‘Assinando a nossa morte’, diz liderança após decreto de Lula sobre hidrovias na Amazônia


Por: Fabyo Cruz

03 de setembro de 2025
‘Assinando a nossa morte’, diz liderança após decreto de Lula sobre hidrovias na Amazônia
A liderança indígena Alessandra Munduruku, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Rio Tapajós (Reprodução e Ricardo Stuckert | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

BELÉM (PA) – Alessandra Munduruku, liderança indígena do Pará, afirmou, nesta quarta-feira, 3, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está “assinando a morte” de indígenas e de outros povos tradicionais após a edição do Decreto 12.600, que inclui as hidrovias dos rios Tapajós, Madeira e Tocantins no Programa Nacional de Desestatização (PND).

A ativista afirmou, em vídeo gravado às margens do Rio Tapajós, que a medida representa uma ameaça direta aos territórios sagrados, às comunidades ribeirinhas e à biodiversidade aquática da região do Tapajós, além de ter sido tomada sem consulta prévia aos povos indígenas. As declarações foram publicadas pela liderança indígena em suas redes sociais.

“Estou aqui nesse rio, que se chama Rio Tapajós, que é um lugar maravilhoso, um lugar sagrado, onde também é casa dos peixes, é a casa das moradias, dos espíritos. Mas isso está tudo ameaçado, não só os povos indígenas, mas também o mundo espiritual”, disse a líder indígena.

Ela destacou, também, que as hidrovias não atendem às comunidades locais, mas a interesses externos. “Essa hidrovia não é para a gente, é para a soja, para as grandes transportadoras mundiais, essas empresas mundiais, esses países desenvolvidos. Que desenvolvimento é esse, sem a participação dos ribeirinhos, dos pescadores, dos indígenas? Que desenvolvimento é esse que vai matar a mãe dos peixes?”, questionou.

Alessandra relacionou o decreto assinado por Lula a outros grandes projetos de impacto na Amazônia. “A COP30 está chegando, mas a gente já percebe os grandes acordos que estão acontecendo agora com as grandes empresas. A gente está sendo ameaçado por todos os lados. Uma Ferrogrão, uma hidrovia, as mineradoras, o petróleo. Querem mais o quê? Qual a morte vocês querem fazer com a gente, presidente [Lula] e governador [Helder Barbalho]? Já basta a espionagem que está acontecendo com a gente. Já basta a morte que está acontecendo com a gente”.

Leia também: CPI poderá apurar denúncias de espionagem a indígenas pelo Governo do Pará

A liderança comparou, ainda, a iniciativa à implantação de hidrelétricas na região. “Do jeito que você tentou fazer uma usina hidrelétrica São Luís Tapajós, como você também destruiu o rio Xingu para construir uma Belo Monte, que para nós é ‘Belo Morte’, e agora você vêm com essa hidrovia. A gente jamais vai aceitar! Eu sou mãe, tenho várias mulheres que são avós, pais, tios, filhos, professores. A gente vai lutar!”, afirmou.

Ela também cobrou respeito ao direito de consulta previsto em lei. “Você não fez nenhuma consulta com os povos indígenas, nem com ribeirinhos, nem com pescadores. A gente jamais vai aceitar que nosso rio seja uma mercadoria. Você tem que pensar no que está fazendo. Porque você é um presidente. Você está assinando a nossa morte, dos rios, dos peixes. Você pode assinar, mas a gente vai para a luta. Vamos decidir, vamos defender esse rio. Sawe!”.

O decreto alvo das críticas foi publicado no Diário Oficial da União em 29 de agosto de 2025 e faz parte do plano do governo federal de valorização das hidrovias no Arco Norte, corredor logístico destinado ao escoamento do agronegócio até os portos da região Norte do País.

As hidrovias incluídas contemplam trechos estratégicos:

  • Rio Madeira, 1.075 quilômetros entre Porto Velho, RO, e Itacoatiara, AM;
  • Rio Tocantins, 1.731 quilômetros entre Belém, PA, e Peixe, TO;
  • Rio Tapajós, 250 quilômetros entre Itaituba e Santarém, PA.
Posição do governo federal

O governo federal argumenta que as concessões podem reduzir custos logísticos e diminuir emissões de gases de efeito estufa, ao substituir caminhões por transporte fluvial, e que os estudos de viabilidade estão sob responsabilidade do Ministério dos Portos e Aeroportos e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). O contrato inicial previsto para a Hidrovia do Madeira é de 12 anos, com investimentos estimados em R$ 109 milhões e remuneração majoritariamente garantida por recursos públicos.

Projetos como a Hidrovia do Tocantins ainda enfrentam entraves ambientais e legais, como o Pedral do Lourenço, cuja licença para derrocamento foi suspensa pela Justiça Federal no Pará. O Ministério Público Federal defende consulta prévia e informada, conforme a Convenção 169 da OIT, e estudos sobre os impactos na pesca e na vida das comunidades.

Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins (Antonio Cavalcante/Ascom Setran/PA)

Informações recentes indicam que a Hidrovia Araguaia-Tocantins também segue em fase de estudos para ampliação da navegação, visando integrar-se ao corredor logístico do Arco Norte. No trecho da Hidrovia do Tocantins, o Pedral do Lourenço permanece como obstáculo crítico: a licença ambiental para obras de derrocamento ainda aguarda julgamento final na Justiça Federal no Pará, e o processo inclui questionamentos sobre impactos socioambientais e compensações às comunidades ribeirinhas.

Leia mais: Lula assina decreto que inclui três hidrovias na Amazônia para leilões de concessão
Editado por Jadson Lima

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