Aspirina eleva em 26% taxa de insuficiência cardíaca entre pacientes com fator de risco
24 de novembro de 2021
Estudo tem como base dados de acompanhamento cardíaco de 46 mil pessoas nos EUA e na Europa. (Reprodução/THINKSTOCK)
Com informações do InfoGlobo
SÃO PAULO – O maior estudo já realizado sobre o uso da aspirina para evitar complicações entre pacientes que já possuem risco para insuficiência cardíaca terminou com resultados preocupantes. O trabalho indicou que o medicamento não apenas é ineficaz para a prevenção, mas também torna esses pacientes 26% mais propensos a desenvolver o problema.
O trabalho, publicado nesta quarta-feira, 24, numa revista da Sociedade Europeia de Cardiologia, é uma análise do projeto Homage de acompanhamento clínico, que reuniu dados de acompanhamento cardíaco de 46 mil pessoas nos EUA e na Europa. O estudo atual usou um subgrupo de 30 mil pessoas, o maior até agora para investigar o efeito da aspirina na prevenção da insuficiência cardíaca.
Aspirina e o coração
O estudo acompanhou 30.827 voluntários com fatores de risco por 5 anos e a incidência de insuficiência cardíaca foi 26% maior entre quem relatou tomar o medicamento com frequência. O trabalho contou com um acompanhamento de 5 anos numa população com média de idade de 67 anos, um quarto deles relatando consumir aspirina diariamente como forma de prevenção. Liderado por médicos da Universidade de Leuven (Bélgica), o estudo foi o capítulo mais novo num cenário de pesquisa que tem um histórico de resultados contraditórios.
“O uso de aspirina foi associado com um risco aumentado de insuficiência cardíaca em pacientes recebendo aspirina com ou sem histórico prévio de doença cardiovascular. Na ausência de evidências conclusivas em ensaios clínicos, nossas observações sugerem que a aspirina deva ser prescrita com cautela a pacientes sob risco de insuficiência cardíaca ou que já apresentem esse quadro”, escreveram os cientistas em artigo no periódico ESC Heart Failure.
Os pesquisadores reconhecem que o estudo tem algumas limitações, uma delas a de o uso de aspirina ter sido autodeclaratório, sem acompanhamento frequente. Este não foi o primeiro trabalho a jogar dúvida sobre o uso preventivo da aspirina para cardíacos, mas talvez tenha sido o mais preocupante, até agora. O volume de dados usados, porém, confere robustez ao trabalho.
O estudo atual usou um subgrupo de 30 mil pessoas. (Reprodução/ Mike Steele/CC)
Por ampliar o risco de hemorragias intestinais e cerebrais em algumas pessoas, a prescrição de aspirina diária preventiva já vinha sendo objeto de cautela por parte dos médicos. Mas, o fato de ela elevar o risco do próprio problema cardíaco que ela buscava prevenir surpreendeu os médicos.
“Esse estudo ter investigado mais um ponto potencial em que a aspirina pode ser deletéria foi importante”, disse ao O Globo Evandro Tinoco Mesquita, presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Para Mesquita, um aspecto importante do estudo é ele ter acompanhado voluntários sem histórico de doença cardíaca, mas com fatores de risco com tabagismo, obesidade, hipertensão e diabetes. No Brasil, existe uma cultura popular grande de automedicação nessa população e foi justamente para eles que a aspirina se mostrou mais nociva que benéfica no estudo europeu.
A percepção de que a aspirina é uma droga segura para uso diário começou a mudar na última década. Alguns estudos mostraram tênue efeito positivo do medicamento em prevenção primária (nas pessoas que nunca manifestaram sintomas ou sinais clínicos cardíacos preocupantes) ou secundária (pessoas sem sintomas, mas com algum sinal clínico). Ao menos dois estudos recentes feitos em pacientes com risco para insuficiência cardíaca, porém, apontam para o lado oposto.
“Ensaios clínicos grandes multinacionais em adultos sob risco de insuficiência cardíaca são necessários para verificar esses resultados. Até lá, nossas observações sugerem que a aspirina deva ser prescrita com cautela naqueles com insuficiência cardíaca ou fatores de risco para tal”, diz Mujaj.
Cultura americana
Hoje até mesmo a Associação Americana de Cardiologia, que no passado foi a responsável por popularizar o uso preventivo da aspirina, pede cautela no emprego frequente da droga. A entidade condena automedicação e deixa os médicos livres para prescreverem uso diário do medicamento a pacientes que já tiveram infarto ou AVC. Recomenda cautela, porém, sobretudo em pacientes sem histórico de cardiopatia e em maiores de 70 anos.
Mesquita, da SBC, afirma que seria desejável ver estudos maiores, mas por a aspirina se tratar de uma droga já livre de patente, dificilmente a iniciativa privada patrocinará um grande estudo.
“Mas, as próprias agências de governo têm olhado para os resultados de meta-análises e estudos que se somam e veem que, cada vez menos, a aspirina se encaixa nesse conceito de droga milagrosa”, diz Mesquita. O uso ocasional do medicamento, porém, para febre ou dor de cabeça, continua se mostrando seguro.
O especialista afirma que, no tratamento e prevenção da insuficiência cardíaca em si, é importante que cada médico avalie individualmente seu paciente para comparar o risco e o benefício da aspirina e optar pelo seu uso apenas quando for conveniente.
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