Da Cenarium*
MANAUS – Prestes a completar seis anos, o episódio da facada desferida por Adélio Bispo no então candidato a presidente Jair Bolsonaro, em setembro de 2018, continua alimentando fake news e distorções, à esquerda e à direita.
O episódio voltou à tona após o atentado contra Donald Trump neste sábado, 13, no estado americano da Pensilvânia. Pouco depois do crime, o deputado federal André Janones (Avante), um dos aliados do presidente Lula mais influentes nas redes, postou: “Agora sabemos o que o miliciano foi fazer nos EUA assim que deixou a presidência. É a ‘Fakeada’ fazendo escola”.
Este domingo, 14, Carlos Bolsonaro (PL), vereador pela cidade do Rio de Janeiro e filho de Bolsonaro, reproduziu vídeo de entrevista antiga do ex-ministro José Dirceu (PT). Na postagem, Carlos sugere que Dirceu teria classificado a facada como “erro nosso” –distorcendo a fala do petista.
As postagens mostram como o episódio da facada continua a ser mobilizado, tanto à esquerda quanto à direita, para alimentar narrativas falsas.
Por um lado, parte da direita, incluindo a família Bolsonaro, sustenta a ideia de que o crime teve mandante ou alguma conexão com partidos de esquerda –algo descartado pela Polícia Federal, que concluiu um segundo inquérito sobre o caso em junho deste ano.
De outro, atores de esquerda ventilam a teoria falsa de que a facada foi planejada por Bolsonaro ou mesmo de que o atentado nunca aconteceu.
Em entrevistas, o presidente Lula (PT) levantou questionamentos nesse sentido. “Aquela facada tem uma coisa muito estranha, uma facada que não aparece sangue em nenhum momento. O cara que dá a facada é protegido pelos seguranças do Bolsonaro, a faca que não aparece em nenhum momento”, disse, em 2019, à rede TVT.
Segundo médicos, a ausência de sangue é normal. A hemorragia após a facada ocorreu internamente, já que a musculatura abdominal se contraiu, bloqueando vazamentos.
Um autoproclamado documentário, este lançado pela TV 247, também tentou jogar dúvidas sobre o atentado. “Bolsonaro e Adélio, Uma Fakeada no Coração do Brasil”, que alcançou centenas de milhares de visualizações antes de ser removido do YouTube por violar os termos de serviço da plataforma, traz informações falsas e faz afirmações contraditórias entre si, como mostrou a Folha em 2021.
No outro lado do espectro político, o ex-presidente Bolsonaro, seus filhos e aliados insistem na teoria de que Adélio não agiu sozinho e dizem que a Polícia Federal não fez o suficiente para investigar supostos mandantes do crime.
Para isso, o núcleo duro do ex-presidente lembra que Adélio foi filiado ao PSOL, o que indicaria ligação do partido de esquerda com o crime.
A PF investigou o diretório do PSOL de Uberaba (MG), onde Adélio foi filiado de 2007 a 2014. Adélio nunca participou de reuniões e se desligou do partido por conta própria. Ele tomou essa decisão porque o partido não quis lançá-lo candidato a deputado federal, segundo contou em depoimento.
Para refutar a tese do lobo solitário, bolsonaristas também recorrem a um vídeo gravado no dia da facada –e compartilhado pelo próprio Bolsonaro– em que alguém parece dizer “calma, Adélio”. A PF depois concluiu que a pessoa diz “calma, velho”.
Abaixo, veja o que se sabe sobre o atentado contra Bolsonaro em 2018:
A hipótese de que a facada tenha sido uma simulação foi investigada? A informação foi considerada, mas a Polícia Federal não se aprofundou na possibilidade, por considerá-la absurda. Os médicos que atenderam Bolsonaro confirmaram o ferimento a faca. Além disso, havia vestígios do DNA dele na lâmina, e a cena do ataque foi registrada por várias câmeras.
O agressor agiu por conta própria? Adélio diz que teve a ideia de matar Bolsonaro sozinho e que não recebeu ajuda. A PF não conseguiu identificar, até o momento, a participação de ninguém mais.
Adélio já teve a oportunidade de apontar mandantes ou comparsas, se quisesse fazer isso? Sim. A PF propôs a ele um acordo de delação premiada, em outubro de 2019, mas ele rejeitou a hipótese. Adélio reiterou que a tentativa de matar Bolsonaro não foi encomendada e que, mesmo que quisesse, não teria ninguém para delatar.
Adélio foi filiado ao PSOL? O diretório do PSOL de Uberaba (MG), onde Adélio foi filiado entre 2007 e 2014, também foi investigado. Adélio nunca participou de reuniões e se desligou por conta própria. A decisão, segundo ele, foi porque o partido não quis lançá-lo candidato a deputado federal.
Bolsonaro já apresentou alguma pista sobre quem estaria por trás do ataque? Embora faça críticas ao trabalho da PF e cobre que seja encontrado um mandante do atentado, o presidente nunca apresentou pista ou suspeita que pudesse ajudar nas investigações. Em abril de 2020, ele disse: “Eu não tenho provas pessoalmente. Eu tenho é sentimentos, sugestão para dar para a Polícia Federal”.
Adélio foi ao mesmo clube de tiro frequentado pelos filhos de Bolsonaro? Sim, ele esteve no estabelecimento na época em que morava na região de Florianópolis. A ida dele ao clube de tiro .38, frequentado pelos filhos de Bolsonaro, foi uma coincidência, segundo a PF. As investigações mostraram que Adélio escolheu o local porque era o mais próximo da casa dele. Não procede a informação de que o vereador Carlos Bolsonaro esteve no local no mesmo dia do criminoso.
A Câmara dos Deputados, em Brasília, registrou a entrada de Adélio no prédio no dia da facada? Sim, o que foi interpretado na época como uma possível tentativa de estabelecer um álibi. A Câmara informou, porém, que o registro ocorreu por engano: quando um recepcionista foi averiguar por curiosidade se Adélio já tinha estado no Congresso, ele se confundiu e, em vez de apenas pesquisar o nome, acabou anotando a entrada.
Por que não apareceu sangue na camiseta de Bolsonaro? Segundo médicos, a ausência de sangue é normal. A hemorragia após a facada ocorreu internamente, já que a musculatura abdominal se contraiu, bloqueando vazamentos. O corte na pele foi pequeno (cerca de 3 cm). O paciente chegou ao hospital com aproximadamente 2 l de sangue espalhados dentro da barriga.
Bolsonaro estava com câncer e forjou o ataque para poder se tratar sem revelar a doença? Não. A hipótese, difundida em redes sociais, foi descartada pela Polícia Federal. Médicos que o atenderam foram questionados acerca do tema e responderam que a história desafia a lógica.
Segundo eles, seria improvável que a família resolvesse submetê-lo a uma cirurgia do tipo com médicos sem nenhuma relação com o paciente, em um hospital desconhecido, sem exames pré-operatórios.
(*) Com informações da Folhapress