Ativistas LGBTQIAPN+ temem onda de violência após novas regras da Meta
Por: Thais Matos e Adrisa De Góes
08 de janeiro de 2025
Homem se encobre com bandeira do símbolo LGBTQIAPN+ (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
MANAUS (AM) – O anúncio do CEO da Meta — que controla Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp —, Mark Zuckerberg, sobre o fim da checagem de fatos, se tornou uma preocupação para ativistas da causa LGBTQIAPN+. Isso porque as novas regras também permitem que usuários associem a transexualidade e a homossexualidade a doenças mentais.
A diretora-presidente da Casa Miga, em Manaus, Karen Arruda, destaca que a internet possui poucas regras de convivência, o que a torna uma “terra sem lei”. A dirigente enfatiza, ainda, que embora medidas judiciais no Brasil possam ser tomadas em casos de crimes virtuais, isso seria insuficiente.
“Com essa medida, as redes sociais se tornam solo fértil para a proliferação do preconceito e da LGBTfobia. Com o mínimo de segurança sendo retirado, perderemos ainda mais tempo nos defendendo”, afirmou Arruda à CENARIUM.
A ativista Karen Arruda envolvida sob a bandeira LGBTQIAPN+ (Reprodução/Arquivo Pessoal)
O diretor de assuntos globais da Meta, Joel Kaplan, justifica a decisão ao afirmar que “tópicos como esses podem ser discutidos na TV ou no Congresso, e não é correto que sejam censurados em nossas plataformas”. “Estamos eliminando regras excessivamente restritivas sobre temas como imigração e identidade de gênero, que frequentemente são objetos de debate político”, ressalta Kaplan.
Para a diretora-presidente da Casa Miga, há a necessidade de incluir especialistas em direitos humanos e diversidade na construção de diretrizes das redes sociais. No entanto, ela reconhece que essa não é uma prioridade para as grandes empresas.
“A maioria dos países faz parte do acordo da ONU sobre direitos humanos. Incluir especialistas para proteger esses direitos universais deveria ser simples, mas, infelizmente, outras questões e interesses parecem prevalecer. Proteger os direitos da população LGBTQIAPN+ claramente não está no topo da agenda prioritária”, concluiu.
Ambiente de agressores
O presidente da ONG Olívia e secretário de Juventude da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT) em Belém, Marcos Melo, aponta que a internet ampliou as possibilidades de ataques contra a população LGBTQIAPN+ e criou um ambiente no qual os agressores se sentem mais à vontade para praticar violência.
“Essa decisão é parte de uma movimentação política que parece alinhada à extrema direita, permitindo ainda mais violência no ambiente digital. Isso nos preocupa profundamente”, disse à reportagem.
Marcos Melo veste camisa e segura bandeira de ONGs as quais representa (Reprodução/Redes Sociais)
Melo também ressalta como a vida da população LGBTQIAPN+ é explorada de forma mercantil. Ele afirma que a associação dessas pessoas a doenças mentais reforça ciclos de estigmatização e violência, o que, por sua vez, gera engajamento nas plataformas e lucro para as empresas.
“Estamos reduzindo a existência de pessoas LGBTQIAPN+ a narrativas de doença, violência e estigmatização, tudo sob a falsa justificativa de ‘liberdade de expressão’. Na prática, isso perpetua uma violência histórica contra nossa comunidade. Essa violência, que já nos atravessa de forma física, psicológica, patrimonial e institucional, agora é amplificada no ambiente digital, adquirindo também um caráter estrutural”, alertou o ativista.
Para Marcos Melo, embora o Brasil esteja empenhado em regulamentar o uso da internet, o processo enfrenta desafios significativos por conta da resistência das grandes empresas de tecnologia.
“Plataformas digitais têm sido usadas para disseminar discursos de ódio e violência, que geram lucro porque promovem engajamento. Isso torna a regulamentação ainda mais desafiadora. Nesse cenário, o papel das organizações da sociedade civil é crucial. O Brasil conta com importantes instituições nacionais dedicadas a debater e propor soluções para a regulamentação da internet, um passo essencial para enfrentar esses desafios de maneira eficaz”, concluiu Melo.
Extremo retrocesso
A advogada e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), Alessandrine Silva, ressalta que o artigo 5º da Constituição Federal estabelece punições nos incisos XLI, “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” – e XLII, “que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBTQIAPN+”.
“Ainda que a empresa Meta adote posturas que vulnerabilizam essa comunidade, no Brasil as regras são outras. Qualquer indivíduo que viole os direitos dessa comunidade, mesmo em nome de liberdade religiosa, pode ser responsabilizado civil e criminalmente, pois nossa legislação já estabeleceu que pronunciamentos dessa índole não podem insultar, ofender ou incentivar a intolerância contra essa comunidade”, destaca a advogada.
A advogada e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM, Alessandrine Silva (Luiz André Nascimento/CENARIUM)
Alessandrine Silva relembra, ainda, que há um debate sobre o tema, por meio do Projeto de Lei (PL) 2630, que tem como relator o deputado federal Orlando Silva. A proposta, se aprovada, vai regular o ambiente digital e aumentar a proteção a grupos minorizados, além de coibir fake news e discursos de ódio.
Empresas e direitos humanos
Pesquisadores, ativistas, organizações e autoridades políticas, além do governo federal, têm avaliado a relação entre empresas e direitos humanos. Um exemplo é o Comitê de Educação e Cultura em Direitos Humanos do Ministério de Direitos Humanos, que possui como membro a Safernet, uma organização sem fins lucrativos que reúne especialistas em computação, educadores, pesquisadores e juristas, dedicada à missão de proteger e promover os direitos humanos na Internet.
“O STF também já toma decisões em defesa da soberania nacional e dos direitos humanos, como foi o quando o ministro Alexandre de Moraes decidiu que o Google e a Meta informassem quais as providências reais e concretas que realizaram para prevenir, mitigar e retirar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços e no combate à desinformação de conteúdos gerados por terceiros em assuntos como comportamento ou discurso de ódio, inclusive promoção de racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo mediante preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, ressaltou Silva.
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