus hábitos de vida e cotidiano e a questão da Covid-19 agravou ainda mais a situação”, disse Carla Cetino, do Cimi.

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Os conflitos na região ocorreram entre julho e agosto de 2020 e resultaram na morte de ribeirinhos, indígenas e policiais. Segundo Carla Cetino, as comunidades que já estavam mantendo o isolamento social não se sentem mais seguras nem nas próprias aldeias. “As autoridades têm tido pouca presença na área em virtude da pandemia e da falta de interesse”, salientou.

Na região, o cultivo é a principal fonte de renda dos moradores, além da pesca. Em meio ao receio de navegar pelo rio Abacaxis, a falta de produtos básicos para o uso diário se acentuou nos últimos meses, segundo o conselho indigenista. “Eles não têm acesso a produtos industrializados de uso diário como arroz, feijão, combustível, produtos de higiene. A falta de combustível tem afetado o acesso aos roçados, para ir pescar e para ir às cidades”, afirmou Carla Cetino.

Segundo o Cimi, as próprias lideranças têm solicitado ajuda. Tanto os indígenas como ribeirinhos estão esperando que o poder público brinde segurança. “Por hora, temos sido o principal apoio e contato. Atualmente temos a expetativa de conseguir que a PF (Polícia Federal) instale uma base móvel no rio Abacaxis o qual traria segurança a estas comunidades. Esta base móvel teria que ter sido instalada desde agosto do ano passado e é uma das recomendações do relatório elaborado pelo CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) da visita que realizaram no rio Abacaxis”, reforçou.

Campanha

Desde fevereiro deste ano, uma parceria do conselho com o frade dominicano Frei Betto realiza uma campanha de arrecadação de recursos para ajudar as comunidades da região em situação de vulnerabilidade. O apoio é recebido em dinheiro ou transferências bancárias. As arrecadações se encerram na “Sexta-feira da Paixão”, dia 2 de abril de 2021.

O Frei Betto realiza, todos os anos, uma campanha para arrecadar fundos e destiná-los a uma comunidade específica. Sensibilizado com a situação das comunidades ribeirinhas e povos indígenas que foram afetados pela violência no rio Abacaxis, o frade escolheu a região para o projeto deste ano.

Saiba mais: Campanha ajuda indígenas e ribeirinhos do rio Abacaxis afetados pela fome

“O apoio que daremos às comunidades será com projetos específicos atendendo demandas locais e que apoiem a sustentabilidade das comunidades, além de incidência nacional e internacional. A ideia é dar um acompanhamento integral para que estas pessoas consigam recuperar na medidas do possível sua autonomia. Que possam sair para pescar, caçar transitar o rio em segurança”, frisou Carla Cetino.

O coletivo é composto por diversas organizações da sociedade civil como Cimi, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), e Arquidiocese de Manaus.

“É importante lembrar que a início do mês de agosto de 2020 várias torturas, assassinatos, ameaças, e outras violações de direitos humanos foram cometidos pela Polícia Militar do Amazonas contra comunidades ribeirinhas, povo Maraguá e povo Munduruku do Rio Abacaxis. Fatos que continuam em investigação e dos quais estamos ao aguardo que sejam determinadas as responsabilidades criminais e cíveis”, conclui Carla Cetino.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (PM-AM) disse que as operações no Rio Abacaxis foram encerradas no ano passado e as informações estão disponíveis no site da SSP-AM. Com relação a eventuais novas operações, a pasta ressaltou que os órgãos de segurança não adiantam o planejamento de operações policiais por questões estratégicas. 

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